CARLINHOS BROWN

Lá vem de novo essa gente pedir o meu voto. O meu, o seu, o nosso. Eu deveria ter mais paciência com o assunto, afinal, dependo do bom andamento da vida em sociedade. Políticos são necessários, o mundo é muito populoso, precisamos de quem nos represente. Mas desde a época da escola e dos representantes de turma que esse negócio não funciona bem. Nunca nos sentimos suficientemente representados por aquele lourinho de nariz arrebitado puxa saco da professora e eleito pela classe. Ali começa o calvário eleitoral do cidadão comum.

 

Crescemos e levantamos bandeiras. Acreditamos. Na minha juventude era o Lula e o PT. Assinei minha ficha de filiação, mal completados os 18 anos. Por preguiça, estou lá até hoje. Eu era Lula; Lula era minha paixão. Aqu
ela camisetinha branca do sapo barbudo enfurecido, com os dizeres: “Hoje eu não tô bom”, quem não se lembra? Era a minha bandeira. Votei nele em todas as vezes que perdeu, vibrei quando ganhou, e só desertei intimamente, quando companheiros como Palocci começaram a aparecer com as mãos sujas de cocô e o Celso Daniel recebeu de presente aqueleboanoitecinderela.

Eu vinha da esquerda católica e da ideologia dos padres socialistas, tipo D. Pedro Casaldáliga. Era fã. Me espanto que, ainda hoje, em pleno governo petista, a imprensa seja chamada para dar visibilidade às necessidades dos índios Ianomâmi, pois já naquela época, um jovem amigo muito letrado, hoje sociólogo de renome, trazia o assunto à baila nas nossas reuniões políticas. Dei muita bandeira, fui Lula até debaixo d´água. Achava o máximo os bordões repetidos pelos meus amiguinhos de 17 anos mais engajados, politizados, conscientes, comprometidos (e se me viesse outro adjetivo, usaria também) do que eu: eles eram rapazes, confabulavam com José Eudes e Vladimir Palmeira, que chegaram a fazer reuniões abastecidas com trinta ou quarenta quentinhas nos jardins da minha mãe.

Outro amiguinho de colégio fechava o punho para nos lembrar, sorrindo sob os óculos de fundo de garrafa, que “o PT era contra os tubarões”. E era por isso que nós éramos do PT – oPTei, né? Caso de amor à primeira miopia. Eu era jovem, mal saída das fraldas, nem sabia direito a história dos “tubarões”. Como petista até debaixo d´água, brigava em casa com meu pai capitalista – nada disso, sorry dad. Engrossei a onda para levar o Lula lá, mas a ficha caiu assim que a água baixou e deixou emergir a podridão, matéria-prima dessa política.

Tudo isso me veio ao refletir sobre o incômodo que tem me causado Carlinhos Brown cada vez que aparece na TV. Turbante, óculos, negritude, Brasil, voto? Ah, não, Brown, como legítimo representante cultural do “povo castanho”*, fica melhor você voltar pra música. Nós sabemos que temos que votar, não precisa o TSE pagar para nos avisar isso. Mas, “santa ignorância, Batman!”, é óbvio que ele se dirige aos iletrados, povo cortejado de forma vergonhosa nessa época cujos votos não podem faltar à urna.

Os heróis do Cazuza morreram de overdose; os meus viraram tubarões ou certo tipo de mamífero, é isso?! Bem vinda ao mundo real, diria alguém. Obrigada, pra isso não preciso de convites, a realidade se esfrega e cola na
gente, anyway. Mas até onde me é possível, não presto atenção em política, exceto quando alguém é pego com a boca na botija. Aff, já não sei o que fazer com meu voto. Por mais sorrisos que me mandem, não entrego assim tão fácil. Eu não acredito nem na pureza da urna eletrônica, #prontofalei. No Face, um amigo paulista posta a piadinha: “que sorte não ter que votar no Rio de Janeiro!” Eu tenho, e carrego o peso de um dia, movida pelo engodo da atenção ao interior do estado, ter votado em Garotinho.

Não temos sequer o benefício de confiar na “Ficha Limpa”, uma lei que existe e não vigora. Se o Arruda, de Brasília, e o Maluf, de São Paulo, podem ser candidatos, ai que preguiça. Tem aquele debate insípido também que diz pra não votar em branco que vai pra fulano e não votar nulo que vai pra ciclano, ninguém sabe exatamente a regra. Carlinhos Brown, acho que você conseguiu. No dia da eleição, terei que viajar: vou correndo ao TSE descobrir como justificar a ausência do meu voto na urna. E sem culpa de ser feliz!

*Que inspiração essa expressão de Ariano Suassuna!