Um dia depois da Parada LGBTS, os deputados distritais deram um duro golpe na legislação que estabelece punição para ações homofóbicas no Distrito Federal. Na sexta-feira (23), o governador Rodrigo Rollemberg (PSB) regulamentou, 17 anos depois de ser sancionada, a Lei Distrital 2.615/2000. No início da tarde desta segunda (26), por nove votos a seis e duas abstenções, os parlamentares aprovaram um projeto de decreto legislativo derrubando a regulamentação.
A votação ocorreu fora da Câmara Legislativa, durante evento no Sindicato da Construção Civil do DF (Sinduscon). Na sessão, estava prevista apenas a votação da concessão de um título honorário e projetos referentes à área. Sob o comando da bancada evangélica, aproveitaram para derrubar a regulamentação.
A lei considera discriminação contra a população lésbica, gay, bissexual, travesti, transexual e intersexual (LGBTTI) constrangimento ou exposição ao ridículo, proibição de ingresso ou permanência em locais, atendimento diferenciado ou selecionado, negativa quando da ocupação de instalações em hotéis ou similares, adoção de atos de coação, ameaça ou violência. Para esses casos, as sanções podem ser de advertência a multa de até R$ 10 mil.
Em nota, o GDF lamentou a ação dos distritais e informou que vai recorrer da decisão: “Trata-se de uma atitude ilegal por invadir área jurídica restrita do Executivo, e que não encontra respaldo na realidade dos dias de hoje”. Ainda de acordo com o texto, o Palácio do Buriti destaca que “o Estado tem que garantir a liberdade de expressão, de credo religioso e o direito de orientação sexual de cada cidadão, evitando qualquer tipo de preconceito e violência”.
Foi a segunda vez este ano que os distritais aprovaram um decreto legislativo contra medidas tomadas pelo GDF. Em janeiro, os parlamentares suspenderam um decreto assinado pelo governador Rollemberg reajustando o preço das tarifas de ônibus.
“Proteção à Família”
Os deputados apresentaram um projeto de decreto legislativo – de autoria de Rodrigo Delmasso (líder do governo na Câmara), Julio Cesar e Bispo Renato, todos da bancada evangélica – que serviu para sustar o decreto do governador. A justificativa apresentada é a de “proteção da família”.
“A relação da família sempre teve grande importância no desenvolvimento da sociedade. O núcleo familiar, pais e filhos, são responsáveis pela forma como veremos o mundo no futuro. Não podemos permitir que a influência da família na sociedade seja desvalorizada, ela é quem define nossos princípios, o que entendemos por certo e errado e, principalmente, como nos relacionamos com os integrantes de outras famílias”, argumenta o texto.
Questionado sobre o fato de propor uma decreto derrubando a regulamentação de uma lei de autoria do governador, do qual é líder na Câmara, Delmasso não se mostrou preocupado: “Não me sinto um traidor. Traidor eu seria se tivesse ido contra os meus princípios. Quando o governador me chamou para ser líder sabia que eu era conservador. Então, eu não seria uma pessoa confiável se eu fosse contra o que eu acredito.”
O parlamentar afirmou que continua líder do governo enquanto Rollemberg quiser: “O cargo é do governador e mesmo que eu deixe de ser líder, continuo no governo porque acredito no excelente trabalho que vem sendo feito”.
A regulamentação da lei foi comemorada durante a Parada LGBTS, neste domingo (25).
O presidente do Conselho de Direitos Humanos do DF, Michel Platini, considerou a decisão de derrubar a regulamentação da lei “um absurdo”. Para ele, a Câmara extrapolou suas competências e sustou um ato normativo que é ação privativa do Poder Executivo. “Foi votado hoje em regime de urgência. Não consigo entender, nem identificar a última vez que a Câmara se reuniu em uma segunda-feira, com quórum, para votar questões da saúde, de educação”, disse, surpreso.
Platini afirmou ainda que a ação não prejudica somente a população LGBT. “A lei fala em discriminação por orientação sexual. Se um hétero fosse discriminado também seria protegido por ela. Essa bancada fundamentalista não respeita a própria base”, atacou. “Cristãos eram perseguidos em um Estado que não era laico, agora a sociedade LGBT é perseguida”, completou.
Segunda tentativa
Em 2013, o governador Agnelo Queiroz (PT) chegou a publicar um decreto regulamentando a lei, mas um dia depois recuou. No início deste ano, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuizou ação civil pública contra o DF para que a legislação fosse cumprida.
Os membros do MPDFT citaram episódios de agressão motivados por discriminação contra pessoas LGBTTI no DF. Entre as vítimas elencadas, quatro rapazes gays agredidos por seguranças em Shopping Center de Santa Maria, quatro mulheres agredidas e ofendidas em um restaurante na Asa Norte e uma mulher transexual assassinada em seu local de trabalho.
Veja os votos dos distritais:
Confira a íntegra da nota do GDF:
O governo de Brasília lamenta e recorrerá da decisão da Câmara Legislativa do Distrito Federal de editar um decreto legislativo revogando o decreto que regulamenta a lei anti-homofobia.
Trata-se de uma atitude ilegal por invadir área jurídica restrita do Executivo, e que não encontra respaldo na realidade dos dias de hoje.
O Estado tem que garantir a liberdade de expressão, de credo religioso e o direito de orientação sexual de cada cidadão, evitando qualquer tipo de preconceito e violência.
O Governo de Brasília está seguro de que, mais uma vez, o Tribunal de Justiça reconhecerá a autonomia do Poder Executivo de regulamentar a legislação sobre este tema e de outros de interesse da sociedade.
Fonte: Metrópoles