“Ele [Bolsonaro] pode, nos primeiros momentos, depois dessas manifestações, piorar o seu comportamento porque pode pensar que agora ele tem o aval das massas para realizar o seu programa e aí a situação institucional do país pode piorar muito mais”, afirma Roberto Romano, professor de ética e filosofia da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Para o cientista político Cláudio Couto, professor do Departamento de Gestão Pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas), os sinais de aprovação do presidente aos atos de ontem não resultarão em apoio do Congresso a propostas governistas.
“Interpretaria esses gestos como uma tentativa de obter apoio na base da pressão, de forçar o Congresso a se curvar às suas posições. Isso não vai melhorar a relação dele com o Congresso, onde ele precisa aprovar uma agenda. Muito pelo contrário. Não vai melhorar a relação dele com o Supremo Tribunal Federal, onde ele pode ter suas políticas questionadas. Então, ele acaba jogando mais lenha na fogueira”, avalia.
“A reforma da Previdência tem chance real de ser aprovada porque se produziu no Legislativo um consenso e porque o Rodrigo Maia tem dado mostras reiteradas de que considera importante aprovar. Isso não significa dar apoio ao conjunto da agenda do governo. Acho difícil que o resto da agenda governamental avance da mesma forma”, comenta Couto. “Não creio que a ida dos manifestantes à rua apoiando, por exemplo, o pacote do [ministro Sergio] Moro vá fazer com que o Congresso vote agora a favor do pacote.”
Governo sem projeto
Na opinião de Carlos Sávio Teixeira, professor do departamento de Ciência Política da UFF (Universidade Federal Fluminense), a origem das dificuldades é o próprio Bolsonaro, que não teria um projeto mais amplo de governo.
“É um equívoco atribuir as dificuldades do governo Bolsonaro ao STF e ao Congresso. Eu atribuiria à falta de projeto do governo. O STF e o Congresso podem até vir a ser obstáculos a um projeto Bolsonaro, quando e se houver um. Mas por enquanto não. A manifestação de hoje é só mais um capítulo dentro dessa relação ruim, cuja fonte é o Bolsonaro. Ele quer um tipo de relação diferente com o Centrão e o Congresso, mas não sabe como, não propõe como e fica hostilizando o Congresso e o Centrão”, analisa.
“O governo não tem uma orientação básica sobre o que fazer. Então, fica nessa guerra permanente com as instituições. Isso é muito ruim, inclusive para o governo. Não por outras razões o governo vem perdendo apoio junto à população e seu eleitorado”.
No mesmo sentido, o professor Romano, da Unicamp, afirma que a falta de iniciativas mais consistentes para combater problemas do país pode gerar uma insatisfação maior contra o governo. “Se não vêm logo medidas contra o desemprego, medidas que favoreçam a educação, evidentemente que o mal-estar vai continuar e aumentar.”
Radicalização e namoro com o abismo
Para os três analistas, as manifestações de ontem foram dominadas pelos apoiadores mais radicais de Bolsonaro, sendo que parte deste grupo defende soluções autoritárias como o fechamento do Congresso e do STF.
Romano frisa que medidas deste tipo representariam a instauração de uma ditadura. Para ele, Bolsonaro ainda não expressou com veemência seu repúdio a estas ideias. “Quando [ele] chama as massas para se manifestarem, ele sabia perfeitamente que seria veiculado esse tipo de palavra e ordem. Estamos namorando com o abismo. Isso não é bom para ninguém. Seria a hora de até mesmo os militares, que têm demonstrado o maior bom senso e uma prudência maior dentro do governo, lembrarem ao presidente que ele é presidente de todos os brasileiros e que ele não pode brincar com as instituições, brincar de colocar gasolina perto do fogo”.
Teixeira classifica como evidente a insatisfação dos brasileiros com as instituições e a política, mas adverte que a solução desejada pela extrema-direita não é aceitável. “O traço característico dessa direita mais radicalizada é propor a extinção [do Congresso], e não a reconstrução da relação entre o Executivo e o Legislativo. Mudar a forma é absolutamente legítimo, agora querer fechar o Congresso é ilegítimo e absurdo. A pauta da manifestação tem essa confusão congênita. E isso é muito ruim para a democracia e para quem quer legitimamente mudar a política brasileira”, argumenta.
“Há uma grande insatisfação na base da sociedade brasileira, nos vários grupos e classes. Tem pouca gente satisfeita no Brasil hoje. Agora a resposta que Bolsonaro vem dando e esse grupo mais próximo a ele é absolutamente equivocada. A maioria dos eleitores não apoia um golpe de Estado, não apoia soluções autoritárias para os problemas que essa maioria identifica na política e na sociedade brasileira”, diz o professor da UFF.
Fonte: UOL
Créditos: UOL