Na mais importante ofensiva contra a corrupção no Rio de Janeiro desde a prisão do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB), em novembro do ano passado, a Procuradoria Regional da República da 2ª Região (PRR-2), em parceria com a Polícia Federal (PF), desencadeou na manhã desta terça-feira a operação “Cadeia Velha”. A PF está nas ruas para cumprir mandados de prisão contra Felipe Picciani, filho do presidente da Alerj, deputado Jorge Picciani, e também gerente da Agrobilara, a empresa que conduz os negócios da família. Há ainda mandados de busca e apreensão nos gabinetes da presidência da Alerj e de Picciani, e dos deputados Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB. Os procuradores também pediram a prisão dos parlamentares, que serão conduzidos coercitivamente a depor neste primeiro momento.
Os mandados de prisão se estendem ainda a Jorge Luiz Ribeiro, braço direito do presidente da Alerj; Andréia Cardoso do Nascimento, chefe de gabinete do deputado Paulo Melo; e do irmão dela, Fábio, também assessor de Melo. E também contra empresários ligados a Fetranspor, Lélis Teixeira, José Carlos Lavouras e Jacob Barata Filho.
Jorge Picciani, Melo e Albertassi só não serão presos neste momento porque a Constituição estadual, no Artigo 120, estabelece como única possibilidade de prisão provisória o flagrante de crime inafiançável, à exceção de casos com licença prévia da Alerj. Mas as três prisões não estão descartadas. No mesmo instante em que a operação ocorre, os procuradores regionais da República responsáveis vão pedir ao Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), fórum competente para o caso, que considere flagrantes os crimes atribuídos a Picciani, Melo e Albertassi.
O presidente da Alerj, Jorge Picciani, e o ex-vice-presidente da Casa, deputado Paulo Melo, ambos do PMDB – Divulgação/Alerj
A PRR-2 vai pedir as prisões preventivas e em flagrante dos parlamentares. No mesmo pedido enviado ao TRF-2 foi solicitado também o afastamento imediato dos alvos de suas funções políticas na Assembleia.
Os procuradores sustentam que o flagrante existe porque o trio de parlamentares comete até hoje crime continuado de lavagem de dinheiro, já que o esquema não cessou, de acordo com a investigação. Este pedido será submetido pelo relator do caso, desembargador Abel Gomes, ao colegiado da Seção Criminal do TRF-2, formada pelos seis desembargadores das turmas de Direito Penal, em sessão especial provavelmente nesta quinta-feira.
Jorge Picciani e Felipe Picciani – Divulgação/Grupo Monte Verde
Deputados estaduais, empresários e intermediários são acusados de manter uma caixinha de propina destinada à compra de decisões na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) para o setor de transportes. O esquema, concluíram os investigadores, teria começado nos anos 1990, por Cabral, e hoje seria comandado pelo presidente da Casa, deputado Jorge Picciani, por seu antecessor, deputado Paulo Melo, e pelo líder do governo Edson Albertassi, caciques do PMDB fluminense.
Jacob Barata Filho deixa o presídio de Benfica, no Rio de Janeiro – Ana Branco/Agência O Globo/19-08-2017
Estão ainda na lista de presos os principais nomes da cúpula da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio (Fetranspor), Lélis Teixeira (presidente), José Carlos Lavouras e Jacob Barata Filho, todos alvos da primeira fase da Operação “Ponto Final”, deflagrada em julho, e que haviam sido libertados por liminar do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Alvos de condução coercitiva:
Os deputados Jorge Picciani, presidente da Alerj, Paulo Melo e Edson Albertassi, todos do PMDB.
Alvos de prisão temporária:
Felipe Picciani, Ana Cláudia Jaccoub, Márcia Rocha Schalcher de Almeida e Fábio Cardoso Nascimento
Alvos de prisão preventiva:
Jorge Luiz Ribeiro, Carlos Cesar da Costa Pereira, Andreia Cardosso do Nascimento, Lélis Teixeira, Jacob Barata Filho e José Carlos Lavouras.
CAIXINHA E E-EMAILS INTERCEPTADOS
As principais provas contra Picciani, Melo e Albertassi foram extraídas das delações premiadas do doleiro Álvaro José Novis, dono da corretora Hoya, do empresário Marcelo Traça Gonçalves, ex-presidente do Sindicato das Empresas de Transporte Rodoviários do Estado do Rio (Setrerj), cujo depoimento foi homologado pelo desembargador Abel Gomes, e do ex-presidente do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Jonas Lopes de Carvalho. Os investigadores se valeram também da colaboração de um dos funcionários de Novis na Hoya, Edimar Moreira Dantas, que auxiliou e detalhou à força-tarefa a identificação de pagamentos por meio de planilhas do esquema.
As investigações mostraram e detalharam o funcionamento da “caixinha da Fetranspor”, como ficou conhecido o esquema de propina bancado pelos empresários de ônibus. Os pagamentos efetuados pelo sistema Fetranspor serviam para garantir benefícios relacionados a linhas de ônibus, aumento de tarifas, isenções fiscais e outros interesses do setor que passavam pela Alerj, sustentam os investigadores.
Cerca de 8 mil e-mails interceptados nas quebras de sigilos telemáticos dos envolvidos ajudaram a revelar a rede de relações entre empresários, parlamentares e assessores, incluindo até nomeações de juízes.
A “caixinha da Fetranspor”, como demonstraram as investigações, começou no início dos anos 1990, com a Alerj sob o comando de Cabral, sendo herdada por seus dois sucessores, Picciani (2003-2010 e 2015 em diante) e Melo (2011-2015).
Dois argumentos serviram de base para estabelecer a competência originária do TRF-2 no caso: a existência de um banco paralelo patrocinado pela Fetranspor em transportadora de valores, por onde circulou a propina da Alerj, crime previsto na Lei nº 7.492 (define os crimes contra o sistema financeiro nacional) e a tese de que há uma organização criminosa abrigada dentro do PMDB fluminense, tese de várias outras operações e desdobramentos da Lava-Jato no Rio.
O nome da operação desta terça-feira, “Cadeia Velha”, é referência ao prédio que dá lugar ao Palácio Tiradentes. Construído nos idos da década de 1630 para ser um parlamento imperial, a construção possuía em seu piso inferior um lugar batizado popularmente de “Cadeia Velha”, para onde eram mandados criminosos, prostitutas e escravos que se rebelavam contra as leis da Coroa.
INDICAÇÃO DE ALBERTASSI VIRA POLÊMICA
A indicação do deputado estadual Edson Albertassi (PMDB) para a vaga de conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ) está no centro da polêmica. Líder do governo, o parlamentar foi apontado pelo governador Luiz Fernando Pezão para ocupar a cadeira deixada pelo delator Jonas Lopes, ex-presidente do tribunal, agora aposentado.
O procurador-geral do Estado, Leonardo Espíndola, foi demitido por Pezão após se recusar a preparar a defesa do governador contra a ação popular movida ação popular movida pelos deputados estaduais Marcelo Freixo e Eliomar Coelho — ambos do PSOL. A ação sustou o processo de nomeação de Albertassi para a vaga. A exoneração do chefe dos procuradores fluminenses será publicada no Diário Oficial desta terça-feira.
A polêmica surgiu depois que três conselheiros substitutos — os auditores Rodrigo Melo do Nascimento, Marcelo Verdini Maia e Andrea Siqueira Martins — que, inicialmente, integravam uma lista tríplice para a vaga de Jonas renunciaram conjuntamente à candidatura. Autor da ação popular, o deputado Marcelo Freixo classificou a decisão da renúncia como “misteriosa”.
Em nota divulgada somente dois dias depois, explicaram, entre outros argumentos, que não havia insegurança quanto à aprovação de um dos seus nomes pela Assembleia. Esta lista tinha sido enviada em setembro, ao governador Pezão, pela presidente interina do TCE, Marianna Montebello.
A indicação aconteceu na última terça-feira, dia 7, depois que os três conselheiros-substitutos desistiram de concorrer ao posto. Na quinta-feira, o escolhido pelo governador foi sabatinado e aprovado por uma comissão da Alerj. Na sabatina, o deputado disse que vai “purificar” a cadeira do TCE.
No mesmo dia da sabatina, os deputados do PSOL protocolaram a ação na qual pediam que a indicação de Albertassi fosse sustada e requeriam a formação de uma nova lista tríplice composta “exclusivamente” por auditores do TCE ou por membros do MP junto ao Tribunal.
Na sexta-feira, o Ministério Público do estado (MP-RJ) emitiu parecer favorável à ação popular. No entanto, o Marcello Alvarenga Leite, da 9ª Vara da Fazenda Pública do Rio, negou o pedido. Os deputados recorreram. Nesta segunda-feira, a indicação de Albertassi foi suspensa em caráter liminar.
Como funcionava a “caixinha da Fetranspor”
Esquema de propinas pagas por empresários de empresas de ônibus do Estado do Rio de Janeiro corrompeu deputados estaduais durante quase três décadas.
Fonte: O Globo
Créditos: O Globo