O governo quer autorizar o uso de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no financiamento de imóveis acima de R$ 1,5 milhão, fora do Sistema Financeiro da Habitação (SFH). Para isso, vai encampar uma emenda à medida provisória (MP) 889, que libera os saques das contas do FGTS, em tramitação no Congresso.
Essa emenda permite que o trabalhador use os recursos do Fundo em qualquer tipo de empréstimo imobiliário, seja para liquidar o saldo devedor ou abater o valor das prestações. Isso valeria tanto para contatos antigos como para os novos.
O limite atual do valor do imóvel foi estabelecido para se adequar ao caráter social do FGTS, definido em lei, de financiar habitação popular, saneamento básico e infraestrutura urbana. Mas, na avaliação da equipe econômica, o cotista deve ter a liberdade de usar o saldo da conta vinculada ao Fundo, por ser ele o dono do dinheiro.
Segundo técnicos a par das discussões, caberá ao Conselho Curador do FGTS definir se haverá necessidade de fixar um teto.
Se aprovada, a medida beneficiará famílias de classe média, que recorrem ao Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), com juros de mercado. No SFH, o juro é limitado a 12% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR), atualmente zerada.
A emenda que flexibiliza o uso dos recursos do FGTS nos financiamentos habitacionais é de autoria da deputada Adriana Ventura (Novo-SP). Está sendo encampada pela equipe econômica como uma contrapartida à manutenção do valor do saque das vinculadas em R$ 500 por conta.
Boa parte das emendas busca ampliar esse montante, mas o governo alega que as contas do Fundo não suportariam essa ampliação, o que exigiria aporte do Tesouro Nacional e aumento da dívida pública.
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Além disso, a equipe econômica quer evitar o saque simultâneo, na demissão e na data de aniversário do trabalhador — outra modalidade criada pela MP. Pela proposta original, o trabalhador tem de escolher em qual dessas modalidades quer se enquadrar e ficar pelo menos dois anos sem migrar.
Restrição ‘não faz sentido’
O relator da MP, deputado Hugo Motta (PRB- PB), disse que ainda está analisando as emendas, mas adiantou seu apoio àquela que acaba com a restrição do FGTS aos financiamentos do SFH. Ele está conversando com o governo sobre os impactos no Fundo das modificações que pretende fazer no seu parecer. O relatório deverá ser apresentado na comissão no dia 3 de outubro.
— Acho a ideia boa. Não faz sentido manter essa restrição — disse Motta.
Segundo José Carlos Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic), o segmento de alta renda é que vem puxando o crescimento dos lançamentos e das vendas. Levantamento da Cbic mostra que o peso dos lançamentos de padrão mais alto, financiados pelo SFI, subiu de 45% para 52% desde o começo do ano.
— O financiamento por meio da caderneta de poupança encolheu muito ao longo dos últimos anos. Chegamos a ter R$ 120 bilhões em 2013, 2014, caindo a R$ 43 bilhões em 2016. Esperamos fechar o ano com R$ 75 bilhões — disse Martins.
Em relatório publicado na semana passada, os analistas do banco JPMorgan previram crescimento de 18,5% na receita das construtoras focadas nos segmentos de média e alta renda (Cyrela, Even e Eztec) entre 2019 e 2020, mas reduziram a projeção para aquelas do segmento de baixa renda em 2,5%. O banco também projetou avanço de 22% nas pré-vendas dos segmentos média e alta renda no segundo semestre deste ano.
O relator defendia acabar com o limite de saque de R$ 500 para quem ganha até um salário mínimo, mas, diante das dificuldades operacionais da Caixa para verificar a renda dos trabalhadores, procura alternativas para beneficiar os mais pobres. Uma delas seria elevar o valor de R$ 80, previsto na MP, que poderá ser raspado da conta do FGTS em caso de falta de movimentação por um prazo mínimo de um ano.
Em contrapartida à autorização de uso do FGTS em imóveis de maior valor, a equipe econômica quer modificar um ponto da MP para isentar os cotistas de tarifas na transferência dos recursos do FGTS da Caixa para outros bancos. O argumento é que Caixa já é remunerada para gerir as contas do Fundo.
O governo também vai apoiar uma proposta que acaba com multa adicional de 10% do FGTS nas demissões sem justa causa, a partir de janeiro de 2020. O fim da multa faz parte do pacote de medidas em estudo no Ministério da Economia para reduzir a pressão sobre o teto de gastos, porque essa contribuição entra no caixa da Receita e é repassada ao Fundo na forma de despesa.
Segundo um interlocutor, o governo deve se manter neutro em relação a várias outras emendas, como a que autoriza o saque no caso de doenças raras. Caso seja aprovada, o Ministério da Saúde vai regulamentar a questão.