Estudo do projeto que será divulgado na próxima semana prevê suspensão de regras da LRF por um prazo de três anos para estados, como o Rio de Janeiro, tentarem se recuperar do caos financeiro
A situação das contas públicas do Rio de Janeiro é tão caótica que o governo federal não tem outra saída senão propor alterações na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para implementar um regime de recuperação fiscal naquele estado e nos entes federativos mais endividados, como Rio Grande do Sul e Minas Gerais. O Executivo está terminando de costurar um pacote que prevê o congelamento da LRF e vai apresentá-lo na semana que vem ao Congresso Nacional.
Segundo fontes ligadas ao governo, o Projeto de Lei Complementar (PLC) vai recuperar o formato da proposta que foi rejeitada pelo Legislativo no fim do ano passado, porém com aprimoramentos. O texto pretende garantir fôlego de três anos e possibilidade de prorrogação por mais três com a suspensão de contratos e das dívidas com a União. Para aprovar a adesão ao regime nas assembleias legislativas, os estados terão que apresentar um plano de recuperação fiscal viável, que respeite as premissas legais, e trabalhar para colocar a casa em ordem durante o período.
O governo não abre mão das contrapartidas dos estados e o texto do projeto trará uma série de amarras. O plano de recuperação também terá que ser aprovado pelo Ministério da Fazenda e fiscalizado por um conselho. Como será um PLC, o pacote precisa de maioria absoluta do Congresso para passar, mas a expectativa do Executivo é de que tramite com a mesma celeridade das medidas de ajuste fiscal. Se for aprovado, as unidades da federação que estiverem em situação de calamidade financeira, notadamente Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, terão que conseguir a chancela dos respectivos legislativos estaduais para aderirem ao regime.
Especialistas em contas públicas afirmam que, para o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro, são necessárias medidas amargas, mas mexer na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) pode ser um risco. No entanto, a ideia do novo modelo é fazer lei uma genérica, que não será perene. As mudanças na LRF, garante uma fonte ligada à negociação, serão pontuais. Depois do período de ajuste, as exigências legais voltarão ao normal.
Uma dessas alterações momentâneas diz respeito ao aval da União, que é vedado pela LRF quando o ente federativo extrapola o limite de gasto de pessoal. Para os estados que aderirem ao pacote, a ideia é que a União preste o aval sem que esses limites sejam respeitados no período de recuperação fiscal, evitando assim a execução dos bens dados em garantia.
Dentro do governo há expectativa de que o governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão, contrário às contrapartidas da primeira proposta de recuperação fiscal, esteja mais simpático à nova tentativa de ajuda da União. “O discurso dele já mudou”, assegurou uma fonte.
De joelhos
Para Geraldo Biasoto Jr., professor do Instituto de Economia da Unicamp e ex-coordenador de política fiscal da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, a União tem um problema fiscal enorme e coloca os estados “de joelhos”. “O Tesouro avalizou a ida ao mercado para buscar empréstimos. Isso agora está pesando. Além da queda de receita”, afirmou. Para ele, a LRF não foi observada nos últimos, mas é um sustentáculo. “No entanto, não adianta ficar escondido atrás dela. É preciso fazer um ajuste, suspender a validade por um tempo, para dar fôlego e permitir a solução das pendências”, destacou.
O professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB) José Matias-Pereira concorda que algo precisa ser feito, mas considera um risco mexer na LRF. “O que estamos discutindo é a crise do federalismo fiscal. Ela tem a soma de vários fatores: falta de planejamento, má gestão pública, corrupção e desperdício. O que ocorre no Rio de Janeiro é resultado de uma organização criminosa. Se o governo federal não atuar, a alternativa é fazer uma intervenção”, avaliou.
Entretanto, Matias-Pereira teme que, se o governo tiver que alterar a LRF para atender essas situações emergenciais, isso possa provocar um dano muito forte no sistema como um todo. “Porteira que passa um boi passa uma boiada. Sou contra a ideia de flexibilizar, amenizar a lei, porque ela é um patrimônio da sociedade brasileira”, alertou. Por isso, sugeriu o especialista, o governo precisa ter muita cautela. “Sem garantias mínimas de que os estados vão se submeter às políticas de austeridade, é um risco enorme”, acrescentou.
Fonte: Correio Braziliense
Créditos: Simone Kafruni