A cartilha distribuída pelo presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), nesta quinta-feira (27) a seus ministros inclui procedimentos que ele mesmo não seguiu ao longo de sua carreira pública.
Entre outros temas, o manual apresenta normas sobre a concessão de auxílio-moradia e nepotismo, com indicações diferentes daquelas que ele seguiu durante mais de 20 anos como deputado federal.
Sobre o auxílio, o documento explica que receberão ajuda aqueles que não tiverem apartamento próprio na cidade em que atuarão.
Como mostrou a Folha em janeiro, Bolsonaro recebeu verba da Câmara desde outubro de 1995, ininterruptamente até o primeiro semestre deste ano.
“O auxílio moradia pode ser concedido (…) quando não existir imóvel funcional disponível para uso pelo servidor; o servidor ou seu cônjuge não ser proprietário de imóvel na cidade onde for exercer o cargo; o cônjuge não ocupar imóvel funcional e existência de disponibilidade orçamentária”, consta no manual, que cita legislações que foram utilizadas como referência.
Lei federal que trata de ajuda para moradias a ministros veda o recebimento de benefício por aqueles que têm imóvel próprio na capital federal.
Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente eleito, também recebeu o benefício da Câmara. Ao todo, pai e filho embolsaram até dezembro do ano passado R$ 730 mil, já descontado Imposto de Renda.
O futuro ministro da Justiça, Sergio Moro, também recebeu durante anos o benefício como juiz federal, mesmo tendo apartamento próprio na cidade em que trabalhava, Curitiba (PR).
Sobre nepotismo, a cartilha explica que é vedada a contratação ou nomeação de familiares.
Até a prática ter sido vedada de forma mais clara pelo Supremo Tribunal Federal, em 2008, Bolsonaro empregou em seus gabinetes vários familiares.
Entre outras pessoas, ele empregou por um ano e dois meses a atual mulher, Michelle, em seu próprio gabinete na Câmara. No período, ela ainda foi promovida, como mostrou a Folha. A contratação e a promoção fizeram Michelle ter seu salário quase triplicado em relação à atividade anterior, na liderança do PP, então partido de Bolsonaro.
Nas ocasiões em que se manifestou sobre esses temas, Bolsonaro sempre defendeu o recebimento do auxílio e a contratação de parentes até a súmula antinepotismo do STF.
Em ambos os casos, as práticas eram permitidas, na época, pelas regras do legislativo.
No documento em que detalha uma agenda para os primeiros 100 dias de governo, a equipe de transição dedica um capítulo a questões éticas. Em quatro páginas, resume o que pode e o que não pode ser feito na administração pública, com base em leis e regulamentos que já estão em vigor.
A espécie de manual para recém-iniciados na gestão pública é assinada pelo futuro chefe da Casa Civil, deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), investigado pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por recebimento de caixa dois eleitoral em 2012 e 2014.
O documento afirma ser proibido às autoridades públicas receber presentes de pessoa, empresa ou entidade que tenha interesse em decisão delas próprias ou dos órgãos aos quais estejam vinculadas. Há poucas exceções, como quando o regalo vem de autoridade estrangeira ou de parente ou amigo (se ele próprio arcar com os custos). Os brindes não podem custar mais de R$ 100.
Outro trecho detalha, com base num decreto e numa lei, sete situações de conflito de interesse. Esclarece, por exemplo, que detentor de cargo federal não pode divulgar ou usar informação privilegiada, em proveito próprio ou de terceiro, “obtida em razão das atividades” que exerce.
Os novos administradores do país são orientados a conhecer os programas de integridade (prevenção e combate à corrupção) dos órgãos públicos.
No trecho dedicado ao nepotismo, o manual informa ser vedada não só a contratação de parentes até o terceiro grau na administração pública, mas de empresas por eles controladas. Essa restrição se aplica aos casos de contratação direta, ou seja, sem licitação, quando o servidor público atua na área responsável pela demanda do serviço ou material.
Há ainda um beabá sobre o que, por lei, configura improbidade administrativa, como atos de causam lesão ao patrimônio público, resultam em enriquecimento ilícito e concedem benefícios financeiros e tributários indevidos.
Nomeado por Bolsonaro para chefiar o Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles foi condenado há alguns dias por esse delito e teve os direitos políticos suspensos por três anos. Ao avaliar ação ajuizada pelo Ministério Público, a Justiça de São Paulo entendeu que ele fraudou o processo do Plano de Manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, em 2016, quando chefiava a pasta ambiental no governo Geraldo Alckmin (PSDB).
Salles nega irregularidade e informa que recorrerá da decisão. Sobre a condenação, o futuro chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Gustavo Bebianno, disse que o governo não abrirá espaço para fichas sujas, mas que, apesar da sentença, não vê o futuro ministro do Meio Ambiente nessa situação.
O manual de condutas éticas também detalha como devem ser usados recursos públicos, como o saldo de cartões corporativos, diárias e passagens, além de voos da FAB (Força Aérea Brasileira). Neste último caso, explica que os aviões podem ser requisitados exclusivamente por motivo de segurança e emergência médica, além de demandas de trabalho.
Desde 2015, após um decreto editado pela então presidente Dilma Rousseff, não é mais permitido às autoridades solicitá-los para viajar ao local de domicílio. Eram comuns os deslocamentos de ministros para casa, aos fins de semana.
Fonte: Folha de S. Paulo
Créditos: Folha de S. Paulo