Li, nos últimos dias, várias referências à ascensão de Hitler ao poder na Alemanha dos anos 30, que foi aceita de forma mais ou menos passiva pelas elites políticas e intelectuais do país. Não é impossível que Bolsonaro repita os passos do ditador alemão e nos conduza ao totalitarismo e à barbárie, mas também não me parece que isso seja provável.
Não podemos perder de vista o chamado espaço amostral. O mundo já produziu várias dezenas de líderes populistas e apenas um Hitler. É mais provável que o capitão reformado se revele mais um populista medíocre do que um gênio do mal.
Como já disse aqui, o tamanho da regressão que uma ainda provável administração Bolsonaro significará depende de nossa capacidade de organizarmos as linhas de defesa das instituições liberais. O futuro pode parecer sombrio, mas nem o Brasil, nem a democracia estão perdidos. A democracia, ao contrário da gravidez, não é um estado binário, que existe ou não existe. Ela pode ser mais ou menos completa e resiste a algum nível de agressão.
Em certas áreas experimentaremos retrocessos. Preocupam-me em especial o meio ambiente e a pauta dos costumes. Ainda que não tenha maioria nominal no Parlamento, Bolsonaro não encontraria dificuldades em conseguir com as bancadas ruralista e religiosa os votos necessários para relaxar controles ambientais e aprovar iniciativas legislativas de grupos conservadores.
Não penso, porém, que seria tão fácil alterar o funcionamento dos Poderes e do sistema político (deputados e senadores são beneficiários das regras vigentes) nem obliterar os direitos e garantias fundamentais, o que seria necessário para caracterizar uma escalada autoritária de fôlego.
O STF tem se mostrado dividido nos últimos anos, mas creio que se manteria unido em torno dessas questões, sobretudo se encontrar respaldo da sociedade civil.
Redução de danos é o conceito em torno do qual precisamos nos pautar.
Fonte: Folha
Créditos: Folha