Há cerca de um mês, o então ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, era tachado pelos correligionários, entre eles o ex-presidente Lula, de “rendido”, “catastrófico”, “incapaz de impedir a fuga de duas tartarugas”, entre outros impropérios impublicáveis. Ao longo desta semana, no entanto, os petistas dispensaram a ele adjetivos como “brilhante”, “impecável” e “competente”. A guinada na avaliação é de simples interpretação: Cardozo passou de gerente cuja influência sobre a PF era tida como diminuta — a ponto de permitir que a Operação Lava-Jato batesse à porta de Lula e instalasse o caos no Planalto — a aguerrido advogado-geral da União, esperança de governistas para salvar Dilma do impeachment.
Em sustentações orais, Cardozo fustigou o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, com menções a contas na Suíça, e buscou desconstruir as acusações contra Dilma. Seus gestos grandiloquentes e ironias sugeriam habilidades de orador inato. Longe disso. Aos 10 anos de idade, o paulistano Cardozo, filho único, começou a chorar ao ser sorteado para ser orador na escola. Foram precisos treino e aulas de teatro para que o menino, temeroso de falar em público, se convertesse em dono de retórica afiada. O desafio o conquistou a ponto de fazê-lo enveredar pela política estudantil e, nos anos 1980, engrossar as fileiras do PT, pelo qual se elegeria a vereador e deputado federal.
Cardozo, no entanto, nunca conquistou os corações e mentes de dirigentes petistas como José Dirceu ou Lula. A bandeira que defendia — da ética na política — era vista como pouco “sexy” e muita ingênua, por excluir noções marxistas do debate. Os críticos mais ferozes o classificavam como “udenista”, em referência ao partido conservador UDN. Para alguns petistas, a explicação para a proporção tomada pela Operação Lava-Jato se assenta em tais convicções de Cardozo. O ministro teria convencido a presidente de que o livre avanço da operação a beneficiaria diretamente, porque fortaleceria sua imagem de “faxineira” e “gerentona implacável”. O marqueteiro João Santana teria sido partidário da ideia, até que foi vitimado por ela. Outra ala argumenta que as operações atingiram o coração do PT graças à desorganização de Cardozo, incapaz de montar uma boa equipe ou de punir agentes com viés partidário.
— Sou republicano, não acredito que os fins justificam os meios — defende-se Cardozo, garantindo que não está magoado e tem boa relação com Lula.
Em 2010, ele planejava deixar a vida pública. Dilma não deixou. Considerada centralizadora, organizada, fã de apresentações em PowerPoint e irascível, ela não tinha traços de personalidade em comum com o bagunceiro, delegador, gentil e sedutor advogado. Ali, Cardozo entrou para o grupo dos leais escudeiros de Dilma, ao lado do assessor Giles Azevedo.
— Viajamos juntos o Brasil, e ela se divertia porque eu sempre tinha que comprar roupa, esquecia a mala. Perco os óculos todo dia, esqueço o carro. Tem gente que me acha louco — diverte-se.
Não raramente aparece em reuniões com meias de cores diferentes e sapatos despareados. Em comício em 2002, Cardozo sentiu mãos pequeninas em sua perna e, convencido de que se tratava de uma criança, pegou-a no colo. Chutes e socos depois, ele teve que colocar no chão a ofendida eleitora anã. Seu jeito “desligado” o colocou no meio de uma manifestação pró-impeachment na Avenida Paulista, meses atrás. Cardozo queria ir à livraria e não reparou na grande movimentação de pessoas de camisa amarela até que acabou xingado.
Ele se diz “confiante” com o resultado da votação no domingo. Completará, com três quilos a mais, 57 anos no dia seguinte, e afirma que “chegou a hora de cuidar da vida pessoal”. Quer advogar e terminar o doutorado na Universidade de Salamanca sobre “a crise de separação dos Poderes no século 21”. Ironicamente, o próximo capítulo da tese que escreverá é sobre impeachment.
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Fonte: O Globo