A inclusão dos chamados membros de Poder, como parlamentares , procuradores e magistrados, e militares na reestruturação de carreiras públicas prevista na reforma administrativa poderia gerar economia de R$ 31,4 bilhões aos cofres públicos em dez anos . É o que aponta um levantamento do economista Daniel Duque, líder da área de inteligência técnica do Centro de Liderança Pública (CLP), feito a pedido do GLOBO.
O governo não incluiu essas categorias na proposta que muda regras para os futuros servidores encaminhada ao Congresso no ano passado. Está marcada para hoje uma reunião com todos os líderes para discutir méritos, ritos e procedimentos de tramitação da reforma no âmbito da Comissão Especial, informou o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Ele reforçou que as mudanças não atingem os atuais servidores e que o assunto será tratado com “cuidado e responsabilidade”.
No caso de membros do Ministério Público e juízes, que integram o Judiciário, a justificativa dada pelo governo foi a de que o Executivo não pode interferir nos demais Poderes. O Ministério da Economia afirmou na ocasião que o projeto era voltado apenas para servidores civis e, portanto, não poderia tratar dos militares.
Em 2019, foi aprovada uma reestruturação de carreiras. Em 2020, porém, as despesas com pessoal aumentaram 17% a mais do que o previsto.
As projeções do CLP mostram que o maior impacto seria o de eventual inclusão de militares na reforma, porque eles são mais numerosos. As Forças Armadas têm cerca de 334 mil na ativa.
Os cálculos de Duque mostram que se a categoria fosse submetida a uma reforma semelhante à planejada para os civis, o governo poderia economizar R$ 17,3 bilhões em dez anos só com reajustes menores.
A inclusão de membros de Poder resultaria numa economia estimada de R$ 14,1 bilhões em dez anos. Nesse caso, o alívio aos cofres públicos ocorreria também com aumento de horas trabalhadas.
“Membros de Poder têm uma jornada média menor que a do setor privado, de modo que pode haver economia com reposição menor destes profissionais com base no aumento de horas trabalhadas” diz o economista.
Tramitação da PEC avança
Para fazer o cálculo, Duque considerou a relação renda/hora efetiva e habitual, medindo o que se ganha em salários e benefícios, a reposição menor de servidores com base no aumento de horas efetivamente trabalhadas e os reajustes menores ao longo dos anos, decorrentes de mudanças nas carreiras.
Foi no reajuste que apareceu a diferença mais significativa. Isso porque a reforma acabaria com a progressão automática, entre outros mecanismos de aumento inercial dos salários, como gratificações por tempo de serviço.
“A economia nesse reajuste é elevada porque a massa salarial é elevada”, pontua Duque, que estimou renda média de R$ 8.990 mensais, considerando a soma habitual e efetiva, aos quase 411,4 mil servidores em funções militares ou no Judiciário.
Para ele, o montante que seria economizado no longo prazo é um valor do qual o governo não deveria abrir mão:
“Membros de Poder têm de entrar na reforma, sem dúvida. São a classe mais privilegiada de servidores.”
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa, entregue pelo governo ao Congresso em setembro de 2020, só começou a tramitar de fato este ano. Em maio, a proposta foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e agora vai para a Comissão Especial, que pode fazer alterações de mérito no texto.
Serão 34 deputados titulares e igual número de suplentes. Parlamentares tentam, por meio de emendas à PEC, incluir os membros de Poder. Autor de uma das emendas, Kim Kataguiri (DEM-SP) depende de 30 assinaturas para fazer o pedido de inclusão:
“É fundamental incluir os membros de Poder. Se não tiver essa inclusão, não vale a pena ter reforma. Para fazer uma reforma administrativa, é preciso começar pelo topo. Se for fazer só para a base, é melhor não fazer.”
Categorias resistem
Entidades que representam categorias do Judiciário contestam a inclusão na reforma administrativa. A alegação é de que apenas o Supremo Tribunal Federal (STF), no âmbito do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), poderia encaminhar proposta para mudar as regras de servidores da categoria, como magistrados e procuradores da República. Mas não há consenso entre juristas sobre isso.
Especialistas consultados pelo GLOBO entendem que a inclusão dessas categorias pode ser feita via emenda de parlamentares. Deputados argumentam que não estão reestruturando as carreiras, apenas estabelecendo limites orçamentários.
Para o coordenador da Frente Parlamentar da Reforma Administrativa, Tiago Mitraud (Novo-MG), a tendência é que a discussão sobre a inclusão ganhe força na Comissão Especial. O Novo também tem uma emenda nesse sentido e segue na coleta de assinaturas para emplacá-la.
De acordo com parlamentares, os partidos de esquerda têm sido mais resistentes: como são contrários à reforma administrativa como um todo, não apoiam emenda.
“Os partidos de esquerda vão ter que sair dessa posição de só negar a reforma e buscar como melhorar, trabalhando as críticas e contribuindo para acabar com esses privilégios. Além de incluir membros de Poder, temos que incluir os atuais servidores”, afirmou Mitraud.
Servidor atual blindado
A ampliação da reforma para atuais servidores seria tarefa bem mais complexa, porque contraria um pedido feito claramente pelo presidente Jair Bolsonaro ao ministro da Economia, Paulo Guedes.
Quando comunicou a criação da Comissão Especial, o presidente da Câmara fez uma única ressalva, em relação aos atuais servidores:
“Vamos conversar sobre os ajustes necessários, ressalvada a palavra dessa presidência de que não admitirá, em hipótese alguma, nenhum ataque aos servidores atuais, ao direito adquirido, a tudo que está posto hoje na legislação. Se vier a ser aprovada, esta matéria terá efeito a partir de agora em diante, no modelo mais moderno para o sistema público brasileiro.”
O anúncio foi feito após uma semana de sinais trocados, em que se aventou a possibilidade de o governo não mais trabalhar pela aprovação da reforma administrativa. O assunto foi alvo de uma provocação do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), que questionou o interesse do governo em avançar com a reforma em ano pré-eleitoral.
Fonte: IG
Créditos: IG