O governo federal classificou como secreta a gravação da reunião de 22 de abril, da qual participaram o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Conselho de Ministros, apenas em 8 de maio. A medida foi tomada seis dias após o encontro ter sido relatado à Polícia Federal (PF) pelo ex-titular da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro e três dias depois de a CNN revelar a íntegra do depoimento.
Moro foi ouvido em investigação sobre suposta tentativa de interferência de Bolsonaro na PF, apontada pelo ex-ministro como justificativa para deixar o cargo. O inquérito está sob responsabilidade do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello, que tornou pública a gravação da reunião sem ter sido informado pelo governo da classificação de sigilo.
Em resposta a um pedido de acesso à íntegra da gravação, feito pela CNN em 6 de maio, a Secretaria Especial de Comunicação Social da Secretaria de Governo da Presidência da República informou na última sexta-feira (5) “que se trata de informação classificada como secreta na esfera administrativa, conforme teor do Termo de Classificação de Informações 00170.001041/2020-13.S.05.22/04/2020.22/04/2-35.N, de 08/05/2020”. Esse nível de sigilo, de acordo com a Lei de Acesso à Informação (LAI), é o segundo mais longo e tem 15 anos de duração.
Na resposta, o governo afirma que a classificação tem como fundamento três incisos da Lei de Acesso à Informação:
• Pôr em risco a defesa e a soberania nacionais ou a integridade do território nacional;
• Prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais;
• Oferecer elevado risco à estabilidade financeira, econômica ou monetária do País;
Apesar disso, o governo diz na resposta que, “tendo em vista decisão tomada no Inquérito (INQ) 4831 pelo ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), que franqueou o acesso à íntegra da gravação e degravação do vídeo, com exceção de trechos específicos em que há referência a dois países com os quais o Brasil mantém relação diplomática, e com o intuito de facilitar o acesso ao conteúdo pleiteado, indicamos o endereço como referência: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=443959ori=1.”
Sem classificação
À exceção da menção a dois países estrangeiros, o que Bolsonaro e os ministros disseram na reunião veio a público em 22 de maio, por determinação de Celso de Mello. No entanto, a decisão de 55 páginas do ministro do STF deixa claro, em quatro diferentes trechos, que o decano não tinha conhecimento da classificação feita pelo governo duas semanas antes, mesmo tendo pedido manifestação da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Procuradoria-Geral da República (PGR) acerca da divulgação do vídeo, em 12 de maio — ou seja, antes da deliberação que tornou público o conteúdo.
Em petição enviada ao Supremo em 14 de maio, o órgão que representa Bolsonaro faz menção apenas à “nota de sigilo, pontual e temporária, que ainda incide” sobre a gravação da reunião, em referência à medida tomada por Celso de Mello em 8 de maio. A exemplo da PGR, a Advocacia-Geral defendeu a publicização apenas de falas de Bolsonaro relativas ao objeto do inquérito.
Mas, além de não informar o decano do STF sobre o caráter secreto da reunião, a AGU transcreve dois trechos da fala de Bolsonaro, o que configuraria desrespeito à classificação secreta feita pelo próprio governo.
Na página 32 da decisão de 22 de maio, Celso de Mello escreveu: “ao assistir ao vídeo em questão e ao ler a transcrição integral do que se passou em referida assembleia ministerial, que não foi classificada como ultrassecreta, secreta ou reservada (Lei nº 12.527/2011, arts. 23 e 24), constatei que, nela, parece haver faltado a alguns de seus protagonistas aquela essencial e imprescindível virtude definida pelos Romanos como ‘gravitas’, valor fundamental de que decorriam, na sociedade romana, segundo o ‘mos majorum’, a ‘dignitas’ e a ‘auctoritas'”.
Ao concluir a decisão e sintetizar os fundamentos, o decano do STF apontou a “inexistência, no caso, de qualquer restrição ao direito público subjetivo do cidadão quanto ao conhecimento geral dos procedimentos e informações estatais relevantes que veiculem matéria de interesse público, porque a gravação da reunião ministerial em causa (que não tratou de temas sensíveis nem de assuntos de segurança nacional) não sofreu a classificação administrativa de “ultrassecreta, secreta ou reservada” (Lei nº 12.527/2011, art. 24, “caput”), circunstância que torna essa reprodução audiovisual inteiramente aberta ao acesso público”.
Responsabilidade
Na manhã de 28 de maio, ao sair do Palácio do Alvorada, Bolsonaro criticou Celso de Mello por, “lamentavelmente”, tornar pública uma reunião que “havia sido classificada como secreta, pelo secretário de Governo”.
“Fizemos o possível para que apenas a parte que interessasse ao inquérito fosse tornado público. Um ministro do Supremo Tribunal Federal resolveu suspender o grau de sigilo, expondo uma reunião presidencial”, disse Bolsonaro a apoiadores e jornalistas. “A partir disso, ouvi ministro meu com ameaça de prisão de até 20 anos. Eu peço que reflitam, pelo amor de Deus.”
Bolsonaro ainda disse que poderia ter “destruído a fita, que não é oficial”, mas respeitou a decisão do decano do Supremo e entregou a gravação. “A responsabilidade do que tornou-se público não é de nenhum ministro. É do ministro Celso de Mello. Ele é o responsável”, completou o presidente, citando penas previstas pela Lei de Abuso de Autoridade.
E-mail e ofício
Procurada pela CNN, a Secretaria de Governo da Presidência da República informou que “comunicou à Advocacia-Geral da União por e-mail na sexta-feira, 8 de maio, às 18h”, a respeito da classificação da gravação como secreta. “Na segunda-feira, 11, houve a comunicação formal por ofício.”
A AGU foi procurada por duas vezes para esclarecimentos. A primeira no final da tarde deste domingo (7). A segunda tentativa foi feita nesta segunda-feira (8), pela manhã. Até o momento, não houve resposta.
O gabinete do ministro Celso de Mello reiterou as informações contidas nas decisões do decano referentes ao inquérito, em que indica não ter sido informado sobre a classificação.
O advogado de Sergio Moro, Rodrigo Sánchez Ríos, que se manifestou no inquérito favoravelmente à publicização do vídeo da reunião, não quis comentar o episódio.
Fonte: CNN Brasil
Créditos: CNN Brasil