O 23° Grito dos Excluídos reuniu cerca de 10 mil pessoas na Avenida Paulista, na manhã de hoje (7), para denunciar a piora nas condições de vida e protestar contra as reformas e privatizações propostas pelos governos do presidente Michel Temer (PMDB), do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), e do prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB). O lema deste ano foi “por direitos e democracia, a luta é todo dia”. Segundo os participantes do ato, essa luta tem revelado um caráter cotidiano.
O coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP), Raimundo Bonfim, destacou que esta edição do Grito marca uma mudança na situação do país. “É muito triste que chegamos aqui nessa situação. Desde 1995 – primeiro ato do Grito – tivemos avanços na redução da desigualdade e da exclusão social. Hoje estamos de volta ao mapa da fome”, afirmou. “Queremos denunciar o desmonte em todos os níveis de governo. E gritar na esperança de que podemos reverter essa situação”, completou.
Dentre os principais pontos críticos destacados pelos movimentos sociais, estão a Emenda Constitucional 95, que congela os gastos públicos por 20 anos, e as propostas de privatização dos governos Alckmin e Doria, além do severo congelamento de verbas em áreas sociais, perpetrado pelo prefeito de São Paulo. “Além de autoritário, antipovo e elitista, é um governo com ações higienistas, com nítido objetivo de favorecer a especulação imobiliária”, diz a carta dos movimentos.
Para a população presente, porém, há problemas urgentes dentro de casa. Desempregada há dois anos, Tatiane Oliveira, 20 anos, participa há cinco anos do Grito dos Excluídos. Ela mora com o marido e dois filhos pequenos em uma ocupação do Movimento Moradia para Todos (MMPT). “A condição de vida piorou bastante. Sou vendedora com experiência, mas estou há dois anos sem conseguir trabalho. Pagar aluguel é impossível, hoje está difícil até comprar comida”, relatou. O marido dela acabou de conseguir trabalho, após quase três anos desempregado.
O gráfico Fábio Damasceno, de 42 anos, e a esposa, a assistente administrativa Greice Silva, de 35 anos, se conheceram no Grito, há cinco anos. Hoje trouxeram o pequeno Rogério, de um ano e oito meses, ao ato. “Já estou há nove meses desempregada e sem nenhuma perspectiva”, lamentou Greice. Para dificultar mais, não conseguem vaga para o filho em nenhuma creche.
“Está muito difícil pagar as contas. Paga uma e deixa outra pro mês que vem. O aluguel consome 30% do que ganho e o resto a gente vai equilibrando até o fim do mês”, relatou Damasceno.
A professora Lucilene Silva estava revoltada com a apatia da população. “A gente tem de ir pra rua. Só assim vamos mudar essa situação. Estão desmontando o país, do Oiapoque ao Chuí”, afirmou. Para ela, a situação é a mais grave que o país já passou. “O povo está mais pobre, as coisas estão mais caras, não temos perspectiva e ainda querem cortar vários serviços”, disse.
Os manifestantes saíram da Avenida Paulista e desceram a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio até o Monumento às Bandeiras, no Parque do Ibirapuera. O ato foi pacífico, com pouca presença de policiais. À frente, um grupo batia panelas, simbolizando a miséria que assola a população novamente.
“Trouxemos as panelas para mostrar que elas agora estão vazias. Desemprego, salário defasado. A burguesia bateu panela cheia, dizendo que era contra a corrupção, e ajudou a colocar uma máfia no poder”, afirmou Miriam Hermógenes, coordenadora nacional da CMP.
Mobilização nacional
Os atos do Grito dos Excluídos foram realizados hoje também em Dourados e Campo Grande, no Mato Grosso do Sul; nas capitais de Porto Alegre, Curitiba, Manaus, Porto Velho, Rio de Janeiro e Fortaleza; nas cidades de Cascavel (PR), Eunápolis (BA), Campina Grande (PB), Juiz de Fora (MG); e também em cidades do interior de São Paulo, como Campinas e São José do Rio Preto.
Leia, abaixo, reportagem da Agência Brasil sobre o assunto:
Grito dos Excluídos pede direitos e cidadania em várias cidades do Brasil
Em várias cidades de todas as regiões do Brasil, a 23ª edição do Grito dos Excluídos reuniu milhares de pessoas no feriado de 7 de Setembro. O mote deste ano da tradicional mobilização é “Por direito e cidadania, a luta é todo dia”. Entre as reivindicações, estão a preservação e a ampliação de direitos sociai, críticas às reformas propostas pelo governo e a reversão do decreto que extingue uma reserva mineral na Amazônia.
Em Brasília, a concentração começou às 9h. De um lado da Esplanada dos Ministérios, a cúpula do governo federal assistia, ladeada por milhares de pessoas, o desfile cívico-militar. Do outro, próximo ao Museu da República, movimentos sociais e ativistas protestavam em defesa da democracia e contra as reformas em curso, como a trabalhista e a previdenciária. O número de participantes não foi divulgado.
Ao longo de toda a manhã, cantadores, rappers, batuqueiros e outros integrantes da articulação “Artistas pela Democracia” dividiram o palco com organizações da sociedade civil que, uma a uma, apresentaram suas reivindicações. Crianças também participaram do ato, pintando e erguendo cartazes em defesa da Amazônia, da reforma agrária, da demarcação de terras indígenas e de direitos sociais, como educação.
Por volta das 11h30, o grupo saiu em caminhada em direção ao Congresso Nacional, pedindo a saída do presidente da República Michel Temer. “O Grito dos Excluídos sempre faz a defesa da vida. Neste ano, acrescentamos a questão da defesa da democracia e também a luta por direitos, por conta da conjuntura que estamos vivendo. Por isso, várias pessoas entoaram a palavra de ordem: ‘nenhum direito a menos'”, disse José Boaventura Teixeira, educador popular e integrante da Cáritas Arquidiocesana de Brasília.
Um dos organizadores do ato, Teixeira explicou que o Grito dos Excluídos nasceu da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e, ao longo de mais de duas décadas, sai às ruas no 7 de setembro para denunciar a injustiça social. “É uma prática que, de certa forma, sempre foi feita com o envolvimento de grupos populares e fortemente da Igreja, na perspetiva da opção pelos pobres e pelos excluídos, que é uma mensagem antiga e que está sendo fortalecida pelo papa Francisco”, relembrou.
Apesar de nem a polícia nem a organização do movimento terem divulgado o número de participantes, Teixeira diz que número de participantes diminuiu em relação aos 10 mil manifestantes do ano passado. Para ele, a situação reflete o desânimo provocado pela crise política e pelo comportamento da mídia. “A mídia não tem incentivado, de forma alguma, a participação política, a organização do povo para repensar [a sociedade]. Ao contrário, a mídia tem levado a sociedade a ficar cada vez mais descrente com a Política, em letra maiúscula”, criticou. Ele acrescentou que Executivo, Legislativo e Judiciário também têm efetivado ações importantes sem a participação popular.
Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, o 23º Grito dos Excluídos saiu pouco depois de 12h da Rua Uruguaiana e seguiu pela Avenida Presidente Vargas até a Avenida Rio Branco, logo após o fim do desfile cívico-militar de 7 de setembro. A passeata ocupou cerca de um quarteirão e chegou à Praça Mauá às 12h30, sem nenhuma violência ou confronto.
Durante o trajeto, muitas palavras de ordem em cartazes, faixas e no carro de som em defesa dos direitos da população e dos trabalhadores e contra as reformas propostas pelo governo. O fechamento do ato está previsto para as 16h, na Cinelândia.
Participaram representantes de diversos movimentos sociais e centrais sindicais, como Frente Internacionalista dos Sem Teto (Fist), Central de Movimentos Populares, Quilombo da Gamboa, SOS Jaconé Porto Não, Movimento dos Atingidos por Barragem, de mulheres, movimentos LGBT, Movimento Contra a Violência na Maré, Movimento Antimanicomial. Também estiveram presentes trabalhadores da educação, da Fiocruz e do setor de óleo e gás, além de representantes dos Fóruns de Saúde do Rio de Janeiro e em Defesa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
O advogado da Fist, André de Paula, explicou que a manifestação ocorre em todo o país e é o grito da maioria. “É o grito dos excluídos, que é a maioria, denunciando que o Brasil, na verdade, não é independente, mas sim subordinado ao capital internacional. A Fist tem como bandeira denunciar as remoções e despejos. Temos hoje 5 mil prédios vazios enquanto tem pessoas morando nas ruas”, disse.
O diretor de comunicação do Sindicato dos Trabalhadores da Fiocruz, Gutemberg Brito, disse que a entidade participa do ato para defender o Sistema Único de Saúde (SUS). “A Fiocruz é de estado, trabalhamos para a população brasileira e a nossa defesa é a defesa do SUS público e de qualidade, contra os retrocessos que temos visto nos últimos tempos no Brasil. Eles tiram os nossos direitos e nós tiramos o sossego deles”.
Diretora do Sindipetro-RJ, Ana Patrícia Laier explica que o sindicato é contra a venda de ativos da Petrobras. “Estamos tentando fazer uma reação a essa privatização fatiada da Petrobrás, que vem vendendo os nossos ativos, malha de gás, campos gigantes do pré-sal, como Carcará, agora vai atacar o excedente da cessão onerosa”, declarou.
Belo Horizonte
Na capital mineira, movimentos sociais reuniram-se na Praça Rio Branco, em frente à rodoviária, de onde seguiram pelas ruas do centro da capital mineira. A principal bandeira desta edição foi a revogação da reforma trabalhista.
“Foi lançada uma campanha em todo o país para colher assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular que prevê a anulação dos efeitos da reforma trabalhista. Nosso objetivo é construir uma resistência pra impedirmos que as mudanças entrem em vigor em 11 de novembro, conforme a data prevista na lei”, explicou Beatriz Cerqueira, presidente da Central Única dos Trabalhadores em Minas Gerais (CUT-MG).
Os manifestantes também protestaram com faixas e gritos de ordem contra o Poder Judiciário, a quem acusam de atuar de forma seletiva. De acordo com Beatriz Cerqueira, alguns partidos estão sendo criminalizados em detrimento de outros. Segundo ela, há pessoas sendo presas apenas com base nas delações e outros, mesmo com provas concretas de corrupção, permanecem soltos. A presidente da CUT-MG também criticou o instituto da delação premiada.
“Honestamente, acho que é um novo mecanismo de tortura. No regime militar, as pessoas eram colocadas no pau-de-arara e forçadas a entregar seus companheiros. Agora, eles prendem as pessoas sem provas até minar a resistência e elas falarem o que os procuradores querem ouvir. E as pessoas acabam falando o que pedem para poder reduzir a pena e restabelecer o mínimo de seu direito à liberdade”, reclamou Beatriz.
Também hoje, cerca de 70 famílias sem-teto ocuparam um imóvel na Pedreira Prado Lopes, comunidade na região noroeste de Belo Horizonte. Movimentos sociais ligados à moradia dão suporte à Ocupação Pátria Livre, como foi apelidada. Eles alegam que o local está abandonado há mais de 10 anos e não cumpre função social, conforme estabelecido pela Constituição Federal.
De acordo com os sem-teto, a Polícia Militar ameaçou dar início à reintegração de posse, mas recuou após o governo de Minas Gerais concordar em receber as famílias para uma reunião na terça-feira (12). A Agência Brasil tentou fazer contato com o governo mineiro para confirmar o encontro, mas não obteve sucesso. A PM informou ter sido acionada pelo proprietário do imóvel e foi até o local para atender a ocorrência, mas negou que tivesse a intenção de fazer a reintegração de posse.
Histórico
O Grito dos Excluídos surgiu dentro da Igreja Católica, em 1995, com o objetivo de aprofundar o tema da Campanha da Fraternidade do mesmo ano. Em 1999, o Grito rompeu fronteiras e estendeu-se para as Américas. No Brasil, os atos ocorrem em diferentes cidades, no dia da Independência, e reúnem pessoas, grupos, entidades, igrejas e movimentos sociais comprometidos com as causas dos excluídos.
Fonte: Brasil 247