Por unanimidade, o STF (Supremo Tribunal Federal) transformou nesta quinta-feira (3) o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em réu, sob acusação dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro, por seu suposto envolvimento no esquema de desvios na Petrobras.
Essa é a primeira ação penal aberta pelo Supremo naOperação Lava Jato. A decisão do STF tem potencial para aumentar o desgaste político de Cunha, uma vez que levará os ministros a discutirem o pedido da Procuradoria-Geral da República para que ele sejaafastado do comando da Casa e do mandato e também deve reforçar seu processo de cassação em discussão na Câmara.
O recebimento da denúncia da Procuradoria-Geral da República contra Cunha começou a ser delineado na sessão desta quarta (2), quando o relator da Lava Jato, Teori Zavaski, e mais cinco ministros votaram a favor da admissão da acusação de que o deputado teria recebido US$ 5 milhões em propina de contratos de navios-sonda da Petrobras.
Na sessão desta quinta, os ministros Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski também votaram para abrir a ação penal. Luiz Fux não participou do julgamento.
VOTOS
Integrante mais antigo do STF, Celso de Mello puxou o voto mais duro, com fortes críticas a políticos envolvidos em esquema de corrupção.
O ministro chegou a citar parte de seu voto sobre o esquema de corrupção do mensalão, que desviou recursos públicos para a compra de apoio político no Congresso no início do governo Lula.
Celso afirmou que a Lava Jato revela episódios criminosos que são vasto painel de assalto e mostram da captura do Estado por dada organização criminosa. Para o ministro, a Lava Jato aponta a degradação da dignidade política e a delinquência institucional.
“Houve vasta organização criminosa de progressão tentacular, organizada em níveis hierárquicos próprios, observava métodos homogêneos de atuação e que operando por intermédio de vários núcleos especializados, com clara divisão de tarefas, núcleo político, empresarial, financeiro, operacional”,disse.
Segundo o ministro, “qualquer ato de ofensa, como aceitação de suborno, culmina por atingir justamente a própria respeitabilidade institucional do Poder Legislativo, residindo neste ponto a legitimidade do procedimento constitucional da cassação do mandato parlamentar de quem se haja demonstrado indigno de representar o povo brasileiro. Falta de decoro parlamentar é falta de decência, capaz de desmerecer a Casa [Legislativa] e seus representantes”, afirmou.
Gilmar Mendes reforçou a fala defendendo que o petrolão seria o filhote maior do mensalão e que os dois esquemas revelam um modo de governança. Ele ainda citou que o advogado de Cunha, Antonio Fernando de Souza, foi o responsável por apresentar a denúncia do mensalão, quando ocupava a chefia do Ministério Público.
“Registro ainda observação histórica: a situação peculiar do doutor Antonio Fernando, que teve atuação neste tribunal como procurador-geral da República. Todos nós reconhecemos sua atuação ímpar, clara, elevada, imparcial. E que hoje também atua na nobre tarefa da defesa, admitindo que atuou aqui quando fez a denúncia do mensalão e talvez agora desse filhote maior do mensalão, que é o petrolão”, afirmou.
“Como diz o poeta e escritor que eu aprendi a admirar, Mia Couto, talvez traduzindo uma outra pensata: o pior do passado ainda está por vir, parece que os fatos de hoje revelados revelam que os fatos de ontem não eram tão graves”, completou.
Toffoli defendeu que, apesar de haver os indícios para abertura da ação penal, ainda não há os elementos para condenar Cunha.
A divergência no julgamento foi aberta por Toffoli e seguida por Gilmar. Os dois ministros votaram para rejeitar a denúncia contra a ex-deputada Solange Almeida (PMDB-RJ), que teria apresentados requerimentos a pedido de Cunha para achacar empresas e forçar a liberação do pagamento de propina.
Toffoli defendeu que não há elementos mínimos de que Solange Almeida tenha participação no esquema. Isso porque ela não foi citada por nenhum dos delatores. O ministro citou que foi funcionário da Câmara e que sabe que essa questão de apresentação de requerimentos e projetos por deputados a pedido de colegas faz parte da “vida parlamentar”. “No que diz respeito a Solange Almeida, os elementos da denúncia não são suficientes”.
PRÓXIMOS PASSOS
Não há prazo para o desfecho do Caso de Cunha que também é alvo de outras investigações por suspeita de que recebeu propina de contratos da Petrobras em contas secretas no exterior.
Agora, o Supremo começa a fase de instrução processual, com a apresentação de testemunhas de defesa e acusação. Na sequência, uma nova etapa de coletas de provas e questionamentos dos elementos do processo.
Cunha também será interrogado e, depois, o Ministério Público e fará suas alegações finais, repassando o caso para o ministro Teori Zavascki fechar seu voto. Outro integrante do Supremo será encarregado de revisar o processo liberando o caso para votação.
A propina teria saído de dois contratos entre a Petrobras e as empresas Samsung Heavy Industries e a japonesa Mitsui foram fechados em 2006 e 2007 por US$ 1 bilhão e, segundo a procuradoria, foi acertada propina de US$ 40 milhões a políticos e funcionários da estatal. O lobista Julio Camargo era o representante das empresas.
Segundo os delatores, com o passar dos anos ainda havia um débito da propina acertada inicialmente e, então, Cunha foi chamado para reativar o pagamento. Nesse período, a parte da propina que coube a ele foi de US$ 5 milhões, segundo as investigações.
Dois requerimentos foram apresentados na Câmara em 2011 por Solange. Eles pediam às autoridades informações sobre contratos da Petrobras com a Mitsui. A Folha revelou em abril de 2015 que o nome “dep. Eduardo Cunha” aparece como autor dos arquivos de computador em que eles foram redigidos.
Na avaliação do relator, os elementos indicam que Cunha passou a atuar no esquema quando o comissionamento de Julio Camargo foi suspenso. Outro lobista, Fernando Soares, o Baiano, teria acertado com Cunha o achaque para tentar reativar o esquema.
Teori, no entanto, rejeitou a parte da denúncia que apontava que os dois políticos participaram do acerto inicial para os desvios nos contratos de navios-sonda entre 2006 e 2007.
Na prática, o relator diminuiu as imputações dos crimes de lavagem de dinheiro e corrupção apontados pela Procuradoria contra o deputado. O ministro entendeu que, no caso da celebração dos contratos, não ficou comprovado que Cunha participou do acerto inicial da propina, já que os próprios delatores afirmaram que ele agiu a partir de 2010.
Fonte: Folha de S. Paulo