A primeira coisa é que, numa democracia, nós somos os grandes provedores da política, isto é, os que lá estão não aparecem porque tomaram o poder, isso seria uma ditadura. Nós os colocamos. O que significa que, de um determinado modo, nossas boas escolhas para a gestão pública da atividade política é decisiva. Em segundo lugar, a incapacidade que algumas pessoas têm, às vezes, de supor que a política não acontece somente na época das eleições.
Ela exige que eu continue acompanhando no meu dia a dia aquilo que é feito pelas pessoas que me representam. E, terceiro, é que as pessoas de bem se candidatem também para os cargos. Se a gente diz que a política está muito vinculada ao desvio, ao ‘entornar o caldo’, é preciso quem não queira fazê-los, isto é, gente que não quer ser desonesto, que ela decida também participar da política.
O poder corrompe obrigatoriamente?
Ela [a corrupção] é uma possibilidade. Ela é uma possibilidade. Mas ela não é uma obrigatoriedade. Eu insisto sempre: a corrupção nunca será extinta da vida humana porque nós somos livres para o malefício e para o benefício. Isso significa que posso, sim, ter a situação, mas não sou obrigado a ter. Você tem mecanismos judiciais que bloqueiam isso, uma sociedade que acompanha e recusa a corrupção do dia a dia. Porque quando eu encontro um grande movimento é porque ele acontece no dia a dia e no momento em que a pessoa se relaciona com o poder público. Quando essa pessoa está na frente do agente de trânsito, quando ela quer oferecer e facilitar. Essas são coisas que, pouco a pouco, vai minando nossa condição.
Todo político é corrupto porque também a sociedade é corrupta?
Não concordo. Eu acho que, por exemplo, eu costumo dizer, e vou insistir: 95% dos brasileiros acordam todos os dias em vários estados do País e vão trabalhar. Levantam de madrugada, pegam ônibus, cavalos, bicicletas, moto e vão. 5% são canalhas. Esses 5% de canalhas conseguiram duas coisas perigosíssimas. Primeira, dizer aos 95% que não são canalhas que não sê-lo é uma forma de ser tonto e otário. Segunda, que eles, os 5%, são invencíveis. Aí, duas mentiras. Primeira: Não é correto ser canalha. Segunda: que os 5%não são invencíveis.
Nós temos hoje, no País, um processo de limpeza dolorido, complicado, nos dá raiva em vários momentos, mas ele é necessário. A palavra crise tem origem numa palavra do sânscrito que é purificar, pu-ri-fi-ca-cão. Por isso cria. Tem pessoa que no exercício de ioga se cria. O que é purificar? É você se separar. A febre, por exemplo, é uma forma de purificação.
A gente pode ter uma realidade diferente daqui em diante?
A gente precisa ter. Se a gente perder essa ocasião, se nós perdermos essa ocasião… Nós não podemos perder essa chance no País porque a democracia não quebra a nação. Nós não temos uma política hoje em que a gente fica desgovernado. Ao contrário, a gente tem uma rota, ela (a democracia) está seguindo com algumas tribulações. Mas nós temos capacidade hoje de fazer um País que possa ser melhor. O que a gente não pode é achar “O que eu posso fazer?”. Qual é a frase mais perigosa num país como o nosso?: “Que horror, alguém tem que fazer alguma coisa”.
E a gente não faz nada?
Pois é, como se fosse o lado certo. Por isso vivemos um momento especial. É difícil, é duro, muito complicado, mas ele é algo que nós nunca tivemos na história. Nós não podemos perder a ocasião.
Precisamos ter uma boa conduta moral para cobrar dos outros?
Claro. Mas a ideia de que o outro não está fazendo o que deve fazer não significa que eu adiro, ou seja, acato a lógica de que “eu faço, todo mundo faz”. Isso é absolutamente perigoso. Afinal de contas, como diz o Corpo de Bombeiros: nenhum incêndio começa grande. Todo incêndio começa com uma faísca, com uma fagulha. Quando a gente tem, assim, esse tipo de apodrecimento nos modos de convivência, tem a ver comigo. O que significa, acima de tudo, que eu preciso participar da vida coletiva de um modo que seja decente. “Ah, mas o outro não faz…”.
Lamento. A frase é clássica mas eu sou caipira; sou de Londrina. E o caipira costuma dizer que é ‘pobre, mas é limpinho’. A ideia de ser pobre e limpinho é uma coisa que é decisiva numa circunstância como essa. O que não pode é ser cínico. O cínico é aquele que finge que é honesto. Mas é só da boca pra fora. Isso aí, como diz um personagem da TV, é nojento.
Rui Barbosa disse que ‘chegará o dia em que o homem teria vergonha de ser honesto’. Vale desistir de tentar mudar o mundo?
Jamais. Jamais. Nós somos marcados, nós humanos, pela capacidade da esperança, isto é, esperança do verbo ‘esperançar’. Tem gente que tem esperança do verbo esperar. Esperança do verbo esperar não é esperança, é espera. “Ah, eu espero que dê certo, eu espero que aconteça. Eu espero que resolva. Isso, repito, não é esperança, é esperar. Esperança é ir atrás, é se juntar, é não desistir. Afinal, as pessoas olham e diz assim: “Ah, se ficar o bicho come, se correr o bicho pega”. Falta a terceira parte, é essa que decide. Se ficar o bicho come, se correr o bicho pega, mas SE JUNTAR O BICHO FOGE. E é isso que é decisivo.
Entrevista com o professor Mário Sérgio Cortella. Repórteres: Handerson Pancieri e Suelen Reis. TV Anhanguera, Goiânia-GO. Fonte: Programa Bom Dia Goiás – Quadro – Bom Dia Responde, TV Anhanguera, Goiânia-GO, entrevista concedida em 22 de setembro de 2015.
Fonte: Portal Raízes