Em clima cada vez mais acirrado desde as eleições de 2018, relação entre Ciro Gomes (PDT) e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) teve um dos momentos mais críticos no início de outubro, quando o pedetista participou de atos contra o governo Jair Bolsonaro convocados por movimentos e partidos de esquerda na Avenida Paulista, em São Paulo.
Após discursar em um carro de som e criticar fascismos “vermelho” e “verde-amarelo”, Ciro foi alvo de vaias e até de uma tentativa de agressão por parte de um grupo de militantes. Foi logo após o episódio, exemplo simbólico da atual dificuldade de união entre a oposição de Bolsonaro, que o pedetista resolveu dar um passo atrás e erguer “bandeira branca”.
“Nós estamos propondo uma amplíssima trégua de Natal. Não tem nas guerras por aí afora, onde se faz até dois dias de trégua? Pois quando o assunto for Bolsonaro e impeachment, a gente deve esquecer tudo e convergir para esse consenso, que já não é fácil”, disse o ex-ministro, em coletiva de imprensa realizada um dia depois do protesto em São Paulo.
Depois, o próprio pedetista resumiu a questão nas redes sociais: “Mantemos aceso o debate e divergências, mas no âmbito do movimento só temos um antagonista, Bolsonaro, e uma meta, o impeachment”. Proposta por Ciro e reforçada por aliados, a “trégua” entre PT e PDT, no entanto, continua minimizada ou sendo vista com desconfiança entre petistas.
“Essa trégua tem que selar uma paz definitiva. É muito chato você ver uma pessoa que estava com você até outro dia no governo de agredir. Eu fui ministro com Ciro”, disse, em entrevista ao UOL, o candidato do PT à Presidência em 2018, Fernando Haddad. “O Ciro Gomes vem agredindo verbalmente a mim, a presidenta (nacional do PT) Gleisi (Hoffmann, deputada federal) e ao presidente Lula há três anos, e você nunca ouviu da minha parte uma menção desabonadora à figura dele”, destaca, em tom adotado por outros petistas.
“Ciro propõe trégua? Tudo bem, mas do PT observamos que ele briga sozinho contra a gente. Ninguém da direção ou representação parlamentar diz qualquer coisa a Ciro faz tempo”, disse a deputada Maria do Rosário (PT-RS). Presidente nacional do partido, a deputada Gleisi Hoffmann (PR) corrobora: “O PT está em trégua há muito tempo”.
CIRO foi alvo de agressões e hostilidades após discurso na Paulista(Foto: Reprodução/Twitter)
Foto: Reprodução/Twitter CIRO foi alvo de agressões e hostilidades após discurso na Paulista
A linha mais comum entre petistas sobre a trégua, no entanto, segue sendo a que questiona até quando durará a “paz” proposta por Ciro. Na última quinta-feira, 7, quatro dias após propor cessar-fogo, o próprio Ciro divulgou nas redes vídeo crítico a Lula, comparando o ex-presidente petista com Jair Bolsonaro (sem partido). As imagens, que convocam eleitores a dizer “não a um e ao outro”, foram compartilhadas por diversos deputados petistas.
“Cada uma hora tu diz uma coisa, de manhã é uma coisa, de tarde é outra, de noite é outra. Não tem João Santana (marqueteiro contratado por Ciro) que dê jeito”, disse o ex-senador Eunício Oliveira (MDB-CE), aliado do petista, em gravação endereçada a Ciro e divulgada nas redes sociais.
Para a cientista política Monalisa Soares, professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), a “trégua” de Ciro tem relação com o atual momento da estratégia eleitoral do pedetista. “Ele fica em uma posição mais confortável da imagem pública, de sair de quem era visto como a pessoa com as posições mais contundentes, para ser alguém que é atacado”, diz.
O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma entrevista coletiva em Brasília em 8 de outubro de 2021(Foto: EVARISTO SA / AFP)
Foto: EVARISTO SA / AFP O ex-presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva fala durante uma entrevista coletiva em Brasília em 8 de outubro de 2021
Ela destaca, no entanto, que a proposta não pode ser duradoura, uma vez que Ciro terá, “necessariamente”, que manter enfrentamento ao petismo. “Nessa sua condição de candidatos de terceira via, ele vai ter que continuar nesse enfrentamento. Como ele precisa garantir uma fatia do voto de desiludido com o bolsonarismo, ele precisa manter um percentual de antipetismo também, então essa dissensão com o petismo será sempre importante”.
Com análise no mesmo sentido, o cientista político Cleyton Monte, também da UFC, classifica ainda como “arriscada” estratégia de Ciro pelo enfrentamento com o PT. “Ele já vem fazendo isso há dois anos e não trouxe resultados concretos nas pesquisas. Ele continua da mesma forma, não conseguiu atrair o eleitorado indeciso, o bolsonarista arrependido nem a direita democrática. Serviu mais para criar um polo de aversão nos grupos da esquerda e progressistas de forma geral, que foram um núcleo de sua votação em 2018”, diz.
Fonte: Estadão
Créditos: Estadão