Como é possível que todos os votos sejam reunidos e contados tão rapidamente, a ponto dos resultados das eleições terem sido conhecidos antes das 22h nos últimos três pleitos?
No primeiro turno das eleições de 2018, Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) souberam que iam disputar o 2º turno por volta das 20h – apenas uma hora depois das urnas fecharem no último Estado, o Acre.
A operação por trás de uma eleição brasileira envolve 1,817 milhão de mesários e 556 mil urnas eletrônicas, espalhadas por 454,4 mil seções eleitorais. O 2º turno da disputa mobiliza os mesmos 15,4 mil servidores da Justiça Eleitoral, militares das Forças Armadas em várias cidades e ainda 2.645 juízes eleitorais espalhados por todo o território. Estes números ajudam a ter uma ideia da magnitude de uma eleição geral.
Afinal, trata-se de colher o voto de 147,3 milhões de eleitores brasileiros, para eleger o próximo Presidente da República e os governadores de 13 Estados e do Distrito Federal.
Além disso, as eleições no Brasil são um processo caro para os cofres públicos: em 2014, custaram R$ 650,8 milhões, segundo informou o TSE à BBC News Brasil.
Os técnicos da Justiça Eleitoral dividem o processo em duas partes: a apuração, que é a contagem de quantos votos cada candidato teve numa determinada urna, e a totalização, que é a soma dos resultados de todas as urnas para saber quem foi eleito para cada cargo.
Assista a explanação do Secretário de TI do TRE da Paraíba sobre a Urna eletrônica
Como é o processo de apuração?
A apuração é feita individualmente por cada uma das urnas eletrônicas depois das 17h, quando acaba o horário de votação. Cabe aos mesários acionar o encerramento da urna eletrônica. Esta emite então o boletim de urna (BU), impresso em papel, e também um arquivo digital chamado Registro Digital de Voto (RDV). O RDV é armazenado num pequeno objeto chamado “memória de resultado”, que nada mais é que um pen drive.
Nos centros urbanos, cada local de votação tem um terminal de acesso ao sistema da Justiça Eleitoral. É por esta rede que os dados são enviados ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de cada Estado.
Em localidades afastadas, como uma comunidade ribeirinha no Amazonas, é preciso às vezes que as memórias de resultado sejam levadas fisicamente do local de votação a uma outra seção eleitoral para ser transmitida por satélite ou onde exista acesso à rede da Justiça Eleitoral. Mas não é preciso levar as memórias até a sede do TRE, em Manaus, por exemplo.
“Desta forma, não é necessário transportar a urna para que o resultado produzido por ela seja totalizado, bastando apenas transportar um pen drive até um ponto de acesso à rede privativa da Justiça Eleitoral”, disse o chefe da Seção de Voto Informatizado do TSE, Rodrigo Coimbra, à BBC News Brasil.
Os resultados são transmitidos online, mas não viajam pela mesma rede mundial de computadores que você está usando para ler este texto: a Justiça Eleitoral conta com uma estrutura de comunicação própria, fornecida pelas operadoras de telefonia.
Locais de votação, cartórios eleitorais, TREs dos Estados e o TSE passam a estar conectados por uma intranet (rede privada de computadores), pela qual os resultados são transmitidos.
O único ponto de encontro entre essa intranet eleitoral e a internet que todos usamos fica no TSE, em Brasília. O tribunal controla o acesso: nos dias de votação, a internet fica praticamente inacessível no TSE.
Como é feita a soma dos votos?
A totalização, isto é, a soma dos votos de todas as urnas, começa nos TREs dos Estados. Servidores da Justiça eleitoral usam ferramentas computacionais para somar os votos de todas as urnas de um determinado Estado. A partir daí, já é possível ver o resultados das disputas para governador.
A votação da disputa presidencial é enviada pelos TREs ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em Brasília, que totaliza dos votos e divulga o resultado. A transmissão e totalização dos votos se dão em tempo real: assim, é possível acompanhar minuto a minuto a evolução da apuração presidencial e para governador.
Você pode acompanhar a apuração em tempo real, diretamente, através dos dados da Justiça Eleitoral. Há aplicativos para smartphone (Android e iPhone) e também para computadores. É possível também acompanhar os resultados no seu navegador de internet, sem necessidade de baixar um programa. Todas estas informações estão nesta página do Tribunal Superior Eleitoral.
O que acontece se a urna eletrônica falhar?
Cada zona eleitoral do país possui uma junta eleitoral designada para acompanhar a apuração e a totalização na localidade. A junta é formada por um juiz eleitoral e dois ou quatro cidadãos “de notória idoneidade”, escolhidos pelo juiz, e que não podem ser dirigentes partidários e nem parentes de candidatos.
Caso haja problemas nas urnas e seja necessário o voto manual, cabe à junta local garantir o processo de apuração (contagem) dos votos. Na prática, porém, é raríssimo que isto aconteça: em 2014, por exemplo, só houve votação manual em oito seções, localizadas nos municípios de Jaguaré (ES), Goianésia do Pará (PA), Floresta (PE), Picos (PI), Santo Antônio (RN), Içara (SC), Brasileia (AC) e Salvador (BA).
“Quando o voto era em cédulas de papel, a junta servia para os casos em que era preciso checar o que realmente estava na cédula, que às vezes vinha rasurada. Mas, com o voto na urna eletrônica, ela perdeu parcialmente sua função”, diz o advogado especialista em direito eleitoral Daniel Falcão, do escritório Boaventura Turbay Advogados.
Como é a preparação das urnas para a votação?
A preparação das urnas para a votação é uma cerimônia pública, aberta aos representantes dos partidos políticos, à imprensa e ao Ministério Público – que fiscalizam o processo. Ela é realizada ou nos TREs dos Estados (especialmente em unidades da federação com território pequeno, como Sergipe) ou em cada cartório eleitoral. E ocorrem simultaneamente.
A urna funciona com base em um software desenvolvido pelo TSE. Já as fotos, nomes e números são de responsabilidade dos partidos, que entregam o material ao TSE presencialmente ou via internet.
Uma das etapas mais trabalhosas é a distribuição das urnas. No Estado do Amazonas, por exemplo, são quase cinco dias para distribuir o material. No exterior, pode demorar mais de uma semana, segundo o TSE.
Como era o processo antes da urna eletrônica?
A primeira coisa a se lembrar é que, até o ano de 1932, não existia Justiça Eleitoral – as votações eram organizadas e controladas pelos chefes políticos locais e, depois, validadas pelo Congresso Nacional.
Além disso, o voto não era secreto (o eleitor tinha de dizer em voz alta em quem desejava votar, facilitando a coação e a compra de votos). Só uma parcela muito pequena da população votava: mulheres, analfabetos e pobres estavam excluídos do processo.
“Era um sistema que favorecia fraudes. Elas aconteciam na hora da confecção dos chamados mapas eleitorais, que eram as atas da votação num determinado local, indicando quantos tinham votado e qual o resultado. Tudo isso era feito pelos donos do poder local”, conta o historiador Antônio Barbosa, professor da Universidade de Brasília (UnB) e especialista em história política. “Eram as chamadas eleições a bico de pena, porque o que se escrevia fraudulentamente era o que determinava o resultado”, diz.
“Para completar, existia a chamada Comissão Verificadora, formada por políticos do Congresso, e responsável por checar as atas eleitorais. Essa comissão era conhecida como ‘degola’: ainda que o sujeito tivesse tido votos suficientes, acabava ‘degolado’ simbolicamente pela Comissão Verificadora”, diz Barbosa.
Embora as fraudes tenham diminuído depois da criação da Justiça Eleitoral, problemas continuaram ocorrendo – antes de 1964, por exemplo, as cédulas de votação eram fornecidas pelos partidos aos eleitores, que deveriam colocá-las na urna. Só durante o regime militar (1964-1985) a Justiça Eleitoral passou a confeccionar as cédulas, onde o eleitor deveria marcar um X nos nomes escolhidos.
“Mais tarde, essa cédula foi aprimorada para incluir um espaço em branco, onde o eleitor poderia escrever o nome do candidato. Foi assim que em 1988 o macaco Tião (do zoológico do Rio) acabou como um dos mais votados na disputa para prefeito do Rio”, conta o historiador. De fato, Tião teve quase 400 mil votos, após uma campanha movida pelo ex-deputado Fernando Gabeira.
O último grande incidente de fraude eleitoral no Brasil ocorreu em 1982. A empresa Proconsult, encarregada da contagem de votos na disputa pelo governo do Rio de Janeiro, teria tentado transferir votos para o então candidato apoiado pelos militares, Moreira Franco (hoje ministro de Minas e Energia de Michel Temer), em detrimento de Leonel Brizola (PDT). Na época, o voto era em papel.
No primeiro turno, vídeos apontando suposta fraude nas urnas eleitorais circularam nas redes sociais. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), no entanto, tais imagens não eram legítimas.
“Vídeo e mensagens em redes sociais e app de bate-papo sobre processamento dos votos na urna antes da tecla confirma SÃO FALSOS”, publicou o TSE no Twitter, compartilhando uma nota emitida pelo Tribunal Regional de Minas Gerais (TRE-MG).
O site do TRE publicou um texto em que explicava que a velocidade de processamento dos votos é diferente de acordo com o modelo da urna eletrônico.
“A urna mais atual – modelo 2015 – processa os votos mais rapidamente que a urna mais antiga – por exemplo, modelo 2008. Para comprovar, foram feitas filmagens na auditoria de votação paralela em duas urnas, uma modelo 2015 e outra modelo 2008, para que o eleitor entenda como se dá o encerramento da votação e tenha a segurança de que todos os seus votos são devidamente registrados pela urna eletrônica.”
Fotografar ou filmar a urna eletrônica é crime, segundo o Código Eleitoral. A lei estabelece que é proibido “portar aparelho de telefonia celular, máquinas fotográficas e filmadoras, dentro da cabina de votação”. Além disso, a pena para quem viola ou tenta violar o sigilo do voto é de até dois anos de prisão.
A norma visa impedir a coação de eleitores – para que não sejam obrigados a fotografar seu voto e provar que votaram em determinado candidato.
A urna eletrônica é mesmo segura?
O TSE adota uma série de procedimentos, rotinas e verificações abertas a todos os interessados para garantir a segurança do processo de votação. A maior parte dos especialistas concorda que a segurança das votações aumentou desde a adoção da urna eletrônica, e as últimas eleições não foram atingidas por nenhuma alegação séria de fraude.
Mesmo assim, a especialista em ciência de dados e professora Paula Oliveira lembra que não existe “sistema totalmente inviolável”. “O que a Justiça Eleitoral declara é que o sistema possui barreiras que asseguram o princípio do voto secreto e impedem a ação de hackers. Eu acredito que exista um trabalho interno estruturado por trás da segurança do equipamento”, diz ela, que é professora da Fundação Dom Cabral.
“Mas não acredito que haverá um momento em que essa vigilância possa ser reduzida. É preciso que haja um engajamento contínuo do TSE no campo da pesquisa em segurança da informação. Precisa haver mais intercâmbio de conhecimento com instituições especializadas”, diz ela.
Oliveira diz ainda que a proposta de impressão do voto não ajudaria necessariamente a aumentar a segurança do processo – ela lembra que o sistema eletrônico já permite a auditoria dos votos, como aquela que é feita pelos partidos políticos.
“Acho que existem meios mais eficazes para que essa auditoria seja feita. A própria Justiça Eleitoral oferece uma gama de alternativas de auditoria. O voto impresso pode significar um retrocesso e uma afronta à proposta que a tecnologia traz”, diz ela.
Fonte: El país
Créditos: El país