PAULA SOPRANA – Quando chegou ao Brasil em 2009, o WhatsApp custava US$ 1 (R$ 3,67) por ano. O aplicativo era uma atraente alternativa ao SMS, que caminhava para o declínio com a popularização do iPhone e seu sistema de torpedos.
Criado como plataforma de interação privada, a ferramenta ganhou novos contornos nas eleições de 2018.
Embora 90% das conversas ainda sejam entre duas pessoas, segundo depôs representante da empresa ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), os grupos com lotação máxima de 256 integrantes funcionam como uma máquina de boataria, ódio e desinformação.
Em seus nove anos de operação no Brasil, a reputação do WhatsApp passou por altos e baixo e por tentativas de interceptação da Justiça na investigação de crimes. Foi de mensageiro preferido, o “zap”, a rede vilã das eleições –tudo sem ter escritório ou funcionário algum no país.
Fundada pelo americano Brian Acton e pelo ucraniano Jan Koum, ex-funcionários do Yahoo!, a empresa costumava incomodar as operadoras de telecomunicação no Brasil.
Elas consideravam desleal a existência de “uma operadora sem licença”, como argumentou Amos Genish, presidente da Vivo, em 2015. “Pirataria pura”, disse na época.
O sucesso do aplicativo, usado por cerca 90% das pessoas que têm acesso à internet no país, deve-se em parte à parceria com as mesmas operadoras que o criticavam.
Em vez de manter o embate, as operadoras se aliaram à plataforma e passaram a oferecer planos pré-pagos com WhatsApp de graça, prática chamada de “zero rating”.
Para alguns especialistas em direito na internet, esse tipo de oferta quebra o princípio de neutralidade da rede. Usuários de planos mais baratos têm seu acesso à web restrito a informações que circulam apenas em aplicativos determinados pelas operadoras.
Há quem discorde e defenda que é melhor acessar o WhatsApp do que nada. E assim o aplicativo começou a chegar de graça a regiões remotas.
“Embora não seja o único fator, a estratégia de pré-instalar o aplicativo em celulares pré-pagos contribuiu para a escala do WhatsApp no Brasil, assim como na Índia, que é o mercado mais importante para eles”, diz Yasodara Córdova, pesquisadora na Digital Harvard Kennedy School.
Brasil e Índia são líderes em usuários do aplicativo, com 120 milhões e 200 milhões de pessoas, respectivamente.
Adquirido pelo Facebook por US$ 19 bilhões (R$ 68,4 bilhões no câmbio de hoje) em fevereiro de 2014, o app cresceu mais rápido do que a própria rede social. Cresceu tanto que seus cofundadores decidiram sair do Facebook por não concordarem com os modelos de monetização.
No mundo, há 1,5 bilhão de usuários ativos que enviam mais de 55 bilhões de mensagens, 4,5 bilhões de fotos e 1 bilhão de vídeos por dia.
Os planos de Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook, são ambiciosos, a julgar pelo preço da compra.
Pelo Instagram, grande gerador de receita, ele pagou muito menos em 2012, US$ 2 bilhões (R$ 7,2 bilhões).
Como é comum em conglomerados de tecnologia, um dos motivos da aquisição foi a diversificação dos negócios.
O Facebook tem aplicativo de compartilhamento de fotos, empresa de realidade virtual e planeja comprar uma de cibersegurança. Com o WhatsApp, amplia sua imensa base de usuários e pode usufruir de informações como telefones, nomes e contatos –falando apenas das que estão explícitas na política de privacidade.
Além disso, há uma série de projetos de monetização como possível inclusão de anúncios, o crescimento do WhastApp Business (dedicada a negócios) e a implementação de um sistema de pagamentos, o WhatsApp Payments.
Ao longo dos anos, o WhatsApp implementou áudio, a função Status (uma cópia do Snapchat), chamadas de voz, chamadas em grupo e compartilhamento de localização.
Mas a habilidade de resolver conflitos em países que não os Estados Unidos não acompanhou essa evolução.
No Brasil, o serviço foi alvo de quatro bloqueios da Justiça, em 2015 e 2016, em decorrência da negativa da empresa em fornecer informações das conversas de seus usuários para investigações ou da falta de provas de que não conseguiria fazer a interceptação.
A atitude do WhatsApp, que respondia às autoridades brasileiras em inglês, contribuiu para a antipatia de juízes.
“O WhatsApp não tinha representante comercial e administrativo no Brasil. Embora pertença ao Facebook, era o mesmo que solicitar ao Burger King informações da Heinz”, diz Marcelo Crespo, advogado de direito digital da Peck Advogados.
As ordens de suspensão foram criticadas por entidades de defesa de usuários na internet e pela sociedade civil.
O entendimento predominante era que os bloqueios eram desproporcionais e feriam o Marco Civil da Internet –interpretação contrária à dos juízes em questão.
O WhatsApp no Brasil já não era só uma ferramenta social, mas comercial e usada inclusive por governos.
Os competidores, como Telegram e Signal, registram picos de adesão no Brasil somente quando o WhatsApp enfrenta alguma crise. Em um dos bloqueios, o russo Telegram ganhou mais de 2.000 usuários brasileiros em 20 horas. No entanto, o competidor expressivo é só o Facebook Messenger, do mesmo grupo.
Depois dos bloqueios, o WhatsApp implementou a criptografia de ponta a ponta nas conversas, técnica de segurança que restringe o acesso à mensagem apenas ao remetente e ao destinatário.
Menos de um mês depois do anúncio, a polícia prendeu por um dia o vice-presidente do Facebook na América Latina, Diego Jordem Dzodan, em São Paulo, alegando que ele não colaborou com provas para uma investigação sobre crime organizado.
Aos poucos, o aplicativo melhorou sua relação com autoridades brasileiras. Participou de reuniões para explicar o funcionamento da criptografia, abriu-se ao diálogo para mitigar problemas nas eleições de 2018 e contratou um escritório de advocacia e uma assessoria de comunicação externas no Brasil.
Apesar do diálogo com o TSE, o esforço dos setores público e privado foi insuficiente para evitar a propaganda e da contrapropaganda digital. O WhatsApp foi central na corrida eleitoral e mudou a forma de fazer campanha.
Além da disseminação de notícias falsas, empresas usaram a plataforma para fazer disparos de mensagens em massa contra o PT com bases de dados compradas, como noticiou a Folha de S.Paulo -o que é ilegal pela legislação eleitoral.
“O Twitter já foi considerado um vilão e hoje é usado como uma das principais plataformas para a discussão eleitoral. É a onda de popularidade. Ao TSE, o WhatsApp disse que 40 representações políticas lidavam com notícias falsas, o que é antagônico à percepção generalizada de que tudo é fake news”, diz André Giacchetta, advogado do escritório Pinheiro Neto.
Alguns pesquisadores e a ONG Safernet propuseram mudanças à plataforma. Solicitaram que ela adotasse medidas como fez na Índia, onde os grupos só podem ter cinco pessoas. A empresa, entretanto, afirmou que a atualização levaria meses e que os resultados não seriam vistos a tempo desta eleição.
As ações se mostraram tardias. “A pressão chegou tarde, e ninguém anteviu a dimensão do problema. Vimos cenários semelhantes, mas estamos nos dando conta do efeito disso agora”, diz Jacqueline Abreu, pesquisadora da USP e advogada especialista em tecnologia.
Apesar de o WhatsApp argumentar que tomou medidas para as eleições, como diminuir o número de mensagens que podem ser encaminhadas, especialistas lembram que o aplicativo aumenta, de forma gradativa, o número de pessoas permitidas em grupo desde 2016: de 50 a 100 e a 250.
Mesmo depois das eleições americanas de 2016, quando o Facebook se tornou o pivô de uma crise de desinformação com possível influência russa –o que é alvo de investigação–, o WhatsApp implementou o convite de link para grupos, uma função que compromete a privacidade das pessoas ao deixar seus números expostos na internet.
“Com um número de telefone no Brasil, você pode fazer muita coisa. Se fosse na Europa, a empresa tomaria uma multa do tamanho do Brasil”, diz Yasodara.
Para o WhatsApp, antes de ser um mercado recompensador, o Brasil é um laboratório para testes de políticas e tecnologias do Facebook, que raramente prevê os estragos.
Fonte: Folhapress
Créditos: Folhapress