Uma polêmica lei que bane a possibilidade de fazer aborto se o coração do feto puder ser detectado está provocando reações nos Estados Unidos e protestos inusitados.
A atriz de Hollywood e ativista do #MeToo Alyssa Milano convocou mulheres a participarem de uma “greve de sexo” contra essa nova legislação do Estado da Geórgia, no sudeste dos EUA.
“Até que as mulheres possam ter controle total sobre os próprios corpos, não podemos arriscar uma gravidez”, ela tuitou.
“Junte-se a mim em não fazer sexo até que recuperemos a autonomia sobre nossos corpos.”
A mensagem, publicada no sábado (11) no Twitter, se espalhou rapidamente e dividiu opiniões, levando a hashtag #SexStrike (Greve de sexo, em tradução livre) a ser uma das mais replicadas na rede social dos Estados Unidos nas últimas 24 horas.
A lei apelidada de “heartbeat”, ou lei dos “batimentos cardíacos”, foi sancionada pelo governador da Géorgia, Brian Kemp, no dia 7 de maio, e entrará em vigor em 1° de janeiro.
O QUE DIZ A LEI E POR QUE ELA É TÃO CONTROVERSA?
A lei bane a possibilidade de fazer aborto a partir do momento em que os batimentos cardíacos do feto puderem ser detectados, o que ocorre por volta da sexta semana de gestação.
O problema é que as muitas mulheres não sabem ainda que estão grávidas na sexta semana. Os enjoos comuns no início da gestação começam a partir da nona semana.
A nova lei estabelece exceções para gravidez resultante de estupro, incesto e para salvar a vida da mãe. Grávidas de bebês com poucas chances de sobrevivência devido a problemas de saúde também poderão abortar.
Ouros Estados americanos também aprovaram nos últimos meses leis que restringem o direito à interrupção da gravidez nos EUA, mas muitas delas foram derrubadas pelo Judiciário ou vetadas pelo governador.
Em Kentucky, um juiz federal suspendeu uma lei que, na prática, obrigaria a única clínica de aborto legal do Estado a fechar as portas.
Já o Legislativo de Mississippi aprovou uma legislação que impede a interrupção da gestação a partir da sexta semana e que entrará em vigor em julho, se não for derrubada judicialmente.
Participaram dessa iniciativa a própria Alyssa Milano, e atores como Alec Baldwin, Amy Schumer, Christina Applegate e Sean Penn.
“Queremos continuar na Geórgia, mas nós não faremos isso de forma silenciosa e faremos tudo que estiver em nosso alcance para transferir a indústria de cinema para um Estado mais seguro para as mulheres, se essa lei for aprovada”, dizia a carta assinada pelos artistas.
Outros atores, depois, manifestaram apoio ao boicote, assim como diretores de empresas independentes de cinema.
No entanto, parte da classe artística e de produção cinematográfica não aderiu ao movimento e aguarda para ver se a lei será derrubada antes de entrar em vigor.
Chris Ortman, prota-voz da Motion Picture Association, divulgou um comunicado dizendo que a companhia vai “monitorar os acontecimentos”.
“A produção de filme e televisão na Geórgia mantém 92 mil empregos e traz benefícios econômicos importantes para comunidades e famílias”, disse.
“É importante lembrar que outros estados tentaram implementar legislações semelhantes que foram suspensas por tribunais ou que estão sendo questionadas na Justiça. O desenrolar dos acontecimentos na Géorgia também vai ser determinado por processo judicial.”
Por sua vez, alguns moradores da Géorgia defendem apoiar os esforços para derrubar a lei, em vez de protestar na forma de boicotes à economia do Estado.
“E a classe trabalhadora que será impactada nas comunidades rurais do Estado? O que o boicote da indústria cinematográfica vai fazer por eles?”, questionou a ativista e poeta Aurielle Marie, numa postagem no Twitter.
O governo da Géorgia disse que a indústria de produção televisiva e de cinema trouxe US$ 2,7 bilhões ao Estado em 2018. Os filmes Pantera Negra e Jogos Vorazes, por exemplo, foram filmados lá, assim como as séries “Stranger Things” e “Walking Dead”.
Segundo ativistas pelos direitos das mulheres, essas legislações seriam inconstitucionais já que a Suprema Corte dos EUA reconheceu o direito ao aborto até o ponto de viabilidade fetal (a partir do qual o feto pode sobreviver fora do útero), que varia, mas ocorre geralmente em torno de 24 semanas de gestação.
Mas defensores do fim da legalização do aborto dizem que um dos objetivos dessas leis estaduais é exatamente provocar ações na Justiça, na esperança de que um dos casos sobre aborto chegue à Suprema Corte e que a maioria conservadora no tribunal decida reverter a decisão de 1973, no caso Roe vs. Wade, que legalizou a prática no país.
“Todas essas legislações são claramente inconstitucionais. A estratégia é litigar uma delas até a Suprema Corte”, diz à BBC News Brasil a advogada responsável pelas políticas estaduais da organização de defesa do direito ao aborto Center for Reproductive Rights, Elisabeth Smith.
A GREVE DO SEXO DEVE “PEGAR’?
Pouco depois de Milano propor a greve de sexo como forma de protesto, a mensagem já havia recebido 35 mil curtidas e sido retuitada 12 mil vezes.
Mas também houve reações contrárias tanto de quem apoia a lei dos “batimentos cardíacos” quanto de feministas, para quem a greve de sexo propaga a ideia de que as mulheres só têm relações sexuais para agradar aos homens.
“Eu aprecio a intenção, mas uma greve de sexo é uma ideia sexista ruim”, escreveu uma pessoa, no Twitter. “É como se a gente garantisse sexo a quem merecesse. Isso é negar o prazer das mulheres.”
“Abstinência em prol de um ganho é a antítese de um mundo empoderado sexualmente”, escreveu outra pessoa no Twitter.
Em sua defesa, Milano depois tuitou um artigo sobre como greves de sexo podem ser eficazes- o que gerou ainda mais críticas na internet.
BOICOTE DA INDÚSTRIA DO CINEMA
A greve de sexo não foi a única iniciativa de artistas em protesto contra a nova legislação da Geórgia. Durante a discussão da lei, 50 atores propuseram um boicote à produção cinematográfica e televisiva no Estado.
Fonte: Folha de S.Paulo
Créditos: Folha de S.Paulo