Uma série de obstáculos, como diligências que ficaram pendentes e dados bancários e fiscais que nunca chegaram, marcou a investigação sobre o senador Romero Jucá (MDB-RR) que foi arquivada na semana passada pelo ministro Marco Aurélio, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Houve também pedidos de vista e discussões de questões de ordem no plenário do Supremo que contribuíram para atrasar a investigação.
O caso tramitou por 14 anos no STF, devido ao foro privilegiado do parlamentar. Em 11 de dezembro passado, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a Marco Aurélio seu arquivamento por prescrição dos crimes, supostamente cometidos de 1999 a 2001, e falta de provas.
O inquérito foi aberto com base em uma gravação ambiental de 2002 entregue pela Central dos Assentados de Roraima às autoridades do Estado.
No áudio, o então prefeito de Cantá (RR), Paulo Peixoto, eleito pelo PTB, conversa com um empreiteiro sobre propina de 10% que diz receber nas obras na cidade e cita um senador, sem nominá-lo, segundo o inquérito.
No início da apuração, em Roraima, uma testemunha e um sindicato listaram obras inacabadas na cidade. Ao depor, a testemunha disse que o único senador que destinava emendas a Cantá era Jucá e que as verbas eram desviadas, “ficando 10% para o prefeito e 15% para o senador”.
Com a suspeita sobre Jucá, o caso subiu para o STF em setembro de 2003 e foi distribuído para Marco Aurélio.
Em junho de 2005, a defesa de Jucá questionou a licitude da prova, uma gravação de origem desconhecida. O relator decidiu levar o tema para o plenário debater. Em agosto daquele ano, ele votou pelo arquivamento, por considerar a prova ilícita.
O então ministro Joaquim Barbosa pediu vista, e o assunto retornou ao plenário em abril de 2006. Barbosa votou pelo prosseguimento do inquérito, mas, então, Gilmar Mendes pediu vista. Gilmar liberou os autos para debate cinco anos depois, em abril de 2011. Nesse período, foram juntados documentos a ele.
No julgamento da questão de ordem apresentada pela defesa, Gilmar suscitou outra, sobre a competência do STF. Por fim, em setembro de 2011, o plenário decidiu, por maioria, que o inquérito deveria continuar sob fiscalização do Supremo e que a fita com a gravação era válida.
MEDIDAS FRUSTRADAS
Com autorização do STF, a PGR (Procuradoria-Geral da República) e a PF cumpriram dezenas de diligências, como levantar a documentação referente às obras suspeitas de desvios e realizar perícias nas obras. No laudo sobre a construção de um mercado municipal por meio de um convênio, por exemplo, foi “constatado desvio de R$ 72.326”, mas não há menção a Jucá.
O STF ordenou a quebra do sigilo bancário e fiscal do senador e de diversas empresas no período de 1998 a 2002. Seis bancos, entre eles o Banco do Brasil, prestaram informações ao menos parciais.
“O Banco do Brasil solicitou prorrogação de prazo e sua resposta ainda está pendente”, diz manifestação da PGR. Do mesmo modo, os dados fiscais solicitados à Receita Federal “ainda não foram apresentados”.
A área técnica da PGR fez um relatório “informando que a análise restou prejudicada, haja vista a ausência de envio dos dados bancários estruturados, via Simba [Sistema de Investigação de Movimentações Bancárias], e a insuficiência da documentação”. As informações chegaram “em alguns pontos ilegíveis e desorganizadas”.
Requisitada, a Superintendência da Zona Franca de Manaus entregou documentos sobre uma série de convênios. Porém, em dois deles, segundo a PGR, “não houve realização de perícia no prazo prescricional pela PF e o transcurso de tão longo lapso temporal é um fator impeditivo da elucidação dos fatos”.
A investigação mirou projetos muito diversos –poços artesianos, obras em uma escola e convênios federais.
No caso dos poços artesianos, do ano 2000, o suposto crime prescreveu em 2016. No da escola, “não foi identificada sequer a escola”.
No dos convênios, firmados de 1999 a 2001, “as diligências foram totalmente insuficientes para colher elementos indicativos ou comprobatórios de desvio em benefício do senador” –além disso, o delito teria prescrito no ano passado, considerando que o crime de corrupção prescreve em 16 anos.
OUTRO LADO
A Receita Federal afirmou, em nota, que relatou duas vezes ao STF, em junho e setembro de 2016, que no requerimento feito pela PGR “não foram esclarecidas quais providências específicas deveria adotar em relação à quebra do sigilo fiscal, como ocorre nos demais procedimentos, em que é demandada”.
No ofício de setembro de 2016, segundo a Receita, foi informado ao ministro Marco Aurélio que “os elementos aduzidos pela PGR indicavam que todas as providências requeridas se referiam ao sigilo bancário e foram dirigidas às instituições financeiras”.
Por essa razão, afirmou o órgão, “foi consignado naquela oportunidade que inexistia providência a ser realizada pela Receita Federal”.
Também em nota, o Banco do Brasil afirmou que “prestou as informações solicitadas pelo STF, no prazo estabelecido”, em julho de 2016.
“Os dados foram encaminhados via CD, diante da falta de identificação no ofício [da PGR] do ‘código caso’ [número identificador de demanda]”, afirmou o BB.
O advogado de Romero Jucá, Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, disse que, se as diligências frustradas tivessem sido cumpridas, o inquérito teria sido arquivado mais cedo. Ele sustenta a inocência de seu cliente.
Para Kakay, esse inquérito mostra que o Ministério Público quer investigar sem ter expertise. Em sua visão, diz o advogado, a PGR pede diligências demais e a PF, que sabe investigar, não dá conta.
A reportagem questionou a assessoria do STF sobre a demora, mas não teve retorno.
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress