No sábado à tarde, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) determinou a soltura depois de ele ficar um dia atrás das grades. “A prisão preventiva não pode ser usada como método investigativo”, diz Coutinho, acusado pelo MP-PB (Ministério Público da Paraíba) de chefiar uma organização criminosa suspeita de desviar mais de R$ 130 milhões em recursos públicos durante seu mandato, entre 2011 e 2018. De acordo com a denúncia, a verba seria destinada originalmente à educação e à saúde.
O ex-governador afirma que seu caso entra no mesmo contexto das condenações do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e também critica a operação Lava Jato e o ministro da Justiça, Sergio Moro.
O político revelou à reportagem como foram seus últimos dias. Ele estava em viagem com a esposa em Istambul (Turquia) quando foi informado de que era alvo de um mandado de prisão da Operação Calvário.
Depois de 15 horas de viagem, desembarcou no terminal internacional de Natal, onde era aguardado por policiais federais. De lá, foi levado no banco traseiro de uma viatura para uma viagem de 188 quilômetros até João Pessoa. Eram 3h da madrugada de sexta-feira quando chegou à sede da PF (Polícia Federal) na capital da Paraíba.
Na manhã seguinte, participou por duas horas em uma audiência de custódia. Em seguida, foi levado a uma ala especial da Penitenciária de Segurança Média Juiz Hitler Cantalice, no bairro de Mangabeira. Foi libertado após liminar favorável ao pedido de habeas corpus assinada pelo ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
UOL – Como o senhor rebate as acusações?
Ricardo Coutinho – Estamos em meio a uma guerra violenta. Não é só comigo. Eu estou sendo massacrado. Essa construção de narrativas não visa somente me atacar. Existe um claro mapeamento sobre o partido [PSB] e sobre o nosso grupo de militantes.
A prisão da prefeita do Conde [Marcia Lucena, acusada de envolvimento no mesmo esquema] é de uma violência. Ela foi presa porque, em 2014, tinha feito três dispensas de licitação para contratar uma empresa que hoje foi denunciada. Se tivesse algo errado, o Tribunal de Contas diria na época. Não é simplesmente algo contra o Ricardo. É contra um projeto que mudou a correlação de forças na Paraíba, gerando atritos com instituições.
O Ministério Público o acusa de chefiar uma organização responsável por desvios de mais de R$ 130 milhões dos cobres públicos.
É uma acusação absurda. Nunca vi um empresário dizer que, para receber fatura, teve que pagar alguma coisa. Aí arrumaram [Ministério Público da Paraíba] uma delação para me acusar. Mas delação não é prova.
Meu patrimônio é totalmente compatível com a renda que obtive ao longo desses 28 anos de exercícios de mandatos públicos. A casa que eu tenho foi declarada no valor integral. E não se apresenta uma prova de onde está esse dinheiro. Rapaz, meu carro é de 2007! Estou sendo vítima de uma perseguição política.
O sr. vê alguma relação entre o seu caso e o de outros políticos presos no país?
O Brasil perdeu uma determinada estrada da civilidade democrática desde 2013. Entrou numa aventura, que não se sabia onde ia parar. Essa aventura desorganizou a nossa economia, criminalizou a política e nos dá um país destruído, com as pessoas sentindo apenas ódio. Com as pessoas sendo manipuladas nas redes sociais.
Esse período é pior do que a ditadura. Lá, você sabia o que estava acontecendo. Agora, tem capa de democracia que cada vez nega mais direitos, principalmente para a parte da população que mais precisa. Entra numa lógica de que todo mundo é ladrão e tem que destruir todo mundo.
Amigo, se alguém roubou, é preciso instalar o devido processo legal, investigar e arranjar as provas necessárias. A prisão preventiva não pode ser usada como método investigativo.
Por que o sr. faz tantas críticas ao uso da delação em investigações de corrupção?
Porque todas elas foram feitas para livrar os infratores até chegar no alvo da investigação. Precisamos voltar para os parâmetros normais do estado democrático de direito. Não vamos chegar a lugar nenhum enquanto perdurar essa tosca definição. Surgem justiceiros assassinando reputações para condenar. O papel da política é governar, esclarecer a população e colocar em prática os seus projetos. O do MP é investigar.
Na denúncia, o MP afirma que os desvios foram em verbas destinadas à saúde e à educação. Como o senhor rebate essas acusações?
Isso não tem fundamento. Quando eu assumi o governo, o hospital de trauma [Hospital Estadual de Emergência e Trauma Senador Humberto Lucena] tinha 148 leitos e fazia 4 mil atendimentos por ano. Hoje, tem 331 leitos e faz 17 mil atendimentos.
Toda semana, havia greve do setor. A população, coitada, era massacrada lá dentro. Em maio de 2011, um adolescente morreu na porta do hospital. Depois disso, decidi que iria contratar uma OS [Organização Social] para melhorar o funcionamento do hospital. Eram mais de 3 mil prestadores de serviço em situação precária, que precisavam ser regularizados. Aí, contratamos a Cruz Vermelha e tivemos uma melhoria significativa.
O MP diz que eu recebia R$ 500 mil por mês. Pelo amor de Deus, como alguém recebe esse valor? Vou botar onde esse dinheiro? É um negócio absurdo, que se diz sem a menor preocupação com o dano que se causa às pessoas envolvidas. Falaram até que eu tinha propriedades em Portugal, Espanha, Estados Unidos, Minas Gerais, Pernambuco. Uma loucura, rapaz. Uma instituição do porte do MP deveria ser mais cuidadosa. É tão estúpido que não dá nem para responder. É só forma de destruir a pessoa para poder condená-la.
Por que o sr. acha que isso está acontecendo?
O grande alvo é o que se representa politicamente. Temos 150 escolas de ensino integral. Fizemos um processo evolutivo na educação, rapaz. Construímos 2.680 quilômetros em asfalto e 1.500 quilômetros de adutora. Deixei o estado com R$ 300 milhões em caixa, fora os convênios. O dinheiro que apareceu para obras e investimentos é a prova concreta de que nunca se combateu tanto a corrupção. Antes, o dinheiro não aparecia, meu amigo.
Tem diálogo que eles vazaram em que estou buscando fazer com que o laboratório do estado, que é público, vendesse mais para poder economizar. Estão tentando criminalizar a defesa do estado. Quando recortam trechos, provavelmente editados, truncados, mudam a perspectiva. É preciso apresentar provas concretas.
O que eu faço é política. E eles (MP-PB) usam trecho de diálogo fora do contexto para me reduzir a chefe de organização criminosa? Tem que provar. Ninguém diz onde está esse dinheiro. Saí do governo, não tem mais nada. Mas a história era destruir a reputação. Eu compreendo que isso faz parte do Brasil de hoje. Outras pessoas já passaram por isso. Mas quem recupera? Isso não se recupera. E é algo lamentável.
O que o senhor tem a dizer sobre os diálogos que fazem parte da investigação?
Uma dessas conversas diz respeito à ajuda de campanha. Houve essa conversa, não daquela forma, descontextualizada. Nunca recebi nada, nenhum tipo de doação. Essa conversa truncada e provavelmente editada se deu na campanha de 2018. E eu pedi que procurasse uma determinada pessoa. Eu não tenho conhecimento se houve qualquer tipo de doação dessa OS para a campanha.
Uma outra diz respeito à participação na sociedade em um laboratório farmacêutico, em uma conversa com um empresário que estava sendo extorquido por uma autoridade, que não posso dizer quem é. Fiquei jogando o jogo dele para obter a informação. Fiquei fazendo de conta que gostaria [de ter participação na sociedade] até conseguir a informação. Nunca tive sociedade com ninguém. Não é a minha área.
O sr. vê um paralelo entre a investigação em Paraíba e a operação Lava Jato?
Fazem parte do mesmo contexto. Lula foi acusado e condenado por uma propriedade que ele efetivamente não tinha. Se não tem propriedade, como pode ser culpado? E tem essa condenação prévia da opinião pública. O que está acontecendo aqui é um retrato do Brasil. Isso de um juiz virar ministro e querer controlar tudo [se refere Sergio Moro, ex-juiz da Lava Jato e hoje ministro da Justiça]. A operação Lava Jato quer ser maior do que o MP e do que o Judiciário.
Fonte: Uol
Créditos: Uol