Conversas gravadas com autorização da Justiça e interceptadas pela Polícia Federal, durante as investigações da Operação Famintos, revelam como o grupo de empresários investigado articulava a participação em licitações para o fornecimento de merenda escolar em Campina Grande, no Agreste da Paraíba.
‘Famintos’: entenda operação sobre fraude em verba da merenda de Campina Grande
]Os áudios fazem parte do processo que tramita na 4ª Vara da Justiça Federal da Paraíba. Em alguns casos, gestoras escolares se mostram confusas no momento de efetuarem os pagamentos, já que nem sempre as pessoas responsáveis pelas empresas eram as mesmas que administravam os empreendimentos no papel.
No dia 14 de maio deste ano, os empresários Marco Antônio Quirino da Silva e Flávio Souza Maia falam sobre licitações que ocorreriam na Secretaria de Educação do município. Uma delas teria o valor superior a R$ 1 milhão.
Flávio Souza: Oi.
Marco Antônio: Não é hoje, não.
Flávio Souza: Não é hoje, não?
Marco Antônio: Material de expediente, quinze do cinco (15/05), nove horas.
Marco Antônio: É. Aí em contratação de empresas especializadas em fornecimento de material mecanográfico, que é hoje. Mecanográfico é hoje, catorze do cinco (14/05).
Marco Antônio: E esse aí. E esse aí é também para Educação, mas é mecanográfico. Deixa eu ver o que é aqui o item.
Flávio Souza: Nem sei que… é isso: mecanográfico. Oxe.
Marco Antônio: É. Quarenta e quatro mil, novecentos e cinquenta e dois. Essa de hoje. Agora a de…
Flávio Souza: Amanhã.
Marco Antônio: Expediente dá um milhão e trinta e dois.
Flávio Souza: Um milhão e trinta e dois?
Marco Antônio: É.
Flávio Souza: É amanhã?
Marco Antônio: É.
Em uma das conversas, interceptadas pela Polícia Federal, uma gestora que não foi citada na investigação, questiona Kátia Suênia Macedo Maia, investigada na Operação Famintos, sobre quem receberia o pagamento da merenda para a unidade escolar.
Gestora de escola: Kátia, é o seguinte, porque quem tá fornecendo a merenda para nós é Ângelo. Mas, assim, a gente precisa dos documentos, não é? Porque Arnóbio é que fez a licitação. Não foi isso?
Kátia Suênia: Foi.
Gestora de escola: Aí, como é que a gente faz para conseguir os documentos?
Kátia Suênia: Precisa de quê? Diga.
Gestora de escola: A gente precisa das notas fiscais, precisamos de…
Kátia Suênia: A senhora já solicitou de Ângelo?
Gestora de escola: Mas é, é porque é assim, é… eles têm uma pessoa responsável para todo o núcleo, não é isso? Arnóbio.
Kátia Suênia: Não. Cada, cada pessoa é responsável por suas notas.
Gestora de escola: Sim. Mas, aí eu entrei em contato com uma pessoa da Secretaria e ela disse que tudo eu tenho que trabalhar com o Arnóbio. Com notas vindas dele.
Kátia Suênia: Hum.
Gestora de escola: É isso que… Aí a gente precisa das notas, precisa da certidão negativa pra poder fazer, efetivar os pagamentos, sabe. Da merenda.
Kátia Suênia: Porque é assim, é…. É aqui, Arnóbio. Entendeu?
Kátia Suênia: Hum. É. Então…
Kátia Suênia: Só que é o seguinte, é… a solicitação vem de Ângelo.
Gestora de escola: É, mas assim, mas não é a pessoa que, que assina tudo, o contrato…
Gestora de escola: Mas aí como o contrato tá no nome de Arnóbio, como é que a gente vai, vai pagar outra…
Kátia Suênia: Pelo vendedor. Pelo vendedor que tá lhe entregando.
Em outra conversa, uma pessoa não identificada aciona o motorista para coletar a assinatura de Renato Faustino da Silva, que era supostamente dono de uma empresa. O empreendimento foi aberto, segundo o próprio Renato em depoimento à Polícia Federal, após ele ter sido abordado por Marco Antônio e ter recebido uma proposta de receber R$ 1 mil para emprestar o nome.
Ao prestar depoimento na primeira fase da operação, Lucildo afirmou aos policiais que levava documentos também para Rosildo de Lima Silva assinar. Rosildo é apontado como ‘laranja’ pelo Ministério Público Federal.
Mulher não identificada: Seu Lucildo?
José Lucildo: Oi.
Mulher não identificada: Tudo bom?
José Lucildo: Diga.
Mulher não identificada: Seu Lucildo, é… Tem uma assinatura de Renato Faustino. O senhor tem facilidade de pegar?
José Lucildo: Agora é só amanhã, Maia.
Mulher não identificada: Só amanhã, né?
José Lucildo: É. Que eu liguei para o menino, aí ele disse que ele só pode assinar amanhã.
Mulher não identificadaI: Tá certo.
José Lucildo: Tá bom, minha filha?
Mulher não identificada: Sim senhor.
José Lucildo: Amanhã de manhã.
Respostas dos citados
Ao Jornal da Paraíba, o advogado do ex-secretário Paulo Roberto, Félix Araújo Filho, garantiu que não há qualquer ilicitude na atuação dele enquanto esteve à frente da Secretaria. Os advogados de Marco Antônio Quirino e José Lucildo também não foram localizados. Os representantes de Kátia Suênia e Flávio Souza Maia também foram procurados, mas não conseguiu falar com eles sobre as gravações.
Operação Famintos
A Operação Famintos foi desencadeada no dia 24 de julho em Campina Grande e outras cidades da Paraíba. Polícia Federal, Ministério Público Federal e Controladoria-Geral da União investigam um suposto esquema de desvios de recursos federais do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), geridos pela Prefeitura de Campina Grande. O prejuízo ultrapassa R$ 2,3 milhões.
Segundo o MPF, foi instaurado um inquérito para apurar supostos delitos relacionados a licitações e contratações fraudulentas no município de Campina Grande, principalmente na Secretaria de Educação, envolvendo empresas de fachada e desvio de verbas provenientes de programas federais para compra de merenda escolar.
Em despacho que autorizou os mandados de prisão temporária e de busca e apreensão, o juiz da 4º Vara Federal de Campina Grande, Vinícius Costa Vidor, afirma que se observa a presença de uma organização criminosa voltada à prática, especialmente, de crimes contra a administração pública, onde empresários, servidores e secretários estão envolvidos.
Fonte: G1
Créditos: G1