Helio Fernandes
Tranquilo, sem demonstrar a menor possibilidade de ser pressionado, Celso de Mello começou a falar às 2h40, o tribunal demorou muito do almoço. Sabiamente, o ministro fez a primeira frase definidora: “Sou apenas mais um votante, que junto com os outros, decidirei, pois o resultado está 5 a 5”.
Saudou o novo procurador-geral, voltou a 67 anos do passado, “quando O Supremo voltou a funcionar depois do Estado novo”. Lógico, tinha que exaltar o cearense José Linhares, que fiou na presidência da República entre 29 de outubro de 1945 (fim do Estado novo) e a posse do marechal Dutra (depois da eleição de 2 dezembro do mesmo 1945).
Celso de Mello elogiou a excelente Constituição de 1946. (Que foi assassinada antes da maioridade, não chegou aos 18 anos).
Foi lendo e citando de memória, aumentando a veemência, mas sem “denunciar ou revelar” qualquer tendência. Exaltou o Supremo, sua importância, qualquer que seja a decisão.
A impressão nesse primeiro bloco: até a hora do lanche, geralmente às 4h30, o país todo continuará em suspense. Quem pode, está ligado no Supremo, pela televisão, rádio, internet e nas chamadas “rádios corredores”. Muita ansiedade até agora.
ADMISSIBILIDADE
Às 3h10, Celso de Mello deixa de lado o texto escrito, se volta para os ministros, fala duas vezes a palavra “admissibilidade”, mas ressalva e ressalta, “para o negativo ou positivo”, zero a zero em matéria de expectativa.
Exalta os embargos infringentes, cita Pontes de Miranda, grande constitucionalista, muito esquecido.
Durante 8 minutos, deu aula de Direito Criminal, e indo até o Império. Elogiou muito Bernardo de Vasconcelos, autor do Código Penal do Império (não disse que ele foi primeiro-ministro duas vezes), depois Eduardo Spinola, grande figura (nome da rua onde mora hoje cabralzinho).
Gesticulando muito, fala do ponto de vista “rigorosamente normativo”, lembra seus votos no passado, “a favor dos embargos infringentes, privativa das circunstâncias”.
Cita a Carta de 1967 e a de 69 (as duas da ditadura), mas com precisão incrível. Mostra datas, artigos, capítulos, e por aí vai. Alguma relação com o seu voto o como irá se manifestar? De modo algum. Tentativa de fazer suspense? Também não.
Existe hoje, em matéria de infringentes, “o domínio da lei e o domínio do regimento interno”. Mais ansiedade e menos proximidade com ele mesmo, Celso de Mello no ano passado.
Às 15h40, completando exatamente uma hora, cada vez mais tranquilo, sem beber um gole de água, lúcido e notável em matéria de memória, cita duas vezes a Constituição e o Legislativo, uma vez dizendo, “os embargos infringentes estão em vigor”, para logo depois concluir, não por ele mas pela “Carta Maior”, que “os infringentes foram abolidos”.
E agora? Vai para lá ou para cá?
QUANTO MAIS RECURSOS…
Brilhante, redundante, adjacente mas jamais imprudente, Celso de Mello pode desagradar a muita gente, mas está esclarecendo a todos, sem dúvida alguma. A interpretação do Direito e de sua aplicação, é sempre polêmica e até mesmo hostil e conflituosa. Se não fosse assim, não haveria julgamento e sim “manifestações do Poder não eleito”, como nas ditaduras citadas por Celso de Mello.
Nesse momento, afirma textualmente que “quanto mais recursos, maior a possibilidade de se fazer justiça”, um grupo quase festejou a “aceitação” dos infringentes. É possível, é possível, mas não para este repórter, que insiste em esperar, “é como voto, senhor presidente”. Não vislumbro, ainda, essa afirmação, por enquanto não cabal, pelo contrário, cambaleante”.
Às 16h10 Celso de Mello abandona o “rodeio” que eu disse agradava aos advogados de defesa, se define com a frase tão esperada: “Os embargos infringentes continuam válidos, segundo o regimento do Supremo”. Festa de um lado, movimentação perigosa nas ruas. Já definido o voto, Celso de Mello continua com a palavra, mas a ansiedade dos ministros é pelo fim de tudo, é hora do lanche, faltam 10 minutos.
E além da obrigatória prorrogação, como disse o brilhante Jorge Béja, faltam os recursos de revisão. E o também brilhante Fernando Orotavo, anteontem e ontem, me dizia: “Helio, o Celso de Mello, obrigatoriamente, tem que votar a favor dos infringentes. E tanto Béja quanto Orotavo não discutiam nem apostavam, reconheciam o IMPÉRIO e o DOMÍNIO da lei.
MAIS UM 18 DE SETEMBRO
Mocíssimo, secretário-adjunto da revista O Cruzeiro, fui fazer meu primeiro trabalho importante: cobrir a Constituinte de 1945, que promulgaria a bela Constituição de 46 (em 18 de setembro, justamente o dia de hoje).
Como a revista era semanal e os fatos, diários, escrevia um artigo assinado com meu nome e os outros, com pseudônimos. Durante sete meses e 17 dias, ia todo dia, lógico, mesmo sábados e domingos, ao belo Palácio Tiradentes.
Essa Constituição vinha depois da ditadura do Estado Novo e duraria menos de 18 anos, seria assassinada antes de atingir a maioridade. E este repórter jamais imaginaria que 67 anos depois ainda teria que me lembrar dessa Constituição, no momento em que se debate e se decide o que cabe ou não cabe em outra Constituição, também excelente e até magistral, a de 1988.
A PALAVRA DE JOAQUIM BARBOSA
“Há alguma coisa no ar e não são os aviões de carreira”, dizia o Barão de Itararé. Imitando-o, seria possível registrar: levaram 72 minutos no lanche, e não era o prazer de degustar e sim o desencanto de desgostar e desgastar a própria vontade, quase ia escrevendo vaidade.
Ontem eu dizia que, através do voto de Celso de Mello, ficaria decidida ou não a aplicabilidade, desculpem, o destino dos embargos infringentes. Era a parte legal e visível. Mas exista outra, mais importante, praticamente invisível e subterrânea. Qual seria? Elementar, o que chamei de disputa pela prorrogação do prazo ou do tempo para continuar o julgamento. E eu mesmo respondia; favorecidos os acusados com a aceitação dos embargos, o processo não teria limite nem precisão ou previsão de quando terminaria.
A melhor prova da confirmação da minha colocação: na discussão tão simples como se o prazo para os infringentes seria de 15 ou 30 dias, o relator foi novamente derrotado. Imaginem nas questões mais difíceis?
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PS – Visivelmente nervoso e inquieto, Joaquim Barbosa deu a sessão por encerrada novamente às 6h20, como na quinta-feira passada. Parece uma data-base, mas não é. Apenas estão confusos, e admitindo que o 6 a 5 pode se repetir, talvez não para o mesmo lado.
PS2 – É preciso não esquecer: quem votou a favor dos infringentes pode votar contra os acusados, ou vice-versa.
PS3 – Não se preocupem, quem sabe o Brasil ganha a Copa do mundo? Antes do fim do julgamento? Nem uma coisa nem outra.
PS4 – Agora começa tudo de novo, com Joaquim Barbosa fora da relatoria, substituído por Luiz Fux, aquele que pediu a José Dirceu para ser nomeado ministro e depois votou contra ele no processo do mensalão. Vamos em frente.