Na luta para se livrar da denúncia por corrupção passiva no plenário da Câmara, o presidente Michel Temer acentuou a velha prática fisiológica de trocar cargos por votos para permanecer no Planalto. Na tentativa de agradar a todos os partidos da base, o presidente vem recebendo parlamentares diariamente, ouvindo pleitos das legendas aliadas e mapeando a evolução dos infiéis. A destinação de verbas para as bases eleitorais de parlamentares foi vastamente usada nos bastidores durante a análise da denúncia na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara. Mas a negociação de cargos se escancarou nos últimos dias.
Na noite de quarta-feira, em mais um encontro fora da agenda oficial Temer recebeu no Palácio do Planalto o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, e sua filha, a deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ). Cotada para assumir o Ministério da Cultura, ela confirmou ao GLOBO que o tema foi tratado na reunião, apesar de negar que o motivo da conversa tenha sido a negociação de espaços.
— Acredito que a Cultura será resolvida em breve, não vai ficar muito tempo sem uma cabeça — disse, sem garantir se será a nova titular da pasta. — Pode não ser eu, pode ser outra pessoa — desconversou.
Um dirigente de um dos partidos do centrão, grupo que mais pressiona o governo para aumentar a participação no governo, disse que é “óbvio” e já “acertado no governo” que, passada a votação da denúncia no plenário, os espaços serão redefinidos de acordo com o apoio recebido por Temer.
— Se o governo contar com o centrão e o PMDB, jamais terá problemas para conter o afastamento, só aí já são mais de 200 deputados. O que a gente quer é que os espaços dos partidos correspondam ao apoio que o governo terá — afirmou esse dirigente, de forma reservada. — Depois da votação nós vamos sentar e ver os espaços no governo que cada partido merece. Isso é uma coisa óbvia, é uma coisa já acertada no governo — admitiu esse líder partidário.
No Palácio do Planalto, o discurso segue na mesma linha: não haverá mudança de ministérios antes da votação no plenário. O governo vai esperar para ver o desempenho de cada partido da base antes de reacomodar os espaços. A maior pressão entre as legendas do centrão — sobretudo PTB, PP, PR, PRB e PSD — é para que Temer tire espaços do PSDB, que permanece na base, mas totalmente rachado. A avaliação do grupo também é que PSB e PPS têm mais cargos do que votos a oferecer ao governo.
O “toma lá, dá cá” ficou tão escancarado que tem sido comum ver deputados falando abertamente sobre as negociações com o presidente. Recebido por Temer seguidas vezes nas últimas semanas — o encontro mais recente foi na terça-feira —, o deputado Wladimir Costa (SD-PA) explica detalhadamente o funcionamento do sistema fisiológico. Fala, sem rodeios, sobre a “oportunidade” para apresentar demandas ao governo, num momento em que Temer precisa de votos.
“FAÇO CARA DE COITADINHO PARA ELE”
— Somente alguns parlamentares hipócritas não vão assumir, mas é obvio que, após a reunião com o presidente, a gente vem com aquela história: “Mas, presidente, eu gostaria de trazer demandas do estado, do município, do governo do estado”. A gente aproveita o barco e pede. Na realidade, não é o governo que está atrás disso, os parlamentares é que estão procurando, pedindo audiência, aproveitando a oportunidade. O Temer tem que ser assim. Aos amigos, as flores; aos inimigos, coroa de espinhos — sustenta.
Segundo o deputado, não há um “toma lá, dá cá” explícito, já que existiria, em sua avaliação, temor de novas gravações que pudessem comprometer o presidente. Wladimir explica se tratar de algo mais sutil: Temer pede apoio contra a denúncia e, em troca, se mostra aberto a ajudar os parlamentares com seus pleitos.
— Ele não propõe nada, ele pede apoio, mostra cópia da denúncia, diz que é inócua, mas não oferece nada. Vai que alguma pessoa queira gravá-lo novamente numa situação dessas. Ele diz que vai ver o que pode fazer. “O que for possível ajudar no seu estado, vamos fazer”. Ele vê quais são os ministérios, quem pode resolver. O presidente encaminha. Faço cara de coitadinho para ele — explica.
O deputado aproveita a oportunidade para dizer que, se houver espaço, já tem currículos de apadrinhados para apresentar ao presidente:
— Se me der alguns cargos, eu quero. Quero indicar, tenho até os nomes, tenho até currículos no gabinete. Tomara que ele leia essa reportagem e se lembre do “Wlad” que tem ecoado sua voz a nosso favor e me dê umas indicações importantes para o estado.
Fonte: O Globo