A indicação é uma prerrogativa do presidente. O nome precisa ser chancelado pela maioria absoluta do Senado, após sabatina. São necessários, no mínimo, 41 votos dos 81 senadores
O procurador-geral da Justiça Militar encaminhou ofício ao Palácio do Planalto e a senadores questionando a forma como se dará a sucessão de Raquel Dodge. O documento é datado de 18 de fevereiro.
Dodge termina seu mandato em setembro de 2019, após dois anos. Ela pode ser reconduzida ao cargo.
A sucessão, porém, segue aberta no MPF (Ministério Público Federal) e há atualmente uma disputa interna em torno da Operação Lava Jato. Dodge se posicionou contra a criação de um fundo de R$ 2,5 bilhões gerido por procuradores com recursos recuperados de corrupção na Petrobras.
Dodge é apontada por procuradores como aliada do ministro Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), como mostrou a Folha. A procuradora-geral também tentaria impedir a indicação de Deltan Dallagnol para seu posto. Ele é visto como um nome de preferência do ministro da Justiça, Sergio Moro.
Desde a Constituição de 1988, apenas membros do MPF ocuparam a Procuradoria-Geral da República. No ofício enviado ao Planalto e ao Senado, Miranda contesta os rituais desse processo.
Segundo ele, a Constituição abre margem para argumentações de que qualquer integrante de quaisquer ramos do MPU (Ministério Público da União) poderia ocupar a PGR.
O MPU é formado por MPF, MPM, MPT (Ministério Público do Trabalho) e MPDFT (Ministério Público do Distrito Federal e Territórios).
“A própria Constituição da República, ao disciplinar o procedimento da escolha do procurador-geral da República, prevê que a nomeação recaia ‘dentre integrantes da carreira’, após fazer referência ao ‘Ministério Público da União’, e não ao Ministério Público Federal”, escreve Miranda.
O procurador-geral da Justiça Militar afirma que o procurador-geral da República, além de chefiar o MPF, concentra atribuições administrativas, financeiras e de pessoal de todo o MPU.
Miranda reprova também o encaminhamento que se dá à questão antes mesmo da indicação do presidente e da votação no Senado.
A partir do governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), em 2003, filiados à ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) elaboram uma lista. Os três mais bem votados dentre membros do MPF são levados ao presidente. A prática não tem previsão legal nem constitucional.
“Todos os membros da ativa de todos os ramos do Ministério Público da União deveriam ser chamados a participar do processo de formação da lista tríplice para a nomeação do chefe do MPU, a fim de amenizar a deficiência de representatividade”, escreve o chefe do MPM.
O presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti, critica os argumentos de Miranda. “A lista tríplice é uma conquista da sociedade, mas é informal, é uma construção política, não está na lei. O fato de que tem de ser [um integrante] do MPF não se discute. Desde 1988, nunca houve nenhum PGR que não fosse do MPF” afirma.
Segundo Robalinho, procuradores de outros ramos também não devem participar da votação do sucessor de Dodge. “Não faz sentido eles votarem na escolha do PGR. Não será um líder da classe, será um líder externo.”
O presidente da ANPR diz que a discussão sobre a sucessão do órgão ocorre atualmente em razão de disputas sobre orçamento em momento de cortes de recursos.
Para o procurador-geral da Justiça Militar, “a solução definitiva” é a “cisão da figura do PGR em duas autoridades distintas”. “Uma delas seria a figura atual do PGR enquanto chefe do MPF, advindo do quadro de membros do MPF e com todas as atribuições finalísticas destacadas a esse ramo do MPU”, escreve Miranda.
“A outra [figura] seria o chefe do MPU, dotado de atribuições administrativas, orçamentárias e financeiras, de interesses de todos os ramos, e escolhido entre os integrantes das carreiras do MPF, MPT, MPM e MPDFT, de forma alternada (sistema de ‘rodízio’).”
Miranda, porém, não especifica quais seriam as atribuições jurídicas de cada chefe.
O professor de direito constitucional da FGV Direito SP Rubens Glezer afirma que a solução, no entanto, é inviável neste momento. “A indicação de duas pessoas para esses cargos precisaria de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição)”, diz ele.
O debate sobre a sucessão, diz Glezer, parece ter um objetivo mais imediato. “Aumenta-se o campo de disputa e se permite, por exemplo, que o governo consiga se mobilizar para ter alguém na lista tríplice, para não ter de passar pelo desgaste de fazer uma escolha fora da lista da ANPR. O timing é superforte [a seis meses da sucessão]”, afirma.
Miranda escreve, por fim, que suas considerações foram apresentadas a Bolsonaro, “enquanto autoridade responsável pela nomeação do PGR”.
Segundo ele, as alegações têm “o intuito de estimular o debate sobre o tema, importante não apenas para o Ministério Público como também para o aperfeiçoamento do sistema judicial nacional e do próprio Estado brasileiro”.
Procurada e informada sobre o teor da reportagem, a assessoria de imprensa do MPM afirmou que Miranda está em férias. Segundo o órgão, a “essência dos argumentos” está no ofício.
Como é a eleição para a PGR
- A ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República) faz a cada dois anos uma eleição para definir quem os membros da categoria mais querem no cargo de procurador-geral da República
- Estão aptos a votar cerca de 1.300 procuradores
- As regras e o calendário são definidos a cada edição, mas tradicionalmente pode se candidatar qualquer procurador do Ministério Público Federal, atue ele na primeira, na segunda ou na terceira instância. Cada eleitor pode votar em mais de um nome
- Os três candidatos mais votados compõem uma lista tríplice que é enviada ao presidente da República, ao qual cabe indicar um nome para o cargo. Por lei, o presidente não precisa aderir à lista, mas essa tem sido a tradição desde 2001
- O escolhido precisa ser aprovado em sabatina do Senado. O mandato é de dois anos
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: William Castanho