Cansadas de verem a bancada evangélica como a principal barreira contra a legalização do aborto no STF (Supremo Tribunal Federal), 15 mulheres fundaram a Frente Evangélica pela Legalização do Aborto. Cristãs e seguidoras da religião que dá nome à organização, elas acreditam que a criminalização é um “atentado ao direito e à vida da mulher” e se sentem indignadas ao verem líderes políticos usarem a bíblia para justificar a defesa de tal ideia.
“É bastante pretensioso falarem em nome de todos os evangélicos, como se toda a comunidade pensasse da mesma forma. Para nós, enquanto cristãs, causa um nível de incomodo absurdo ver esses homens no Congresso, pois eles mancham a memória do Cristo que a gente acredita”, fala a estudante Camila Mantovani, uma das idealizadoras.
Ao lado de outras articulações religiosas, como o Conselho de Igrejas Cristãs e a Aliança de Batistas do Brasil, a ideia é montar uma argumentação teológica para apoiar ADPF 442, ação proposta pelo PSOL que pede a descriminalização da interrupção da gravidez até a 12ª semana, e rebater a PEC-81, que proíbe a prática em qualquer situação. Segundo a representante, esta última representa o “controle dos corpos femininos e o poder político”.
Estamos no desafio de fazer uma leitura da Bíblia da perspectiva da dignidade humana. Não encontramos até agora nos estudos que estamos fazendo nada que justifique o aborto ser ou não realizado”.
De acordo com Camila, os trechos evocados pelos líderes no Congresso que falam sobre a preservação da vida não justificam a criminalização.
“Se não existe um sistema capaz de reduzir os números de abortos mas que, pelo contrário, coopera para a morte das mulheres, é inadmissível que a igreja continue concordando com isso. É contra a vida e de muita má-fé o que essa liderança religiosa faz. Eles defendem um sistema que mata duas vezes.”
A Bíblia pode ser usada para legitimar a morte e a vida. A bancada evangélica decidiu usar para fundamentar o massacre das mulheres
Estruturada no Rio de Janeiro, a FELA conta com mais de 4.000 seguidores nas redes sociais e o apoio da Católicas pelo Direito de Decidir, organizações não governamentais, hoje, em 12 países e referência para as novatas. Além disso, Camila contou à Universa que os movimentos feministas acolheram bem a iniciativa, assim como mulheres de outras religiões.
“Temos um papel muito mais amplo, que é conversar com mulheres evangélicas, levar o debate para diversas comunidades. Em algumas igrejas mais conservadoras é mais complicado, mas estamos nesse trabalho. É um processo de reestruturação.”
E elas já incomodaram. No mesmo mês de fundação, em outubro, quando ainda nem haviam se manifestado nas redes sociais, o pastor e líder político Silas Malafaia criticou a iniciativa em seu canal no YouTube. Em um vídeo com o título “Frente evangélica em favor do aborto. Piada!”, considerou influência de “esquerdopatas”.
“Esses políticos não são pastores. Nem ouso dizer que são cristãos. Para mim, são coronéis da fé. Usam a fé do povo para ganhar poder, algo contraditório do ponto de vista da narrativa cristã.”
Fonte: Da Universa
Créditos: Thais Carvalho Diniz