Documentos entregues à CPI da Covid mostram que o governo Bolsonaro desdenhou de ofertas de vacina ao mesmo tempo em que se esforçava para conseguir cloroquina no exterior. Repórteres do Jornal Nacional tiveram acesso aos documentos.
Em julho de 2020, quando o país já registrava mais de mil mortes por dia pela Covid, a embaixada do Brasil em Pequim avisou ao Itamaraty que o governo chinês queria fazer uma reunião com ministros das Relações Exteriores da América Latina e Caribe sobre o combate ao coronavírus na região.
No telegrama, o embaixador brasileiro na China, Paulo Mesquita, considerou que a reunião seria “previsível” e “pouco substantiva”, mas recomendou a participação do Brasil.
“A percepção de fluidez do diálogo político bilateral tem também relevância para os esforços de enfrentamento da pandemia, tanto em relação ao fluxo desimpedido de importações brasileiras de insumos médicos chineses como no desenvolvimento conjunto de vacinas. A esse respeito, vale registrar que estão em curso, no Brasil, testes de vacina para a Covid-19 desenvolvida pela Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan”, escreveu o embaixador brasileiro.
Ainda assim, o então ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, decidiu não participar do encontro.
No dia 8 de julho, o embaixador informou que, na resposta ao governo chinês, disse que “a presença de representantes do governo ilegítimo da Venezuela inviabilizaria a participação do Brasil”.
No dia seguinte, ele enviou outro telegrama dizendo que a Venezuela não estava na lista de convidados. Ernesto Araújo manteve a decisão de não participar da reunião.
Dias depois, com base em notícias de jornal, os diplomatas brasileiros informaram ao Itamaraty que, durante o encontro, a China disse que pretendia oferecer uma linha de crédito de US$ 1 bilhão para países latino-americanos comprarem vacina.
Outras correspondências do Itamaraty, que estão sob análise da CPI da Covid, mostram que, em várias ocasiões o Brasil desdenhou de ofertas para compra de vacina.
Em agosto de 2020, a embaixada do Brasil nos Estados Unidos avisou ao governo que a Pfizer aceitaria devolver o dinheiro se não conseguisse entregar as vacinas no prazo.
A mesma estratégia de ressarcimento foi adotada pelo consórcio Covax Facility, mas o governo brasileiro optou pelo menor pacote de vacinas, com quantidade suficiente para imunizar apenas 10% da população.
Sobre a oferta da Pfizer, os diplomatas do Brasil nos Estados Unidos escreveram que a farmacêutica “se comprometeria a devolver ao governo brasileiro todo e qualquer pagamento antecipado, na hipótese em que a empresa não consiga honrar a obrigação de entregar a quantidade acordada da vacina”.
O governo brasileiro demorou mais de sete meses para assinar contrato com a Pfizer. Segundo o ex-ministro Eduardo Pazuello, porque a empresa apresentou cláusulas “assustadoras”.
“Naquele momento, quando esse MOU chegou, ele chegou também com cinco cláusulas que eram assustadoras, no meu momento à época. As coisas têm que ser olhadas com aquele momento”, afirmou Pazuello à CPI no dia 19 de maio.
O governo brasileiro só acertou a compra de vacinas da Pfizer em março deste ano, pagando US$ 10 a dose.
Se a negociação para a compra de vacinas não parecia ser prioridade, o governo concentrava esforços para conseguir medicamentos sem eficácia contra a Covid.
Uma troca de e-mails entre a embaixada do Brasil nos Estados Unidos e o Itamaraty mostra que, em 29 de maio de 2020, o embaixador em Washington, Nestor Foster, comemorou o fato de que os americanos iriam doar ao Brasil 2 milhões de doses de hidroxicloroquina, usando uma expressão em latim: “Caro Norberto, habemus hidroxicloroquinam!”
A doação foi anunciada oficialmente. No mês seguinte, junho de 2020, a agência sanitária dos EUA cancelou a permissão do uso de hidroxicloroquina para tratamento da Covid. Mesmo assim,o então presidente americano, Donald Trump, manteve o envio ao Brasil de 2 milhões de doses do medicamento ineficaz contra Covid. Na época, a Organização Mundial da Saúde já desaconselhava o uso do medicamento.
Fonte: G1
Créditos: G1