Um dia depois de a base governista derrubar a denúncia contra o presidente Michel Temer, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), determinou a criação de uma comissão especial para apreciar o projeto sobre abuso de autoridade. O projeto, que já foi aprovado pelo Senado e estava engavetado na Câmara há seis meses, é considerado uma tentativa de parte da classe política de reduzir poderes de procuradores e juízes da Lava-Jato e de outras operações de combate à corrupção. Pelo despacho do presidente da Câmara, o projeto tramitará em regime de prioridade. Ou seja, deverá ser apreciado e votado com celeridade.
A proposta original foi apresentada pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR). Para ele, seria uma forma de atualizar uma lei do período da ditadura e, ao mesmo tempo, coibir excessos de autoridades em investigações criminais. O alvo não declarado seriam supostos abusos que estariam sendo cometidos na Lava-Jato, especialmente em relação a prisões preventivas e conduções coercitivas, entre outras ações que teriam ampliado de forma substancial o impacto da operação.
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Ao ser informado na quinta-feira sobre a decisão de Maia, o presidente da Associação dos Juízes Federais (Ajufe), Roberto Veloso, voltou a manifestar preocupação sobre o assunto. Porta-voz dos juízes federais, Veloso tem criticado duramente o projeto desde o ano passado.
— O projeto de lei de abuso de autoridade não pode significar o revanchismo ou retaliação contra o trabalho de juízes. Se há necessidade de atualização da lei, isso não pode ser pretexto para a punição de juízes pelo trabalho deles — afirmou o presidente da Ajufe.
A comissão especial terá 34 integrantes a serem indicados pelos partidos. Rodrigo Maia deverá ler o despacho sobre a criação da comissão na primeira sessão da próxima semana. Procurada pelo GLOBO, Maia disse que decidiu criar a comissão especial a pedido de representante da Ajufe. A outra alternativa em jogo seria a votação direta no plenário. Com a criação da comissão, abre-se um novo debate sobre a questão.
Maia disse ainda que as novas regras, se aprovadas, não vão atrapalhar a Lava-Jato. Perguntado sobre o assunto, ele respondeu :
— O texto foi aprovado no Senado. Tenho a impressão que de forma nenhuma (vai atrapalhar a Lava-Jato) — disse o presidente da Câmara.
ARTIGO POLÊMICO TRATA DE PRISÃO PREVENTIVA
Em linhas gerais, o projeto “define os crimes de abuso de autoridade, cometidos por agente público, servidor ou não, que, no exercício de suas funções ou a pretexto de exercê-las, abuse do poder que lhe tenha sido atribuído”. Quando o assunto entrou em debate no Senado, o ex-procurador-geral Rodrigo Janot chegou a apresentar uma proposta alternativa ao projeto original de Requião. Mas várias sugestões não foram acolhidas.
Diante da forte reação de juízes, procuradores e de outros segmentos da sociedade, os senadores entenderam por bem excluir o artigo que previa punição para interpretações distorcidas da lei em decisões judiciais, o chamado crime de hermenêutica. Mas, ainda durante a sessão de aprovação, senadores alertaram sobre outros trechos do projeto que poderiam enfraquecer a atuação de procuradores e juízes e foram mantidos.
Um dos pontos mais problemáticos estaria no artigo 9º. “Decretar a prisão preventiva, busca e apreensão, ou outra medida de privação de liberdade, em manifesta desconformidade com as hipóteses legais”, diz o texto. A pena para este crime é de um a quatro anos de detenção e multa. Na época da votação, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) disse que o artigo implicaria, no fundo, no crime de hermenêutica. Ou seja, poderia representaria uma ameaça a atuação de toda a magistratura no país.
O projeto foi aprovado em abril, depois de intenso debate no plenário do Senado, e imediatamente enviado a Câmara. Desde então, a proposta estava parada na Mesa da Câmara. Na quinta-feira, Maia assinou despacho para criar a comissão especial e acelerar a deliberação final sobre o assunto.
O projeto sobre abuso de autoridade foi aprovado pelo Senado na esteira da homologação do acordo de delação premiada de 77 executivos da Odebrecht. Maior acordo de colaboração desde o início da Lava-Jato, a delação dos executivos da empreiteira atingiu a reputação dos líderes dos principais partidos do país. As restrições previstas na lei seriam uma tentativa de reduzir poderes dos investigadores e, com isso, conter o avanço das investigações.
TÁTICA PARA REBATER ACUSAÇÕES
Juizes e procuradores estão preocupados com o projeto porque as mais acirradas disputas em processos judiciais, sobretudo na Lava-Jato, ocorrem em torno de decisões sobre prisões, conduções coercitivas e buscas. Muitas vezes em dificuldades para rebater o conteúdo das acusações, advogados usam como tática atacar aspectos formais do processo.
Hoje essas discussões são breves e quase não tem repercussão sobre os processos ou mesmo sobre o comportamento das autoridades. Mas, com a previsão de punição para decisões “em desacordo com a lei”, o risco de inversão de papéis entre investigadores e investigados se torna mais evidente.
Fonte: O Globo
Créditos: Jailton de Carvalho