O que o governo do general egípcio Al-Sisi fez com o chanceler brasileiro Aloysio Nunes Ferreira foi uma molecagem. Cancelou a visita oficial de quatro dias que ele faria ao país a partir de amanhã. O convite partiu dos egípcios e 20 empresários brasileiros já estavam no Cairo. Nunes Ferreira foi atingido por uma bala perdida do tiroteio trumpesco em que se meteu o candidato Jair Bolsonaro. Foi molecagem dos egípcios porque ele não é ministro do governo do presidente eleito, mas de Michel Temer, um descendente de sírios.
Bolsonaro poderia ser Donald Trump, mas parece-se com o filipino Rodrigo Duterte, outro governante pitoresco e agressivo. Ambos têm um lado folclórico, mas Trump sabe que não pode mexer com as instituições. A decisão do candidato de levar a Embaixada do Brasil para Jerusalém é uma simples imitação do que fez o presidente americano. Não atende à essência das relações com Israel e prejudica os interesses nacionais com uma parte do mundo árabe.
Não foi o primeiro caso. A retórica antichinesa do candidato ricocheteou. O discurso antiambientalista que contaminou sua campanha a partir de queixas do setor agropaleolítico vem sendo discretamente moderado. Isso não acontece porque Bolsonaro decidiu agradar a turma das ONGs, mas porque ouviu os grandes exportadores, que não querem tisnar suas marcas nos mercados consumidores. Diplomacia e comércio exterior funcionam direito quando trabalham em silêncio. O governo de Michel Temer começou dando caneladas, mas aquietou-se. Em silêncio, poderá conseguir o fim do embargo russo às importações de carne.
Bolsonaro prometeu extraditar o asilado Cesare Battisti. Depois de receber o embaixador italiano, o presidente eleito reconheceu o óbvio: é preciso esperar a palavra do Supremo Tribunal Federal. Até lá, pode-se apenas lembrar que nos anos 60 viveu no Brasil como exilado o ex-primeiro ministro francês Georges Bidault, um dos chefes civis da organização terrorista OAS. Foi recebido no governo João Goulart e morou em Campinas durante o governo do marechal Castello Branco.
Mesmo lidando com seus futuros ministros, Bolsonaro comete lapsos de sinceridade. Deu carta branca a Sergio Moro. Tudo bem, sabe-se que as cartas brancas são aquelas em que há mais texto, mas quando ele diz que “naquilo que nós somos antagônicos, vamos buscar o meio-termo, sou favorável à posse de arma; se a ideia dele for o contrário, tem que chegar a um meio-termo”. Só o tempo dirá onde se situa o meio-termo de Moro. Uma coisa é certa, se um advogado sugere um meio-termo a um juiz, arrisca receber ordem de prisão.
Referindo-se ao plano de reforma da Previdência do superministro Paulo Guedes, o presidente eleito disse que “não está batido o martelo”. Perfeito, mas prosseguiu: “Tenho desconfiança, sou obrigado a desconfiar para buscar uma maneira de apresentar o projeto.” Ao explicar, Bolsonaro mostrou que desconfia confiando. Inverteu o lema do marechal Floriano Peixoto de “confiar desconfiando”. Ele dera carta branca ao Barão do Rio Branco, mas mandara vigiá-lo em Nova York, para saber se estava metido em conspirações monarquistas. (Não estava e nunca soube da vigilância.)
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo