Tem alguns segmentos do serviço público que aparentam ter perdido a sensibilidade social e, em razão disso, o senso de oportunidade. Os embates recentes do governador Ricardo Coutinho com o Chefe do Poder Judiciário, Joás de Brito, a respeito da recusa do Tribunal de Justiça em realizar cortes no orçamento em razão da queda das receitas estaduais, é um bom indício do que estamos falando: não importa que haja crise, que as expectativas das receitas orçamentárias não se realizem, a obrigação de cortes nos gastos é apenas do Executivo.
Agora, é a vez do Ministério Público da Paraíba (MPPB). Em entrevista concedida ao programa semanal “Fala, Paraíba”, da Rádio Tabajara, o governador Ricardo Coutinho tratou do veto a um projeto de lei PL de iniciativa do MPPB, que institui um “Programa de Aposentadoria Incentivada” (PAI) para servidores efetivos da instituição já com tempo para se aposentar.
Sobre o projeto, primeiro aspecto que merece destaque é a rapidez como o projeto tramitou na Assembleia Legislativa, atitude que não se observa quando se trata de projetos de interesses de outras categorias do serviço público estadual.
Em 22 de março, o deputado Gervásio Maia recebeu das mãos do o Procurador-Geral de Justiça, Francisco Seráphico da Nóbrega, o projeto de lei, obtendo do Presidente da Assembleia o imediato compromisso de que o mesmo tramitaria em regime especial de urgência urgentíssima.
Dito e feito. Pouco mais de um mês depois o PL já estava aprovado, o que levou o governador Ricardo Coutinho a publicar o veto em 27 de abril. Seria recomendável que a ALPB tivesse mais cuidados institucionais e, por exemplo, evitasse tamanha deferência, quase um jogo entre amigos, sobretudo quando se trata dos interesses de um órgão que tem poder para fiscalizá-la.
Esse é o primeiro aspecto a destacar nessa questão. O segundo é o projeto em si. O acrônimo (PAI) não poderia ser mais apropriado para identificar os estímulos que podem levar à aposentadora que, para a amplíssima maioria da população, é o grande objetivo após uma longa vida de trabalho. Para os mortais comuns, que são obrigados a trabalhar até a velhice, a maioria recebendo um salário mínimo, aposentar-se é, em si mesmo, um “privilégio”, mais ainda nesses tempos de insensibilidade temerista.
Segundo o PL, para fazer o imenso sacrifício de se aposentar antecipadamente o servidor poderá escolher entre esses benefícios:
“I – o equivalente até a 17% (dezessete por cento) da remuneração atual do cargo efetivo exercido (vencimentos, gratificações e vantagens pessoais), multiplicado por cada ano de serviço prestado ao Ministério Público da Paraíba, limitado a 35 (trinta e cinco) anos;
II – o valor do auxílio saúde, do auxílio alimentação e do abono de permanência até o máximo de 42 (quarenta e dois) meses, pago em igual número de parcelas mensais, sucessivas e fixas;
III – o valor equivalente até a 05 (cinco) remunerações do cargo efetivo ocupado pelo servidor no momento da adesão (vencimento, gratificações e vantagens pessoais);
IV – a quantia equivalente até 1.680 (um mil, seiscentos e oitenta) UFR-PB (Unidades Fiscais de Referência do Estado da Paraíba).”
Hoje, durante entrevista ao Correio Debate, a deputada Estela Bezerra tratou da questão. Em certo momento, um dos membros do sindicato da categoria entrou no ar para defender a rejeição ao veto do governador na votação que deve acontecer hoje à tarde. Segundo o sindicalista, os gastos com os incentivos não impactarão o orçamento do Poder Executivo porque serão feitos com os recursos do próprio MPPB, que tem orçamento próprio.
Estela rebateu com propriedade, lembrando que se trata de recurso público e a fonte global é a mesma: os impostos que toda a população paga.
Além disso, o projeto tem uma lógica implícita que o torna ainda mais problemático. Por exemplo. Ao contrário do que acontece em outras áreas do Serviço Público, como no Federal, onde os servidores que atingem a idade para se aposentar recebem incentivo para permanecerem em suas funções, o MPPB deseja estimular que os servidores em idade de se aposentar antecipem o ato para dar lugar a novos servidores, porque, claro, essas vagas não permanecerão desocupadas, sendo imediatamente chamado os concursados.
Quando isso acontecer, a conta sobrará para a viúva triplamente: porque será ela quem vai pagar os “estímulos” à aposentadorias; será ela quem vai pagar as aposentadorias dos que aderirem ao programa (nesse caso, a PBPrev, administrada pelo Poder Executivo); e será ela quem vai pagar o salário dos novos servidores.
Calcula-se um gasto “por baixo” de R$ 800.000,00 para que os servidores do MPPB se sintam estimulados à aposentadoria para deixarem de lado o benefícios que só os servidores da ativa possuem. Para um estado que, em 2017, teve um déficit na PBPrev de R$ 1.280.782.763,00 (um bilhão, duzentos e oitenta milhões, setecentos e sessenta e três reais), um acréscimo dessa ordem é absolutamente inadmissível, principalmente se consideramos os tempos bicudos em que vivemos.
A Assembleia Legislativa não pode deixar de cumprir suas responsabilidades, tanto para evitar legalizar privilégios a categorias já muito bem aquinhoadas salarialmente, como também defender os interesses do Estado. Sobretudo porque se trata de uma agressão à amplíssima maioria dos servidores que nem de longe sonham com vantagens como as que o MPPB quer oferecer aos seus servidores..
Fonte: Polêmica Paraíba
Créditos: Flávio Lúcio