WALTER SANTOS: Nei Matogrosso, Revolucionário de costumes e expressão

Não é fácil traduzir em só filme – “Olho Nu”, do diretor Joel Pizzini, a trajetória e significado de um artista com natureza tão distinta e singular como se dá em Nei Matogrosso, a razão e foco da abordagem profunda de um revolucionário comportamental, de envolvimento intenso nas várias fases de uma vida moldada ao desafio de superar-se sempre como vanguarda de conceitos, costumes e expressão a partir da arte de interpretar no palco.

O filme expõe uma narrativa feita pelo próprio Nei Matogrosso de sua vida numa cronologia entrecortada por cenas advindas de um rico acervo particular de imagens colecionadas ao longo do tempo, sob a chancela e zelo do amigo e parceiro de músicas, Paulo Mendonça, homenageado na película.

Em “Olho Nu”, Nei Matogrosso assume com uma linguagem típica de um provocador atemporal a construção de uma vida tomada de intensa dosagem libidinosa desde a sua formação musical em Brasília incorporando uma inigualável silhueta artística colada de adereços sobre seu corpo dando-lhe feminilidade durante todo um tempo mas que, provocado na abordagem preconceituosa chega até a parar um show visando identificar quem o chamou de bicha impondo uma masculinidade que na vida renegou.

Na narrativa em que mistura declarações e clips de fases diferentes de sua vida fica evidente nas imagens e depoimentos que é com o grupo “Secos e Molhados” a fase áurea da provocação andrógina da forma de se expor incorporando figuras, bailado e voz inconfundível gerando a imagem revolucionária comportamental de uma fase brasileira reprimida pela Ditadura Militar.

Aliás, o filme expõe o lado contestador, ideologicamente à esquerda, de um artista que viu Brasília ser tomada pela ação militar até ver o País chegar no decorrer das lutas ao famoso comício da Candelária pelas “Diretas Já” ao lado de Tancredo, Ulisses, Brizola e muitos artistas construindo a cidadania brasileira à base da democracia. Engraçado é que Nei conviveu desde cedo com rigor militar por ter seu pai membro do Exército, nem por isso deixou de se rebelar.

Depois do fim do grupo, em 1973, o filme mostra a carreira solo de Nei moldando-se por um tempo à sua natureza solitária, mesmo assim mantendo as figurações, os elementos figurativos sobre seu corpo sempre exposto semi-nu mas com um canto e vibrato ainda hoje não existente algo semelhante no solo brasileiro.

Até que a idade talvez lhe impõe um novo manequim sem as colagens no corpo nem os balangandãs à lá Carmem Miranda ofertando um novo perfil em Nei Matogrosso optando por conviver com cancioneiros distantes da sua fase artística anterior, mais conservadores em termos de estilos adicionado da convivência de grandes nomes instrumentais como Rafael Rabelo, Artur Moreira Lima, Paulo Moura, etc, levando-o ao distanciamento com o público inicial construindo nova turma de fãs ao seu trabalho.

Os amores, sua grande paixão por Cazuza, se expõem por inteiro sem perda da exposição digna de uma relação acabada pelo vírus da AIDS, algo que ele contesta e indaga se não foi, como a bomba de Hiroshima, uma invenção de laboratório para matar homossexuais. Em um ano só, ele mesmo narra, perdeu 13 amigos e seu amor Cazuza vitimados pelo vírus.

O filme com fotografia espetacular expõe também a natureza nua da relação de Nei com o rio, o medo do mar, as florestas, os animais – a natureza enfim construindo a imagem soberana de um ser humano singular, inimitável na arte de interpretar e revolucionar sem armas químicas, mas com seu corpo, sua voz e sua provocação comportamental de um andrógino brasileiro sem igual.

GESTO RELEVANTE

O segmento áudio visual do Estado recebeu uma boa noticia na Abertura do Festival Aruanda dada pelo proprio prefeito Luciano Cartaxo de que vai patrocinar todas as versões do evento enquanto estiver à frente da Prefeitura.

Show de bola, como diz Marcos Weric.

LÚCIO, INCANSÁVEL E VITORIOSO

Justiça seja feita, todo o acervo de provocação cinematográfica tem a ver com impulsividade do professor e cineasta Lúcio Vilar.

Merece reconhecimento.

NOSSA TURMA

Gostei de ver uma série de pessoas amigas envolvidas com o cinema. Melhor ainda foi acompanhar a homenagem ao cinema paraibano com a exibição do curta-metragem “O mural que o vento levou”, invenção de Wills Leal e Mirabeau Dias.

Uma beleza.