A família Bolsonaro parece ansiosa para que a onda de revoltas latino-americanas chegue ao Brasil. Apesar dos riscos para o governo, seria uma oportunidade para suprimir as liberdades democráticas, justificar a repressão e, até mesmo, para intervir nas instituições republicanas. Como declarou o 03, “um novo AI-5 pode ser a resposta” e “um cabo e um soldado podem fechar o STF”.
Antes de eleito, o presidente disse que a ditadura “devia ter matado muito mais, uns 20 mil”. Essa semana, enviou um Projeto de Lei ao Congresso que isenta militares e agentes policiais de punição quando atiram e matam sob a alegação de legítima defesa. “A medida é basicamente uma autorização indiscriminada para atirar sem calcular as consequências”, concluiu o jornalista Bruno Boroghosin (Folha 24/11/2019).
Muito tem se falado sobre o atual ciclo de revoltas populares (Equador, Chile, Colômbia), reviravoltas eleitorais (México, Argentina, Uruguai) e golpe (Bolívia) que atinge o continente. Precedidas, no Brasil, pelas Jornadas de Junho (2013) e manifestações pelo impeachment (2015-6), elas podem voltar a qualquer momento, com consequências imprevisíveis, para o governo e para a oposição.
Observando um índice que combina os preços de commodities e taxas de juros internacionais de 1960 a 2018, eles defendem a tese de que há forte correlação entre as reviravoltas políticas e a baixa nos preços de commodities e escassez da entrada de capitais externo, como ocorreu nos anos 1960 e 1970, com os golpes militares, nos anos 1980, com a redemocratização, e no período que se iniciou em 2012, após o boom da década passada.
A interessante análise ajuda a entender o pano de fundo, mas é insuficiente. É necessário observar outros aspectos, entre os quais a relação entre esse modelo econômico colonial, baseado na exportação de commodities, e as cidades, onde está concentrada 78% da população do continente (86% no Brasil), tomadas pelo desemprego, forte desigualdade sócio-territorial e insatisfações, que são os gatilhos das revoltas.
O esforço de modernização e industrialização realizado pelo projeto nacional-desenvolvimentista na América Latina (1930-1980) buscou superar o modelo colonial (agro-mineral exportador) gerando uma forte urbanização. A região teve o maior crescimento urbano do mundo na 2ª metade do século XX, provocando inevitáveis carências de infraestrutura, moradia, mobilidade e serviços.
Após 1980, a restruturação produtiva, as novas tecnologias e lógica do capital financeiro, provocaram uma desindustrialização e precarização das condições de trabalho urbano, sem que os problemas gerado pela urbanização pudessem ser enfrentados. As economias se tornaram ainda mais dependentes da exportação das commodities, setor que emprega pouco e gera um baixo efeito multiplicador nas cidades.
O problema urbano se agrava quando ocorre uma baixa nos preços de commodities, reduzindo a capacidade dos governos investirem em obras e em políticas sociais e urbanas. Ainda mais quando políticas neoliberais, baseados em fortes ajustes fiscais e na privatização e monetarização dos serviços públicos, são adotadas pelos governos.
A combinação entre desemprego, trabalho precário e ausência de políticas urbanas e sociais, gera uma crise estrutural, que apenas poderá ser superada com um novo modelo econômico, baseado em outros princípios. O neodesenvolvimentismo, tentado por Dilma, que fracassou por inúmeras razões, foi uma tentativa frustrada.
O desenvolvimento sustentável, baseado na economia verde, com forte componente social e mudanças no modo de vida, seria um caminho a ser experimentado, mas estamos longe disso. Ao contrário, o governo Bolsonaro quer reforçar um modelo arcaico, para beneficiar setores atrasados. Depois de defender a mineração sem limites e a isenção de multa para serrarias que usam madeira ilegal, está propondo autorizar a exportação de troncos de arvores in natura, recuperando a mais rudimentar expressão do modelo colonial: a exportação do pau do Brasil.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Nabil Bonduki