Apresentado na campanha do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro como o nome que garantiria políticas e reformas pró-mercado, Paulo Guedes declarou na semana passada que é a favor de estourar o limite de gastos do governo para alcançar um valor maior do Auxílio Brasil, novo programa social que vai substituir o Bolsa Família.
O anúncio do ministro, que contrariou expectativas de saída do cargo por discordar dos rumos econômicos do Planalto, foi interpretado como o fim de seu compromisso com princípios de responsabilidade fiscal e de sinalização de alinhamento com as perspectivas eleitorais do presidente.
“Depois de sexta-feira está mais do que claro que o que interessa para o Guedes é a reeleição do Bolsonaro. Se a economia vai sair machucada disso ou não, não me pareceu ter muita preocupação sobre isso”, afirmou Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados.
Os técnicos do Ministério da Economia sugeriram que o Auxílio Brasil ficasse em R$ 300. Guedes disse que atenderia o desejo do presidente de fixar o valor em R$ 400 e pediu “uma licença” para gastar R$ 30 bilhões fora do teto de gastos. Com a PEC dos Precatórios, que prevê uma mudança no cálculo do reajuste do teto de gasto, o governo deve abrir um espaço de ao menos R$ 83,6 bilhões a mais para gastar em ano eleitoral.
Guedes negou que seja um “fura-teto”, sustentou que a proposta do benefício está “muito longe de afetar a sustentabilidade fiscal” e declarou que, se Bolsonaro fosse populista, “teria pedido R$ 600, R$ 700” para o auxílio.
O ministro também citou a necessidade de assistência à população. “Nós entendemos a política que diz o seguinte: ‘Olha, o teto é um símbolo de austeridade, é um símbolo de compromisso com as gerações futuras’. Mas nós não vamos deixar milhões de pessoas passarem fome para tirar 10 em política fiscal e tirar zero em assistência aos mais frágeis.”
Em defesa de suas credenciais econômicas, Guedes citou na entrevista coletiva o Prêmio Nobel Milton Friedman, um dos maiores expoentes do neoliberalismo e que defendeu em 1962 uma espécie de renda básica, o “imposto de renda negativo”.
“Não existe essa antítese entre o liberal e o social. Quem inventou a renda mínima foi Milton Friedman, quem trouxe para o Brasil foi o [ex-senador Eduardo] Suplicy e quem apoia a renda básica familiar é o presidente Bolsonaro.”
Na visão de Vale, da MB Associados, “a população está passando fome, o governo precisa dar esses recursos. Mas do jeito que foi feito é um tiro no pé e vai causar um efeito negativo para a própria população: mais taxa de câmbio, mais inflação, mais juros e menos crescimento. Então se dificulta a própria vida dos mais pobres e mais ainda o resto da população que não vai receber esses recursos”.
A BBC News Brasil entrou em contato com o Ministério da Economia sobre as críticas feitas a Paulo Guedes na condução do ministério, mas não obteve resposta.
Superministro
Paulo Guedes começou o governo Bolsonaro com o status de “superministro”. Conseguiu o comando de uma nova e poderosa estrutura que reuniu pastas como Fazenda, Planejamento, Previdência e Indústria com o objetivo de executar um programa que passaria por privatizações de grandes estatais e a realização de um pacote de reformas para conter o crescimento da dívida pública. Ainda na campanha, ele disse que seria possível zerar o déficit fiscal já no primeiro ano do governo.
No entanto, o ministro saiu derrotado em diversos episódios na gestão Bolsonaro e teve colocada em dúvida a capacidade de cumprir o seu projeto inicial — e a do país de reverter o déficit nas contas públicas.
“A questão fiscal já estava sendo descontruída ao longo de muito tempo. O que aconteceu nos últimos dias foi o ponto culminante de toda uma condução muito errática e mal feita ao longo desses quase três anos”, disse Vale.
“As intenções lá atrás já mostravam um candidato a ministro que não tinha muita noção de onde estava indo. Havia, talvez, uma confiança excessiva no potencial do governo Bolsonaro para reformas. Aquelas ideias de vender R$ 1 trilhão em privatizações eram parte de um plano mirabolante que não fazia sentido econômico. Ficou mais do que provado que era um plano de voo muito limitado e falsamente liberal, com pouquíssimas propostas e reformas de peso.”
Ainda na campanha presidencial, o futuro ministro disse que poderia ser arrecadado R$ 1 trilhão na privatização de estatais “peixe grande” e também citou o objetivo de obter R$ 1,1 trilhão em vendas de imóveis da União. Críticos e técnicos do governo afirmaram que as propostas do ministro tinham, na realidade, potenciais de arrecadação mais modestos. E Guedes admitiu no fim do mês passado que “não andamos no ritmo que gostaríamos” dentro do programa de desestatização.
Para Sergio Vale, “havia um excesso de otimismo, completamente exagerado, que não olhava a realidade e que acabou se optando por uma solução que não tinha como dar certo”. E diz que o fator Bolsonaro não foi levado em conta.
O presidente, durante seus mandatos como deputado federal, votou contra a aprovação do Plano Real e contra reformas administrativa e previdenciária na década de 1990. Por esse histórico de Bolsonaro como parlamentar, economistas liberais disseram desconfiar da carta branca dada a Guedes quando se uniu à campanha bolsonarista. O ministro era chamado de “Posto Ipiranga” por ser a voz autorizada para responder sobre o desenho econômico do governo.
“Na verdade, o projeto do Guedes e do próprio Bolsonaro era um projeto anti-PT. O mercado queria qualquer coisa que não fosse o PT”, afirma.
Na visão da consultora econômica Zeina Latif, “qualquer que seja o pensamento do Paulo Guedes lá atrás, ele perdeu uma batalha política. A política econômica não está na mão dele. Na hora que ele fala ‘a gente vai flexibilizar’, ele está seguindo a decisão tomada pelo Centrão com o presidente. Ele perdeu o controle da agenda”.
Ela concorda com a ideia de que o projeto de reformas liberalizantes de Guedes não estava bem alicerçado.
“Tivemos a reforma da Previdência, tivemos algumas coisas importantes, mas não se enxergava um programa mais estruturado na verdade. Tinha ali grandes defesas de alguns temas, mas isso nunca se traduziu numa agenda de forma concreta. A própria Previdência foi um caminho que já vinha sendo trilhado pelo governo (Michel) Temer e que encontrou condições favoráveis no Congresso.”
As reformas tributária e administrativa propostas pelo governo ainda estão em tramitação no Congresso.
Fonte: Terra
Créditos: Polêmica Paraíba