É o mês do Carnaval, mas a semana no Congresso esteve mais próxima do Halloween. Foi digna de horrores, de interesses privados dos deputados que vão contra a opinião pública. E mais uma vez, os deputados vestem as fantasias, comuns tanto no Carnaval, quanto no Halloween, na tentativa de enganar o povo. Duas medidas centralizaram os debates e vieram em forma de PEC (Proposta de Emenda à Constituição): a PEC Emergencial, aquela que desobriga investimentos mínimos na Educação e na Saúde e a PEC da Imunidade, a que dificulta ainda mais a prisão de deputados.
As duas propostas vêm fantasiadas de boas ações, mas o problema está por dentro. Como o momento pede, por trás das máscaras estão os interesses particulares. A primeira vem mascarada por uma boa iniciativa: a de fornecer auxílio emergencial por mais quatro meses. O valor é surpreendente: R$ 250. Já a segunda, vem ainda mais fantasiada, os deputados defendem que é preciso ter objetividade quanto as prisões… dos próprios deputados. Os apoiadores da medida dizem que precisa ser evidente o que pode ou não partir do Judiciário que influencie a vida dos parlamentares. Pura fantasia.
Durante entrevista à GloboNews, o relator da proposta, deputado Celso Sabino (PSDB-PA) bateu, por diversas vezes, na mesma tecla, afirmando que a proposta não restringe a prisão de deputados, pelo contrário, segundo ele, deve servir para colocar as coisas no lugar e evitar crise entre poderes. Questionado, de forma muito precisa, pela apresentadora Júlia Duailibi sobre trechos do texto que dificultam a prisão, o deputado caiu em contradição. Ora, se o texto deve servir para deixar os processos mais compreensivos, como pode haver divergências tão opostas logo de cara?
E as divergências não foram apenas com a apresentadora. Caso fossem, as críticas à jornalista logo iriam chover, mas e quanto aos ministros do STF? Eles que tratam o tema como a PEC da Impunidade. Os magistrados da Corte afirmaram que a PEC cria um “sistema superprotetor” a parlamentares e “transforma a imunidade em impunidade”. Alguns analisaram que ela é uma espécie de “retaliação” e “afronta” à Corte por conta da decisão unânime de manter preso o deputado federal Daniel Silveira.
A avaliação dentro do Supremo é que a aprovação da proposta pode gerar mais um embate institucional entre o Legislativo e o Judiciário. Ou seja, a ideia que o relator e os defensores da medida na Câmara defendem não tem fundamento. É mais uma tentativa de velar mentiras com termos específicos, tão comum.
Vale lembrar aqui que o principal articulador da PEC é o presidente da Câmara, aquele mesmo, investigado pelo STF, Arthur Lira. Acusado de corrupção passiva, ele teria recebido propina no valor de R$ 106 mil. O dinheiro foi apreendido no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, com um assessor parlamentar de Lira, que tentava embarcar para Brasília com o valor escondido nas roupas. Ele também responde ao inquérito chamado “quadrilhão do PP”, por suposta participação em esquema de desvios da Petrobras. Isso só no STF, fora as denúncias de violência doméstica e ocultação de bens, no Tribunal de Justiça de Alagoas.
Lira convocou de imediato, uma semana após a prisão de Daniel Silveira, a votação do texto da PEC, e, no mesmo dia, já foi aprovada. Sem demora, sem chamar atenção, por trás da fantasia. Os deputados não analisaram o mérito do texto, somente os aspectos formais e deram segmento. Mas não se engane que a proposta surgiu após a prisão do deputado bolsonarista Daniel Silveira. Ela foi só o gatilho para o texto andar.
E o texto é bem agradável, pelo menos para quem pensa em andar fora da lei. Primeiro, os deputados não podem ser presos por declarações, votos ou por dar opinião (mesmo se for criminosa). Nesse caso, o julgamento só poderá ocorrer no Conselho de Ética, lá pode até perder o mandato. Aliás, quanto ao afastamento do mandato, não pode mais ser de forma monocrática, como já aconteceu recentemente com Wilson Santiago (PTB-PB) e Flordelis (PSD-RJ). Poderá apenas ser coletiva, referendada pelo pleno.
E a melhor parte vem depois: o deputado continua só podendo ser preso em flagrante e por crime inafiançável. Mas, sendo preso, não vai à delegacia: vai para Câmara ou para o Senado. E a custódia será de responsabilidade da CCJ. Qualquer medida cautelar (como prisão) expedida pela Justiça tem que ser referendada pelo plenário da Câmara. Tudo entre amigos. Além da PEC, os deputados ainda devem votar um projeto de lei (PL) e um projeto de resolução para alterar o regimento interno da Casa.
O texto ainda muda o entendimento quanto ao popular Foro Privilegiado. O entendimento atual do STF, conforme julgamento de 2018, determina que o foro privilegiado vale somente para crimes cometidos no mandato e relacionados à atividade parlamentar. Deputados e senadores não têm foro em crimes comuns ou cometidos antes do mandato e respondem a esses processos em instâncias inferiores.
Agora, a regra que restringe o foro fica mantida e passa a constar expressamente na Constituição. Na fantasia, o relator da PEC afirma que é uma forma de tornar tudo legalizado, explícito na Constituição. Na prática, não muda muita coisa, o privilégio permanece, agora constitucionalmente.
Fantasiada, PEC Emergencial dá sequência a desigualdade
Enquanto a PEC da Imunidade deixa a vida dos deputados ainda mais tranquila, o outro ponto debatido durante a semana no Congresso torna a vida do povo ainda mais complicada. Logo na segunda-feira, o texto da PEC Emergencial trouxe uma ‘solução’ esplêndida para quem questionou: “Como o governo vai pagar o auxílio? De onde tira o dinheiro?”. Temos resposta: a proposta é compensar os gastos com o auxílio emergencial recorrendo à desvinculação dos recursos para a Educação e Saúde, que hoje têm valor mínimo obrigatório no Orçamento. Um colosso, diria Paulo Henrique Amorim!
Logo no início do ano, defendi e sigo defendendo a continuidade do auxílio. Auxílio não é esmola, auxílio não vicia, senhor presidente. Auxílio é uma forma, emergencial, de evitar que a população passe fome. De evitar também que o número de pessoas que vivem na linha da pobreza, ou abaixo dela, aumente. Auxílio é uma tentativa de oferecer um pouco de dignidade à população mais pobre. No entanto, não se fornece auxílio tirando dinheiro das duas áreas mais essenciais de um país.
Ao invés de taxar grandes fortunas, proposta que ainda encontra resistência no texto da Reforma Tributária, e mexer com as elites, a Câmara prefere aumentar o abismo da desigualdade no país. Sabemos, não se reduz desigualdade com auxílio, se reduz com educação. Educação que não vem sendo prioridade, o Ministério da Educação teve em 2020 a menor quantidade de dinheiro destinado desde 2011 e, mesmo assim, não usou todo o recurso disponível. O ensino básico foi o que teve menor investimento no ano passado. É verdade também que o dinheiro é mal utilizado, afinal, a qualidade da educação não acompanha os recursos destinados. No entanto, a medida só piora a situação.
Passada a pandemia, já teremos desafios incalculáveis na educação do país, com escolas fechadas a quase um ano e o fracasso das aulas remotas. Agravado a isso, a ineficiência na gestão do MEC durante a pandemia deve dificultar ainda mais as políticas de médio e longo prazo para a educação no país, como apontou relatório feito pela ONG Todos pela Educação.
Em entrevista ao UOL, a deputada Tabata Amaral (PDT-SP) resumiu o que significa a desobrigação de investimento mínimo na Educação: “Quando a gente fala em desvinculação, especialmente na área da Educação, estamos falando na verdade de uma grande despriorização. Acho que esse é o momento mais desafiador que a nossa Educação já enfrentou nos últimos 30 anos. Então, em um dos momentos que a gente mais precisa olhar para a Educação, em que os custos tendem a aumentar, e que a gente precisa entender de uma vez por todas que a Educação é a única resposta no médio e longo prazo em termos de recuperação econômica e desenvolvimento, essa proposta vai na direção oposta.
Somado a isso, é possível que municípios brasileiros com poucos recursos não tenham dinheiro sequer para pagar professores ou fazer obras de infraestrutura nas escolas. Discutir a PEC Emergencial dessa forma, nesse momento é desrespeitoso, chega a ser criminoso com a população. Ora, por quê não se discute, de forma coerente, a Reforma Administrativa? E se corta os gastos supérfluos que o setor público tem? Começando pelos próprios parlamentares, repletos de regalias e passando pelas inúmeras categorias que ganham acima do teto?
E os horrores da semana no Congresso não pararam por aí, outros assuntos ainda devem ganhar espaço nos próximos dias: o líder do Governo defendeu um retrocesso nas medidas contra o nepotismo e Bolsonaro quer aliviar medidas anti-corrupção. Há dúvidas que Arthur Lira irá pautar? “Mas pelo menos facilitaram as compras de vacinas”. Sim, com boa fé ainda resolveram um problema que não havia, criado pelo governo para fantasiar sua incompetência e não adquirir imunizantes, o tal termo de compromisso. Voltemos à PEC Emergencial. Devido a impopularidade, o presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) avalia votar de forma parcelada, avaliando somente a autorização para a retomada do auxílio e deixando para depois a avaliação dos mecanismos de contenção de gastos. Será?
Retirar dinheiro da Saúde e da Educação, na fantasia de pagar R$ 250 de auxílio é mais uma medida elitista, de um governo e um Congresso, em sua maioria, despreocupado com a realidade do povo, com os compromissos que eles próprios firmaram com o povo, em campanha. É uma política voltada aos privilégios econômicos e a burguesia, aquela que não conhece a pobreza. E, além disso, de perpetuação no poder. Afinal, é melhor não dar condições de educação aos mais pobres, vai que, no futuro, eles queiram ocupar cargos ocupados por “nós”, para fazer referência a Câmara do “Nós”, proferida nos discursos de Lira. Não se pode correr esse risco. Atenção aos parlamentares que desvalorizam a educação e cerceiam oportunidades.
Fonte: Samuel de Brito
Créditos: Samuel de Brito/Polêmica Paraíba