Força-tarefa avalia que alteração promovida pelo Supremo e provas reunidas nos processos devem possibilitar aos tribunais de segunda instância a condenação e o encarceramento de executivos de empreiteiras e de políticos sem foro privilegiado.
A força-tarefa da Operação Lava Jato considera que as provas reunidas nos processos de réus condenados pelo juiz federal Sérgio Moro, que terão recursos julgados em segundo grau ainda este ano, permitem que o Tribunal Regional Federal da 4.ª Região mande prender empresários, executivos e políticos. A possibilidade foi aberta com a decisão do Supremo Tribunal Federal, que alterou jurisprudência e permitiu a execução da pena em segunda instância – sem necessidade de aguardar o transitado em julgado do processo.
“Acho que argumentos de sobra existirão para possibilitar a prisão dessas pessoas que não estão ainda detidas na Lava Jato, agora com base numa decisão definitiva de execução penal. Que, no meu ver, é muito mais gravoso do que a prisão preventiva”, afirmou ao Estado o procurador da República Diogo Castor de Mattos, da força-tarefa da Lava Jato.
Um primeiro pacote de processos julgados pelo juiz Sérgio Moro, estão em grau de recurso no TRF-4 e podem ser julgados ainda este ano. Ao menos 17 condenados estão nesse grupo.
Entre eles estão alvos das ações penais da 7.ª fase da Lava Jato, deflagrada em novembro de 2014, que condenou empreiteiros da OAS, Camargo Corrêa, Engevix, entre outras. Todos acusados de integrar o cartel que, em conluio com agentes público e políticos do PT, PMDB e PP, fatiavam obras na Petrobrás, mediante o pagamento de propinas que variavam de 1% a 3% dos contratos.
“Temos expectativa de que, com base nessa nova decisão do STF e também no abundante conjunto probatório, haverá execução de pena. Mesmo porque todas as teses possíveis e imagináveis que poderiam ser aventadas pelas defesas de nulidades formais do processo já foram usadas nos vários habeas corpus e foram sumariamente negados”, disse Mattos.
Revés. Para as maiores bancas criminalistas do País, a decisão do STF foi um revés na estratégia de enxergar nas cortes superiores ambiente mais profícuo para o sucesso de recursos em prol de seus clientes. Mais de 800 pedidos foram apresentados nas cortes de 2.º e 3.º graus, desde o início da Operação Lava Jato, em março de 2014, até o mês passado. Desses, menos de 4% foram providos.
O criminalista Antônio Claudio Mariz de Oliveira, que defende um dos executivos ligado à Camargo Corrêa, é enfático. “É uma coisa muito hipotética. Em primeiro lugar, a decisão do Supremo não é vinculativa. Os tribunais do Brasil ainda continuarão independentes para decidir com liberdade sobre a prisão ou não daqueles que vierem a ter suas condenações confirmadas. O Supremo apenas decidiu, mesmo contra a opinião de quatro ministros, que a prisão poderia ocorrer num caso concreto. Assim, cada caso deverá ser examinado por cada tribunal, por cada câmara de cada tribunal do País, podendo os desembargadores decidirem pela prisão ou não”, avaliou.
Mariz disse, ainda. “O Supremo não legisla, ele apenas decide num caso concreto, num caso específico. Quem faz lei no País é o Congresso. Portanto, a decisão (do Supremo) não vincula os tribunais”, disse.
Mérito. A expectativa dos procuradores e dos delegados da Lava Jato é que, a partir da revisão de entendimento sobre a execução da pena pelo STF, as defesas de empreiteiros e políticos condenados passem a focar mais no mérito das acusações.
O delegado da PF Márcio Anselmo, um dos que iniciaram as investigações da Lava Jato, acredita numa mudança de foco das defesas. “Infelizmente, o que se vê no Brasil é um processo penal ineficiente e interminável. Em mais de dez anos como delegado de polícia pouquíssimos foram os casos que pude acompanhar que transitaram em julgado. A experiência dos outros países é muito diferente do que vinha sendo defendido no Brasil. Defender quatro instâncias (1.ª, 2.ª, Superior Tribunal de Justiça e STF) é algo que não encontra correspondência em outros países.”
“O recado é que está inaugurado um novo tempo. As defesas terão que enfrentar os méritos das acusações, o que até agora na Lava Jato não vi ninguém fazer. Os valores bilionários de propina continuam sem explicação”, avaliou o procurador da força-tarefa Diogo Mattos, especialista no estudo de recursos abusivos no Judiciário e a impunidade contra criminosos do colarinho branco.
O procurador da República Diogo Castor de Mattos, um dos 11 membros da força-tarefa da Operação Lava Jato, que colocou atrás das grades o maior empreiteiro do País e um político que foi o segundo homem mais importante da República, defende que vivemos um tempo de mudanças no País.
“Temos leis totalmente benevolentes em relação ao réu condenado criminalmente e que já tem sua culpa provada. Essas leis associadas a uma jurisprudência completamente complacente a essas situações produzia esse mostro da impunidade generalizada no Brasil.”
Um dos novos expoentes do Ministério Público Federal – que está em contagem regressiva para recolher 1,5 milhão de assinaturas para entregar ao Congresso um pacote de 10 novas regras jurídicas contra a impunidade -, Mattos associa a ineficiência da Justiça no Brasil, ao tratar de criminosos de colarinho branco, com a “corrupção generalizada” vigente.
Mattos sabe do que fala. É mestre em Direito. Estudou o uso de recursos protelatórios em favor dos poderosos no País. Sua dissertação, concluída no ano passado, lista casos recentes da história brasileira em que os recursos infinitos livraram da cadeia figuras de renome.
Em entrevista ao Estadão, o procurador da Lava Jato comentou a importância e os efeitos da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) desta semana, de permitir a prisão de condenados já em segundo grau. Para ele, servirá de recado para crimes do colarinho branco. “Quem faz recurso chegar ao STF e STJ, e fica protelando com recursos excessivos são as pessoas com dinheiro. Geralmente o cidadão pobre, quando não é preso flagrante, ele já é preso com o julgamento do recurso no tribunal.”
Para o procurador, os protestos oriundos de advogados de que houve violação a regra constitucional da presunção da inocência são infundados e representam um “falso garantismo”. “É o garantismo que só olha para um lado, para o lado dos ricos e poderosos clientes e esquece do garantismo das vítimas e de toda sociedade.”
Estadão – O que muda na prática com a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de permitir a execução provisória da pena?
Diogo Castor de Mattos – É um passo importante para a efetividade da Justiça criminal do País. Passa a valorizar as estâncias ordinárias, que estão mais próximas das provas. Anteriormente, acabavam transformando a sentença e o acordão do tribunal (de segundo grau) em palpites, meros pareceres, sem efetividades jurídica nenhuma. O entendimento que se tem que exaurir todos os recursos para se executar a pena, ao meu ver, é equivocado. Abre um mínimo de perspectiva de efetividade para o a Justiça criminal nos crimes de colarinho branco. Porque quem faz recurso chegar ao STF e STJ e fica protelando o processo são as pessoas com dinheiro. Geralmente, o cidadão pobre – quando não é preso flagrante – já é preso com o julgamento do recurso no tribunal. Dificilmente vai ter um advogado que brigue para fazer o recurso chegar em Brasília. O trânsito em julgado, para ele, ocorre no tribunal inferior.
Acreditamos, no Ministério Público, que uma das causas da corrupção generalizada do Brasil é a impunidade, a falta de perspectiva de uma punição efetiva.
Estadão – Ficará mais fácil colocar o colarinho branco na cadeia?
Mattos – O que se via no Brasil até ontem é que o cidadão já com abundante conjunto probatório, comprovado em instâncias superiores, impetrava sucessivos recursos, totalmente desfundados, apenas para procrastinar o processo, esperando a sua inevitável prescrição. Tem países, como o Estados Unidos, que não tem prescrição depois que se começa o processo. O Brasil, no processo cível também não tem prescrição depois de iniciado o processo. No penal, além de ter prescrição processual, você tem a prescrição retroativa.
Temos leis totalmente benevolentes em relação ao réu condenado criminalmente e que já tem sua culpa provada. Essas leis associadas a uma jurisprudência completamente complacente a essas situações produzia esse mostro da impunidade generalizada no Brasil.
Você pega centenas de casos que resultaram em prescrição, como cito na minha dissertação. As fraudes bilionárias nos bancos na década de 1990, Banco Santos, Banco Nacional, entre outros, tudo acabou prescrevendo. O Marcos Magalhães, dono do Banco Santos, prenderam ele com base em decisão de segundo grau, 13 horas depois mandaram soltar e daí o advogado falou que ele já estava muito velhinho. Claro, o processo demora 20, 30 anos, o cidadão fica velhinho mesmo. O Jader Barbalho no ano passado foram seis processos contra ele que prescreveram, inclusive o caso Sudam Sudene, da década de 90, que ele completou 70 anos, como presente ele acaba sendo agraciado com uma prescrição. O caso Paulo Maluf que também fez 70 anos e ganho o presente da extinção de punibilidade.
No projeto das 10 Medidas contra a Corrupção, que o Ministério Público lançou para enviar um projeto de lei de iniciativa popular ao Congresso, enfatizamos essa preocupação . O cidadão tira, rouba, faz, acontece e enrola tanto o processo que acaba sendo premiado com a prescrição e a extinção da punibilidade. Não só responde criminalmente como ele nem precisa devolver o que ele subtraiu.
Estadão – Advogados e entidades têm protestado contra a violação da Constituição em relação à presunção da inocência. Na sua dissertação o senhor usa a violação da Constituição também para atacar os recursos excessivos. Existe fundamento nessa grita?
Mattos – Não, fundamento nenhum. A releitura da presunção de inocência tem de ser feita de acordo com a realidade fática. Você não pode ter uma interpretação da norma dissociada da realidade fática. Do contrário, todo cidadão poderia entrar na Justiça e falar: ‘olha, a Constituição fala que eu tenho direito ao salário mínimo que me garanta o lazer, o vestuário, a educação, a saúde’ mais dezenas de coisas que não são suportáveis, são normas programáticas.
O princípio da não-culpa, não é presunção de inocência, até o trânsito em julgado que a Constituição fala tem que ser interpretado conforme outros princípios constitucionais, como a duração razoável do processo, o devido processo legal, a moralidade administrativa de segurança pública e de princípios de outros tratados.
Quando os advogados falam que esse princípio da não-culpa está sendo desrespeitado, eles esquecem de dizer que eles fazem o processo não acabar nunca. Você aceitaria essa leitura da não-culpa, se você tivesse um processo que fosse razoável, devido, justo e célere. Agora, se você simplesmente tem um processo que se anula com o tempo , não há argumento nenhum, ao meu ver, para essa sustentação.
Estadão – Argumentou-se no STF sobre os impactos na população carcerária dessa medida de permitir a prisão em segundo grau. É uma preocupação justificada?
Mattos – Sempre existirão questões conflituosas. A questão estrutural administrativa não pode se sobrepor a questão jurídica. Se formos considerar esse argumento, teríamos que soltar 250 mil pessoas culpadas de crimes no Brasil, porque você não tem capacidade, então teria que soltar assassinos, estupradores, traficantes que não tem essa benevolência toda dos tribunais para soltar. Agora no criminoso de colarinho branco há uma aceitação social até o presente momento muito grande em relação a impunidade e a liberdade dessas pessoas. Nunca se levantou esse argumento do excesso da população carcerária para prender o pobre. Agora com a perspectiva de prender o rico: ‘não, agora não tem vaga’. Quantos anos que se prende o pobre e ninguém reclama de falta de vaga.
Cabe ao Estado se adequar e produzir condições condignas para essas pessoas. Acho que essas políticas políticas de construção de presídios tendem a ser motivadas e auxiliadas agora que as pessoas com dinheiro começarem a ser presas efetivamente. As políticas públicas no Brasil tendem a atender os interesses das classes dominantes, e se as classes dominantes começarem a ser presas, acredito que isso incentivo para que se olhe com mais atenção para a necessidade de aumento de vagas nas carceragens.
Estadão – O Ministério Público lançou uma campanha de 10 Medidas contra a Corrupção que tem o excesso de recursos como um dos pilares de combate. Qual frente se fortalece com a decisão do STF?
Mattos – O pilar de combate que se fortalece na batalha contra a impunidade é o da benevolência recursal. A decisão do STF é um sinal de que a paciência do Judiciário em relação a recursos protelatórios se esgotou. O sistema recursal em que pesa seja ainda benevolente, você tem um judiciário que não vai ser tão complacente em aceitar esses recursos, e isso é uma grande evolução. Mas ainda falta a questão da prescrição processual que é uma aberração, a racionalização da competência dos tribunais superiores.
Teve um ano que cito na dissertação, em 2012 ou 2013, foram 36 mil habeas corpus no STJ. São 10 ministros em matéria criminal, são 3 mil e 600 habeas corpus por ano. São 10 habeas corpus por dia do ano para o ministro julgar e relatar. Qual a razoabilidade desse sistema? Só de habeas corpus tem isso, como vão julgar os recursos especiais que demandariam julgamento para poder executar a pena. Não julga, prescreve.
O trabalho que a gente faz na Lava Jato é expor pela primeira vez na história, de forma nua e crua, todas essas questões e eu confio nessa mudança estrutural com base principalmente nessas feridas que estão sendo expostas.
Será que não era a hora de se fazer uma reflexão se não é esse o sistema que a sociedade quer, que a democracia quer, ou perpetuar esse falso garantismo propalado pela OAB ou pela classe dos advogados. Que é o garantismo que só olha para um lado, para o lado dos ricos e poderosos clientes e esquece do garantismo das vítimas e de toda sociedade.
Estadão – O senhor acredita que o STF tenha tomado esse decisão movido pelo grito das ruas?
Mattos – Não acho, a sociedade civil tem uma posição muito importante de exercer o controle desses órgãos. E no Judiciário, esse controle é importante porque é um poder que se mostra inefetivo nos últimos anos. A sociedade civil tem que acompanhar e fazer o seu controle, porque é interesse coletivo que está em jogo, principalmente nos crimes de colarinho branco, em que a vítima acaba sendo toda sociedade.
Fonte: O Estado de S.Paulo