Para quem encampa a bandeira das Diretas-Já, a saída constitucional à vista é torcer para que ao menos três quintos do Congresso aprovem a PEC (proposta de emenda à Carta Magna) que estabelece votação popular caso os cargos de presidente e vice-presidente fiquem vagos nos três primeiros anos de mandato.
O problema é o “timing”. A PEC já passou pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado, mas pode demorar meses, ou mesmo empacar, até chegar ao plenário da Casa e depois ao da Câmara –ritos que avançam ao sabor dos humores políticos.
Suponhamos que seja aprovada, e em tempo recorde. Ainda assim, nada garante que já valha para eventual substituição do presidente Michel Temer, ameaçado em três frentes: o processo do Tribunal Superior Eleitoral que pode cassar sua chapa com Dilma; impeachment e se virar réu em ação penal da Procuradoria-Geral da República (que teria que ser aceita por dois terços da Câmara e acolhida pelo Supremo Tribunal Federal).
Aqui a Constituição é clara: se aqueles eleitos para a chefia do Executivo morrerem, renunciarem ou forem destituídos na segunda metade do mandato, vale a eleição indireta, ou seja, um novo mandatário escolhido pelos 513 deputados e 81 senadores do país. Só uma PEC pode reverter essa determinação.
Aqui ela não é: a mudança nas regras do jogo constitucional deve valer imediatamente? Especialistas consultados pela Folha divergem.
O ponto de discórdia é o artigo 16 da Constituição, que diz: “A lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação”. O professor do Instituto de Direito Público Daniel Falcão entende que as diretas, nesse caso, não alcançariam 2017.
Cita uma jurisprudência do STF. A corte decidiu que uma emenda de 2006 para restringir coligações partidárias só poderia ser posta em prática um ano depois.
Disse a então ministra do tribunal Ellen Gracie: PECs podem “servir como instrumento de abusos e casuísmos capazes de desestabilizar a normalidade ou a própria legitimidade do processo eleitoral”.
Professor de direito do Mackenzie e pesquisador da FGV-Direito em São Paulo, Diogo Rais usa outra decisão do Supremo para defender a aplicação imediata das diretas, se a PEC for vitoriosa: em caso envolvendo dupla vacância no governo de Tocantins, o à época ministro Cezar Peluso disse não ter como “excogitar [cogitar] ofensa ao princípio de anterioridade eleitoral estabelecido no artigo 16”.
Em miúdos, segundo Rais: “Peluzo fez uma distinção. Vacância gera um processo eleitoral, mas não é o processo eleitoral em si”. A ministra aposentada do Superior Tribunal de Justiça Eliana Calmon tem interpretação afim: “A PEC seria capaz de romper aquilo que está no artigo 16”.
A proposta hoje no Senado derrubou relatório alternativo do senador Lindbergh Farias (PT), que dava caráter imediato à medida. Seu colega Ricardo Ferraço (PSDB) definiu o dispositivo como “flagrantemente inconstitucional”. O trecho acabou sendo removido.
Caberia ao Supremo a interpretação final da Constituição, declarando ou não a inconstitucionalidade da nova emenda.
‘ERRO MEDONHO’
Para o jurista Luiz Flávio Gomes, autor de “O Jogo Sujo da Corrupção”, é um “erro estratégico medonho, para quem quer diretas, gastar toda a energia em cima” da PEC. Melhor apostar na lei eleitoral de 2015 que prevê eleição indireta só “se a vacância do cargo ocorrer a menos de seis meses” do fim do mandato. Logo, se Temer cair antes, o pleito é popular.
Mas Gomes reconhece que a questão “não é ponto pacífico”. Para Falcão, “o texto constitucional, no caso das eleições presidenciais, se sobrepõe ao Código Eleitoral”. A norma é alvo de duas ações diretas de inconstitucionalidade no STF, uma delas proposta pela PGR.
Rais lembra que o TSE estipulou eleição direta ao cassar governador e vice do Amazonas, em maio. Mas apenas porque “a Constituição só é expressa na regra para presidente da República, não governos estaduais”, diz. Fugir disso seria, portanto, um “puxadinho” jurídico.
Fonte: Folha de S. Paulo