Governo Eduardo Cunha e manipulação midiática
J. Carlos de Assis*
Tivemos ontem um noticiário cheio de emoções. Delatores esclareceram as condições nas quais Michel Temer pediu R$ 10 milhões à Odebrecht supostamente para campanha eleitoral. Renan Calheiros, antes um fiel escudeiro do Presidente, reclamou publicamente pela televisão que Temer está sob influência direta de Eduardo Cunha, não obstante a condição deste último de permanecer preso em Curitiba. Por fim, escuto com interesse a afirmação de Temer segundo a qual a crise financeira dos Estados se deve a seus sistemas previdenciários.
A tudo isso se pode chamar de sinais de aprofundamento de crise política. Contudo, o mais extraordinário dessa situação é o recurso à mentira mais deslavada para recobrir os elementos essenciais da própria crise. O pedido de doação para campanha eleitoral é eticamente irrelevante no contexto brasileiro. A influência de Cunha no Governo é um segredo de Polichinelo. O espantoso, porém, é ver um Presidente da República afirmar de forma categórica que a origem da crise financeira dos Estados são os gastos com Previdência.
Sua Excelência mente. Mente descaradamente. Se tivesse um mínimo de honestidade se omitiria de abordar essa questão já que, em seu plano de Governo, não cabe o reconhecimento das verdadeiras razões da crise dos Estados. Não podendo dizer a verdade, que nada dissesse a respeito. Mas ele não resistiu. Mentiu duplamente. Primeiro, com uma avaliação falsa da situação financeira dos Estados. Segundo, usando essa descrição falsa como elemento de comparação com a situação federal, que justificaria a reforma da Previdência.
Se Sua Excelência tivesse boa fé, reconheceria que a principal razão da crise dos Estados é o estrangulamento financeiro provocado pela dívida junto ao Governo Federal que lhes foi imposta dede 1997, em condições draconianas. Alguns sofreram um impacto maior, outros menores, mas todos foram afetados de alguma forma. Para se ter a dimensão financeira do problema, a dívida do conjunto dos Estados em valores constantes foi consolidada em R$ 111 bilhões em 1997. R$ 277 bilhões foram pagos desde então e R$ 476 bilhões restam a pagar.
É claro que, por maiores que tenham sido os gastos previdenciários, nada se compara ao peso da dívida dos Estados junto ao Governo Federal. Por outro lado, a comparação de Estados com Governo Federal na questão do financiamento dos gastos previdenciários não se aplica de forma alguma: o Governo Federal, em última instância, pode emitir dívida pública; os governos estaduais não podem e, além disso, estão sob sérias restrições a endividamento em razão da draconiana Lei de Responsabilidade Fiscal. Só lhes resta aumentar impostos.
Por ter perdido a moral junto à opinião púbica, o Governo está apelando à mentira pura e simples para empurrar goela abaixo da sociedade seu programa neoliberal. O pedido de propina à Odebrecht e a conspiração com Cunha são tratados como temas irrelevantes; importante é a falácia da reforma previdenciária que obedece ao rigoroso cronograma de ampliar o espaço para o setor privado, sobretudo financeiros e internacional, em detrimento do espaço público, como é o caso do setor previdenciário. E isso só tem sido aceitável por conta da manipulação midiática.
*J. Carlos de Assis é jornalista e economista, doutor pela Coppe/UFRJ, do Movimento Brasil Agora.
Créditos: J. Carlos de Assis*