As eleições de 2018 consolidam uma (triste) realidade no país: há menos santinhos distribuídos nas ruas, mas cresceu a quantidade de lixo virtual. Produzidas e espalhadas pelas redes sociais, as notícias falsas, ou fake news, se proliferam graças a desconhecimento, ma fé, dificuldades de rastreamento e legislação omissa. Ainda assim, podem render multa e processo para quem as cria ou espalha.
Segundo advogados consultados pelo UOL, o Brasil (ainda) não tem legislação específica sobre o tema, mas quem cria ou espalha mentiras pode ser responsabilizado legalmente.
No âmbito civil, o autor ou difusor de notícia mentirosa pode ser condenado a pagar indenização por danos morais. Já no penal, quem propaga fake news pode ser processado por crimes contra a honra, como calúnia e difamação e até mesmo ser preso ou ter de prestar serviços comunitários.
Os valores das multas ficam a cargo dos juízes encarregados dos processos e variam caso a caso.
Em outras palavras, o alvo do boato pode, por meio de advogado ou defensor público acionar a Justiça. No caso de crimes, o caminho é abrir um boletim de ocorrência. “Mas, nesses casos, muitas vezes a investigação não vai para a frente”, diz Sleiman.
Segundo Sleiman, a maioria dos processos nesse sentido corre na esfera cível por conta da velocidade e das burocracias que são exigidas no processo penal.
Desconhecer que é fake news não exime de responsabilidade
Para o advogado Francisco Brito Cruz, diretor do InternetLab, centro de pesquisa em direito e tecnologia, o fato de não saber que a notícia é falsa, ou a simples negligência em relação à fonte, não exime a responsabilidade de quem compartilhou.
“No caso penal vai ser avaliado o dolo, a má-fé da pessoa que compartilhou a notícia, mas isso depende das circunstâncias. Já existem jurisprudências em que pessoas que compartilharam notícias ou textos falsos no Facebook foram condenadas a pagar indenizações”, disse ao UOL.
Por outro lado, para conter e punir os autores dos boatos, um grande empecilho é a dificuldade em identificar o autor das informações – principalmente no Whatsapp.
Projetos no Congresso
Circulam no Congresso pelo menos três projetos de lei que criminalizam a divulgação de fake news. De autoria do senador Ciro Nogueira (PP-PI), o projeto de lei 473/2017 prevê prisão de seis meses a três anos e multa para quem divulga notícia que sabe ser falsa e que possa distorcer, alterar ou corromper a verdade.
Já na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 6812/17, do deputado federal Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR), torna crime a divulgação ou compartilhamento na internet de “notícia que seja falsa ou prejudicialmente incompleta”, sob pena de detenção de dois a oito meses e pagamento de 1,5 mil a 4 mil dias-multa.
No mesmo sentido, o deputado Jorge Côrte Real (PTB-PE) sugere no projeto de lei 8592/2017 a detenção de um a dois anos para quem “divulgar ou compartilhar, por qualquer meio de comunicação social, informação falsa”.
Para os especialistas ouvidos pelo UOL, no entanto, a criminalização pode ferir direitos fundamentais dos brasileiros. “Esse tipo de medida é muito arriscada para a liberdade de expressão das pessoas. E, no Brasil, ainda temos uma justiça muito desigual: quem tem mais dinheiro tem mais acesso às vias legais. Dificilmente teremos uma legislação melhor que a de agora”, explica Cruz.
Já Sleiman acredita que não há necessidade de existir uma legislação nesse sentido, já que muitas vezes as pessoas compartilham notícias sem saber que são necessariamente falsas. “Uma lei específica para quem cria os sites que disseminam informações falsas poderia ser útil”, argumenta.
“Qual a autoridade que vai cuidar disso? Corremos o risco de criarmos uma polícia política, de alargar os crimes de opinião”, questiona Cruz, mais cético em relação a uma lei para coibir sites de notícias falsas. “Vai ser como enxugar gelo, se derrubar um no outro dia vai surgir outro igual”, diz.
Eleições
No caso da Justiça Eleitoral já existe a tipificação de crime caso um candidato utilize sua propaganda para disseminar informações falsas. O artigo 323 do código eleitoral diz que é proibido “na propaganda, fatos que sabe inverídicos, em relação a partidos ou candidatos e capazes de exercerem influência perante o eleitorado”, sob pena de detenção de dois meses a um ano, ou pagamento de 120 a 150 dias-multa.
“É importante lembrar que a justiça sempre foi muito restritiva em relação a esse artigo. A mentira tem que ser muito explícita e precisa ter sido divulgada por meio da propaganda eleitoral”, diz Francisco Brito Cruz.
Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) criou um conselho para tentar solucionar a questão das notícias falsas. O conselho é composto por representantes do Ministério da Justiça, Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI), Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, a ONG Safernet e a Fundação Getúlio Vargas.
O ministro e presidente do TSE, Luiz Fux, em entrevista ao programa “Fantástico” em fevereiro deste ano, afirmou que “o TSE não pretende assistir passivamente o cometimento desses ilícitos. O TSE criou um grupo de inteligência formado por uma elite da inteligência da Abin, do Exército. A todos aqueles que pretendem usar as fake news para obtenção de um resultado político ilícito, que coloquem suas barbas de molho.”
O TSE também se posicionou em relação aos eleitores que disseminam notícias falsas nas redes sociais. Em janeiro, o tribunal aprovou uma resolução que afirma que a “divulgação de fatos sabidamente inverídicos” por pessoas poderá ser punida com a retirada do conteúdo do ar.
“A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ocorrer ofensa à honra de terceiros ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos”, diz um dispositivo da resolução.
Para além dos riscos de responsabilização legal, quem compartilha notícias deve pensar no peso que o ato representa para o país.
“Se as pessoas formam sua vontade com base em informações falsas, a escolha de um candidato passa ser uma escolha falsa. A democracia que é baseada nessas mentiras não é de verdade, é manipulada, distorcida. Antes, apenas os jornalistas tinham a responsabilidade de garantir acesso à informação verdadeira, mas agora isso passou a ser responsabilidade de cada cidadão”, disse Pedro Abramovay, diretor da Open Society Foundations para América Latina e Caribe – uma instituição que monitora o fenômeno na região.
Fonte: Uol
Créditos: Uol