O governo federal gastou pelo menos R$ 1,072 milhão em dinheiro público durante a viagem do vice-presidente da República, Hamilton Mourão (PRTB), a Luanda, capital de Angola, na segunda metade de julho.
Informações prestadas pela Vice-Presidência da República ao Metrópoles, via Lei de Acesso à Informação (LAI), além de dados levantados pela reportagem no Painel de Viagens do Ministério da Economia, mostram que foram desembolsados R$ 441.930,16 em diárias, R$ 609.159,09 em passagens e R$ 20.818,29 com outros gastos, como seguro para viagens.
Os dados não incluem despesas com combustíveis nem com alimentação dos servidores, devido ao sigilo imposto sobre essas informações.
Mourão viajou a Luanda na tarde do último dia 14 de julho, em um avião da Força Aérea Brasileira (FAB), para participar da XIII Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). Ele ficou hospedado no Hotel Epic Sana Luanda e retornou a Brasília na noite do dia 17, um sábado.
Durante o período no país africano, o vice-presidente se encontrou com o presidente angolano, João Lourenço, para tratar da crise sobre a atuação da Igreja Universal do Reino de Deus, a pedido do próprio presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
A crise já levou à suspensão da direção de origem brasileira da igreja no país e criou tensão política entre as duas nações.
“Na orientação que eu recebi, de maneira geral, era para conversar também sobre esse assunto, né?! Você pega o seguinte: 99 brasileiros foram expulsos do país angolano. Isso não é uma coisa simples, né?! Então, a gente tem que conversar sempre a respeito, né?! Imagina se 99 jornalistas fossem expulsos de um país. O governo aqui ia cruzar os braços? Não. É a mesma coisa”, disse Mourão, no dia 20.
O montante consolidado pelo Metrópoles inclui os gastos da Vice-Presidência da República (VPR), do Ministério das Relações Exteriores (MRE), do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) e da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos (SAE).
O chefe do Itamaraty, embaixador Carlos Alberto Franco França, e o secretário especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República, almirante Flávio Rocha, também participaram da conversa com o presidente de Angola. O GSI é responsável por realizar a segurança pessoal do vice-presidente.
No total, foram 222 diárias e 102 passagens. Apesar de a viagem ter durado menos de quatro dias para Mourão e Flávio Rocha e três para Carlos França, alguns servidores ficaram afastados por até 13 dias. Trata-se de um procedimento comum. Isso ocorre para que seja realizado um reconhecimento do local onde as autoridades vão se encontrar e se hospedar, por exemplo.
No total, foram pagas diárias para 47 pessoas — 17 da VPR, 13 do MRE, 15 do GSI e duas da SAE.
O almirante Flávio Rocha foi acompanhado de um assessor, o capitão-tenente Luciano Ferreira de Sousa. Ele foi autorizado a voar, segundo despacho publicado no Diário Oficial da União (DOU) do dia 14 de julho, pelo secretário-executivo da Secretaria-Geral da Presidência da República, José Vicente Santini.
Sigilo de informações
A assessoria de imprensa da Vice-Presidência da República foi procurada pelo Metrópoles na manhã de terça-feira (17/8) e informou que não vai se manifestar sobre os gastos do órgão durante a viagem ao país africano.
Ao responder pedido via LAI, o órgão comunicou que os gastos relacionados à alimentação dos servidores “estão amparados pelo §2º, art. 24, da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, pelo art. 29, do Decreto nº 7.724, de 16 de maio de 2012 e pela Portaria nº 37, de 4 de junho de 2012, publicado no DOU do dia 8 de junho de 2012”.
A alegação é de que essas informações têm caráter sigiloso, pois os gastos são realizados com o Cartão-Pagamento do Governo Federal.
Em relação aos custos com o combustível das aeronaves envolvidas no transporte da comitiva, a VPR indicou que as informações são de competência da Força Aérea Brasileira. Procurada, a FAB disse cumprir o estabelecido pelo Decreto n° 10.267, de 5 de março de 2020, que dispõe sobre o transporte aéreo de autoridades em aeronaves do Comando da Aeronáutica, e também não informou o valor gasto.
“Os custos operacionais das missões em aeronaves da FAB são considerados estratégicos por envolverem aviões militares, cujo sigilo legal está previsto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 1.778/1980, nos termos do que prescreve o art. 22 da Lei de Acesso à Informação (12.527/2011) combinado com o art. 6º do Decreto 7.724/2012”, prosseguiu o Comando da Aeronáutica.
Crise da Universal em Angola
O vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB) afirmou que o “principal aspecto” negociado por ele com o governo de Angola em relação à crise da Igreja Universal do Reino de Deus naquele país foi o patrimônio de cerca de 300 templos da instituição religiosa.
“Existe a questão judicial, que não está em discussão. O principal aspecto é o patrimônio de 300 templos, onde se busca um acordo entre as partes”, afirmou Mourão, em conversa com o colunista Igor Gadelha, do Metrópoles, no dia 24 de julho.
Recentemente, o governo angolano reconheceu a direção angolana como a legítima representante da instituição religiosa no país. Sem terem os vistos renovados, muitos pastores e bispos brasileiros saíram de Angola. De acordo com o MRE, 99 brasileiros foram deportados do país africano, dos quais 58 são missionários da Universal. Também houve suspensão da televisão Record, de propriedade da igreja.
Em entrevista à Agência Lusa, Mourão afirmou que o governo brasileiro gostaria que se chegasse a um consenso entre as duas partes. Há um embate entre a direção brasileira da Universal — fundada e liderada pelo bispo Edir Macedo — e bispos e pastores angolanos, que se rebelaram, desde o fim de 2019, passando a contestar o comando geral da igreja.
PGR acionada
O deputado federal Ivan Valente (PSol-SP) anunciou ter entrado com representação na Procuradoria-Geral da República (PGR) e na Procuradoria da República no Distrito Federal para apurar possível crime de improbidade administrativa na viagem que o vice-presidente Hamilton Mourão fez a Angola, onde tentou interceder para auxiliar a Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd).
O crime de improbidade administrativa ocorre quando o agente público age, no exercício do cargo, contra o interesse público.
A ação questiona o uso de dinheiro público para atender interesses privados e solicita informações sobre os custos dos voos da Força Aérea Brasileira (FAB), além de como as hospedagens foram bancadas em Angola.
Fonte: Metrópoles
Créditos: Metrópoles