Circula na Câmara dos Deputados, segundo reportagem publicada pelo Valor Econômico de ontem (9), uma minuta de projeto de lei cujo objetivo é distinguir quem fez uso de caixa dois eleitoral para receber propina, ou seja, para enriquecimento pessoal, de quem fez ou recebeu doações à margem do sistema legal, de olho nas urnas. A ideia de descriminalizar o caixa dois está inserida no contexto de encerramento da Lava Jato.
Pela lei atual, o caixa dois de campanha é crime eleitoral com baixo potencial punitivo. Não à toa, advogados de envolvidos na Lava Jato – incluindo José Serra e Michel Temer – disseram à jornalista Mônica Bergamo que estavam “aliviados” com o fato da delação da Odebrecht mencionar apenas repasses extraoficiais.
Somente nos casos em que a força-tarefa consegue avançar na ideia de que o caixa dois serviu para lavagem de dinheiro e outras formas de corrupção é que há margem para um enquadramento legal que inclui multas pesadas e anos de reclusão.
No mês passado, a colunista Maria Cristina Fernandes, do Valor, também abordou o plano em curso para anistiar os políticos e empresários que poderiam ser pegos por conta do caixa dois.
Ela indicou que a ideia tomaria a forma de um jabuti ao projeto de reforma política que Aécio Neves encabeça no Senado ou seria negociada no pacote anticorrupção que o Ministério Público Federal tenta emplacar no Congresso.
Nesta quinta, o jornal mostra que o plano, agora, é substituir projetos que tratam de financiamento eleitoral em tramitação na Comissão de Finanças e Tributações da Câmara por um texto próprio sobre a anistia ao caixa dois eleitoral.
Pela minuta do texto em construção, a partir do momento em que a lei entrar em vigor, será aberta aos interessados na anistia a possibilidade de fazer uma “delação premiada” junto ao Tribunal Superior Eleitoral – hoje presidido pelo ministro Gilmar Mendes – para confessar o uso de caixa dois no passado, e negociar o pagamento de multa de 35% sobre o valor da doação irregular. É a pena máxima.
O envolvimento do TSE é indicativo de que Gilmar pode entrar no jogo. Segundo o Valor, defensores da anistia “já sondam também integrantes da cúpula do Judiciário por apoio”.
No Supremo Tribunal Federal, o magistrado foi contrário a proibição do financiamento empresarial, alegando que isso é um incentivo a repasses não declarados ou ao uso de pessoas físicas por empresários comprometidos com doações vultosas.
Na minuta, ainda de acordo com o Valor, há um trecho que brinda Michel Temer, que foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, segundo o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo.
O projeto prevê, além do perdão ao caixa dois, anistia a todos os casos de doações em desacordo com a lei, como contribuições eleitorais de sindicatos e aquelas que ultrapassaram o valor permitido pela legislação eleitoral. Coincidentemente, Temer está inabilitado justamente porque doou cerca de R$ 16 mil acima do que sua renda declarada permite.
De acordo com o deputado Helio Rocha (PMDB-MA), vice-presidente da Comissão de Finanças da Câmara, já há vários parlamentares envolvidos nas negociações. “O entendimento é que quem recebeu no passado caixa dois referente a propina não tem perdão.
Agora, se foi dinheiro dado sem nada em troca, pode anistiar. Não pode punir da mesma forma duas coisas distintas”, disse ao Valor.
Mas que a classe política não se engane: o perdão não é suprapartidário. “Se for para anistiar os petistas de responderem as acusações da Lava Jato, não tem chance de passar”, acrescentou o deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), também da Comissão de Finanças.
Limitar quem ainda pode ou não cair nas garras da Lava Jato é conveniente agora que a delação de Leo Pinheiro, da OAS, deve ser retomada pela força-tarefa da Lava Jato.
Ela foi suspensa pela Procuradoria Geral da República após a revista Veja vazar parte de seu conteúdo, constrangendo o ministro Dias Toffoli, que foi prontamente defendido por seu colega Gilmar Mendes.
A expectativa é de que a delação de Odebrecht e OAS abra o leque de partidos implicados na Lava Jato, atingindo caciques do PMDB e PSDB.
Só que se Pinheiro seguir os passos do executivo Marcelo Odebrecht e citar apenas a existência de caixa dois para candidatos e suas agremiações, o alcance da Lava Jato ficará restrito com a cartada da lei da anistia ao caixa dois.
Neste caso, o tucanato poderá usar a cartilha que Aécio desenvolveu para explicar parte de suas citações na Lava Jato. O principal argumento é que, ao contrário do PT, que dominou a máquina por mais de uma década até a queda de Dilma Rousseff, o PSDB não estava no poder, não tinha influência sobre obras do governo federal, muito menos um patrocinado na Petrobras. Logo, qualquer doação de empreiteira foi boa vontade da mesma, não uma troca de favores que poderia caracterizar pagamento de propina.
Uma vez superada a corrupção eleitoral passada, quem for pego por caixa dois a partir do momento em que a lei estiver em vigor será punido com três a 10 anos de prisão, no caso de doações envolvendo pessoas físicas. Para pessoas jurídicas, a pena será a proibição de contratar com o poder público ou obter subsídios por até oito anos.
Fonte: o cafézinho