Visto por aliados como o nome que vai furar a “bolha da esquerda”, o governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), admite não descartar uma chapa com o apresentador da TV Globo Luciano Huck para a Presidência, em 2022.
Em entrevista no estúdio UOL/Folha, o político defendeu a aproximação com o centro para combater o que chama de “nazismo entronizado como política de Estado”. Ele rebateu críticas ao fato de ter mantido encontros com Huck para discutir sucessão presidencial e disse que prefere que o apresentador dialogue com ele do que com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
“Quando me reúno com Fernando Henrique, Luciano, Rodrigo Maia, não estou reunido com o indivíduo, estou mostrando que o segmento social tem representatividade”, afirmou. Nome cotado para a próxima disputa presidencial, Huck participou nesta semana do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça) junto com lideranças mundiais.
Para Flávio Dino, o país vive “uma conjuntura de trevas”, com uma ameaça objetiva à vida democrática e à dissolução da nação. Ele defende que correntes políticas diferentes se unam para preservar a democracia.
O governador cita, como exemplo, o vídeo do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim, com referências ao nazismo. “O caso não é isolado”, disse, acrescentando que Hitler também era minimizado como algo anedótico no começo.
O político, que tem o ex-presidente Luiz Inacio Lula da Silva (PT) como referência, afirmou ainda que a esquerda não pode repetir, em 2022, a derrota de 2018 e admite a importância de se aproximar de setores religiosos, como o evangélico.
“Temos muito mais proximidade com o cristianismo do que segmentos que defendem a brutalidade, a venda de órgãos humanos, o nazismo, o assassinato de pessoas e a escravidão. Isso é anticristão”, afirmou o governador, que se declara católico, contra drogas e o aborto.
O governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), durante entrevista exclusiva ao UOL e a Folha de S.Paulo – Kleyton Amorim/UOL
Leia a seguir a entrevista, concedida no dia 17 de janeiro, em Brasília. A íntegra da conversa também está disponível em podcast e no Youtube.
UOL/Folha – Como avalia a demissão do ex-secretário de Cultura Roberto Alvim?
Flávio Dino – É uma conquista civilizacional democrática importante, o estabelecimento de uma fronteira mínima em relação a qual ninguém pode ultrapassar: fazer apologia do nazismo, que agride sentimentos fundamentais do Brasil e de países com os quais mantemos relações, como Israel e Alemanha. Mas é importante destacar que a demissão é insuficiente, na medida em que não houve a revogação dos anúncios que foram feitos pelo presidente.
É fundamental que haja a revisão da política cultural para que ela não seja extremista e, sim, compatível com os valores da Constituição
Flávio Dino (PC do B), governador do MA
Bolsonaro deveria demitir o chefe da Secretaria de Comunicação, Fabio Wajngarten, que recebe, por meio de empresa da qual é sócio, dinheiro de emissoras e agências contratadas pelo governo?
Sem dúvidas. Até o presente momento, não houve nenhuma atitude por do presidente da República. Claro que pode se configurar uma conivência com uma prática ilegal. Se ele não agir, tenho plena convicção jurídica de que os órgãos de controle do Tribunal de Contas da União, Ministério Público, Poder Judiciário, vão ser chamados a decidir e, seguramente, vão aplicar a lei. Temos claramente uma situação em que há uma confusão entre o papel próprio do agente público e transações no mercado.
Como seria a frente que o senhor defende para superar a polarização nas eleições?
É um quadro de defensiva estratégica para reunir forças, apresentar um programa e transformá-lo vitorioso, que você não consegue fazer sozinho. O fundamental da esquerda brasileira era se redesenhar organicamente, algo similar à frente ampla uruguaia, a Concertación Chilena, a aliança socialista em Portugal. Agregar não só filiados aos partidos mas também pessoas que não têm identidade partidária, que é o principal desafio da esquerda. Reconectar o nosso coração, o nosso ideário, com o sentimento popular de quem não necessariamente compartilha da nossa ideologia.
Qual seria o papel de Lula? Ele seria o líder dessa frente?
Se Deus quiser, sou um homem de muita fé, rezo todos os dias. Lula é a maior liderança popular da vida brasileira. Em cem pesquisas, dará o Lula como um dos três maiores presidentes da vida brasileira. Vou encontrar com ele esses dias, como também vou encontrar com o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que também é um político experiente, de outro campo político. É importante esse tipo de consulta para enfrentar o extremismo de direita.
O senhor entraria numa chapa com o PT, com Lula ou Fernando Haddad, em 2022?
Está muito longe para discutir chapa para 2022, ainda não fui nem convidado. É desrespeitoso discutir chapa agora porque significa estabelecer uma de linha de chegada, antes mesmo da partida, acaba excluindo pessoas. É hora de fazer com que a esquerda retome a iniciativa na sociedade.
Nunca tivemos um período de tanto retrocesso em direitos. Nem na ditadura militar houve tanta destruição do direito dos mais pobres. Veja como é difícil dizer isso, porque sou visceralmente crítico da ditadura militar. Nós temos que conter isto, e não vai ser a esquerda sozinha, não vai ser o PT, ou qualquer outra liderança.
Ninguém tem força hoje para conter, porque essa avalanche está aí
O antipetismo não foi uma causa disso?
O antipetismo existe, mas foi apropriado e utilizado como instrumento de atalho para chegar ao poder. Isso não é imutável. Em 2018, perdemos a eleição. Hoje, nós já temos outra conjuntura.
Pesquisas recentes mostram que o ex-presidente Lula teria todas as condições de ganhar uma eleição, se disputasse hoje contra qualquer candidato. Daqui a pouco, a sociedade vai ver que os seus problemas não se referem aos desacertos que, infelizmente, ocorreram no passado de Dilma e Lula.
A política hoje está no caminho errado, de negação de oportunidades, de retrocesso de direitos. Mesmo aqueles que odeiam o PT vão considerar que esse caminho não é capaz de levar o Brasil para onde nós queremos.
É possível a frente sair do papel?
Claro, porque ela já saiu do papel em outros momentos, como na transição da ditadura para a democracia, na campanha da anistia, onde estavam empresários militares do centro democrático que hoje são do PSDB ou MDB. Não há muro intransponível.
Sou um militante da esquerda brasileira, defendo uma perspectiva social os mais pobres, a soberania do país. Se outras pessoas querem se somar a isto, é nosso papel trazer.
Prefiro Luciano Huck dialogando comigo do que com Bolsonaro. Isso é elementar
Se ele [Huck] está dialogando com outro campo, significa dizer que nós estamos alienando não apenas ele, mas afastando segmentos sociais que se sentem representados por ele. Quando me reúno com Fernando Henrique, Luciano, Rodrigo Maia, não estou reunido com o indivíduo, estou mostrando que o segmento social tem representatividade.
Não é hora de sectarismo, você pode afirmar sua identidade e ter flexibilidade. Não tem nada de pecaminoso em sentar com quem pensa diferente de você.
Como foi a conversa com Luciano Huck?
Muito positiva, ele foi muito gentil, apresentou uma concepção dele acerca da necessidade de haver diálogo na vida brasileira, conversamos um pouco sobre essas experiências. Eu lhe convidei para visitar o Maranhão. Não houve debate sobre 2022 porque não tem sentido prático, temos uma estrada muito longa até lá.
O senhor entraria numa chapa com Huck?
Isso dependeria, na verdade, do arranjo político que estaria junto com ele, ou com qualquer outro personagem. Sozinho, não faço nenhum tipo de aliança. Integro um partido político. Não posso descartar [a chapa com Huck], primeiro porque seria mal-educado da minha parte. Em segundo lugar, porque eu não sei exatamente para onde o conjunto de forças da esquerda vai caminhar.
O que Huck e o grupo dele pensam é muito divergente do que a esquerda pensa?
Certamente, é bastante divergente do que nós pensamos. Luciano não é militante da esquerda brasileira. Ele é do campo liberal. As pessoas com as quais ele dialoga são desse campo, com outra visão em relação aos problemas econômicos do Brasil. Agora, isso exclui o diálogo, a possibilidade de, num segundo turno, um apoiar ao outro? No segundo turno, você escolhe aquele que está mais próximo da sua concepção. .
O senhor acredita que essas pessoas vão apoiá-lo?
A origem filosófica do liberalismo político tem mais proximidade conosco do que com a extrema direita. As declarações de Direitos Humanos são conquistas liberais, a separação de poder e democracia. Tancredo Neves era liberal e qual o problema de a esquerda ter apoiado? Ulisses Guimarães, liberal enorme.
O Brasil vive uma conjuntura de trevas. Nós temos uma ameaça objetiva à vida democrática, a dissolução da nação
O nazismo está entronizado como política de Estado. O vídeo desse secretário não é algo isolado. É preciso ter responsabilidade. Sei do tamanho dessa ameaça. Todos os democratas do Brasil têm a obrigação de saber o risco. Às vezes, a gente ri um pouco, que é uma característica positiva, mas ele tem um lugar na construção dos discursos. Hitler, no início, também era minimizado com algo anedótico e virou o que virou.
O senhor vai furar a chamada “bolha da esquerda”?
Não acho que exista propriamente essa bolha como algo objetivo. Há pessoas que defendem a bolha, concordo. Mas há muitas pessoas que compartilham da minha visão. Não quero deixar a tal da bolha cristalizar porque é ruim para o Brasil. Se você polariza de modo insanável, cultua extremismos, não está sendo fiel ao Brasil, que é um país de 200 milhões de pessoas, plurirregional, pluriétnico, multirreligioso.
Hoje sou um militante da esquerda, um militante anti-bolha, se for possível essa definição.
Lula e o governador do Maranhão, Flávio Dino, que se reuniram em São Paulo no sábado (18) – Ricardo Stuckert/Instituto Lula
O senhor não faz um mea culpa na derrota da esquerda, em 2018?
Houve um processo muito confuso. Lembremos que o ex-presidente Lula foi arbitrariamente preso em abril, faltando pouco tempo para eleição. Depois, não houve tempo para encontrar uma forma de evitar uma situação de isolamento. Mesmo assim, no pior momento, a chapa [Fernando] Haddad/Manuela [d’Ávila] fez 45% dos votos no segundo turno, o que mostra que nem tudo foi tão errado assim.
A ideia de autocrítica acaba sendo injusta. Nas condições adversas que o Haddad estava, ele cumpriu um grande papel em jornada.
Haddad e a esquerda não erraram em nada?
Claro que errou, mas errar é humano. Errou sobretudo em não ter conseguido ampliar, no segundo turno, na disputa com Bolsonaro. Nós, infelizmente, agregamos menos apoio do que ele. Não houve uma preparação para isto, talvez porque não houvesse a compreensão plena de que isso é imprescindível. Agora está demonstrado que é e eu não quero repetir 2022 a história de 2018, porque aí não precisa nem de eleição, a gente perde logo de saída.
Há uma relação cada vez mais próxima da política com a religião no governo Bolsonaro. Como o senhor vê esse cenário?
A religião é algo positivo para a sociedade e inerente à vida humana. Mas não é possível que eu transforme a minha concepção religiosa [o governador é católico] em uma imposição para as outras pessoas. A laicidade é um mecanismo de proteção a todas as igrejas e deve ser preservada. Isso não significa um estado antirreligioso, mas um estado que convive, de modo equânime, com todas as religiões.
O que nós estamos vendo é uma fronteira sendo ultrapassada, por parte de alguns segmentos extremistas. Isso acaba sendo antidemocrático e uma violação à liberdade religiosa.
Há uma dificuldade da esquerda de se aproximar do segmento evangélico?
No Lulismo, várias igrejas, inclusive evangélicas e católicas, estiveram bem próximas ao campo da esquerda. Ninguém mais se preocupou com a temática da igualdade do que Jesus Cristo.
Nós temos muito mais proximidade objetiva, com a nossa visão de mundo, de partilha equânime da riqueza, de oportunidades, com o cristianismo, do que segmentos que defendem a brutalidade, a barbárie, a venda de órgãos humanos, o nazismo, o assassinato de pessoas, a escravidão. Isso é anticristão. Temos que procurar retomar esse fio condutor que nos liga à construção da liberdade religiosa de várias igrejas no Brasil.
Pautas como aborto e outras bandeiras que a esquerda costuma levantar são convergentes com essa população?
Eu, por exemplo, sou contra o aborto e contra as drogas. Há pessoas de esquerda com concepções diferentes. Ser contra não significa defender a ideia de que, se criminalizar, vai resolver. Você tem que procurar as convergências. O principal, neste momento, é a agenda social, o emprego, a legião de pobres e excluídos. Compareço frequentemente a eventos religiosos e vejo que isso tem muita intercessão com aquilo que a fé cristã defende.
Há preconceito por parte da esquerda em relação aos evangélicos?
Algumas pessoas da esquerda podem ter, mas é equivocado qualquer tipo de generalização. Como o mundo é plural, pode haver essa visão equivocada de afastamento de segmentos sociais.
Para quem está defendendo um projeto político nacional popular, a perspectiva não é de exclusão, a não ser da meia dúzia de 1% da população de multimilionários que defendem os seus privilégios e são contra políticas públicas para os mais pobres.
Damares Alves, ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos – Kleyton Amorim / UOL
A segunda ministra mais popular do governo é , que é evangélica. Como como o senhor vê o apoio às pautas dela?
Ela seguramente representa um segmento e é saudável que todos os segmentos tenham as suas lideranças e representação dentro do jogo democrático. O que não pode haver é a beligerância, a exclusão, agressão. Os governos não podem fazer proselitismo religioso.
Alguns aliados dizem que não seria possível a eleição de um integrante do Partido Comunista do Brasil para presidente. Também dizem que o comunismo é anticristão.
Os mesmos que diziam que eu não posso concorrer à presidência pelo PC do B são aqueles que achavam que eu jamais seria governador do Maranhão pelo PC do B. Nós vencemos, com o apoio de católicos, evangélicos e de outras religiões. Isso não constitui um obstáculo. Não é verdade que o PC do B seja um partido antirreligioso. Não vou discutir o que, no século 19, no país X ou Y foi feito. Nós somos um partido que tem pluralidade de várias religiões.
Fonte: UOL
Créditos: UOL