Vantagens da tirania

Rubens Nóbrega

Sempre fui um grande otimista. Por isso, procuro sempre uma compensação para tudo que encontro de ruim. A exceção é o bicho-homem, de quem não faço muita fé e do qual pode surgir outro que ofende seus semelhantes e a natureza.
O exemplo mais notório dessa má derivação é o tirano, aquela figura capaz de alterar profundamente a harmonia de um grupo, seja de uma nação ou apenas de uma simples cooperativa. Mas saibam que, apesar de tudo, o meu incorrigível otimismo encontrou utilidade até para essas figuras sinistras.
Antes de dizer pra que servem, contudo, vamos primeiro caracterizá-las um pouco, começando pela certeza de que todas têm o mesmo padrão. Chegam de mansinho, falando o que todos querem ouvir, geralmente se aproveitam de alguma crise, insinuam-se como a solução, o salvador da pátria ou, simplesmente, Ô Nôvo, Ô Moderno, Ô Grande Administrador.
Quando começam a botar as unhas de fora, a exalar arbitrariedades, a distribuir maldades, a se impor pela força, pelo ódio, a maioria, composta de pessoas simples e dependentes do poder público, não reage. Amedrontada, aceita pacificamente, agnus dei, ou se deixa corromper, aderindo e engrossando a base de sustentação do tirano.
Mas que vantagens eu vejo em um tirano? A principal é o bem que faz ao próprio grupo que oprime, pois exacerba o sentimento democrático em todos. Desperta também o antagonismo à tirania, motiva a luta contra e nos mostra quem é fraco, forte, autêntico.
O tirano faz bem às artes. Vocês não lembram como Chico Buarque, Ivan Lins e Milton Nascimento cresceram graças à ojeriza que sentiram pela ditadura militar?
O tirano ajuda a aprimorar as instituições, como a imprensa, que conquistou na marra as liberdades que hoje desfruta graças às ditaduras que por aqui passaram, e caíram. Porque todo tirano um dia cai. É inevitável. Seus dias estão contados.
Tirania dá e passa. Cabe à gente se agüentar, não se deixar vender, não se deixar abater. Um dia vamos gozar da figura. E vamos julgá-la. E, quando esse dia chegar, estaremos mais fortes e democraticamente revigorados, pois é para isso que pode vir a servir um tirano. Desde que a gente saiba tirar a lição.

Ô LÍDER
Ô Líder chegou de mansinho, como sempre faz para surpreender seus liderados (os camisa-laranja, que têm horror de cair em desgraça com Ô Líder). Rápido, todos se perfilaram, batendo os calcanhares e esticando o braço esquerdo em saudação:
– Heil, Rick! Heil, Rick! Heil, Rick! Heil, Rick! Sieg, heil!
– Pára! Pára! Pára com isso, pois o Sócio voltou, e a saudação volta a ser “Paz & Bem, Bicho!” – gritou Ô Líder.
– Mas, ó Ô Líder, você não jurou que ele não voltaria?!
– Infelizmente, não consegui garantir todos os compromissos.
– E agora, o quéquiagentefaz, ó Ô Líder? As pesquisas mostram que o seu apoio popular despencou, da eleição para cá. Temos que fazer alguma coisa. Não podemos ficar assim tão dependentes do sócio.
– I have a dream! E ganhei inspiração para manter o respeito do Sócio, e a nossa chama viva.
– E qual será essa inspiração, ó Ô Líder?
– Vamos fazer um anschsluss!
– Fazer um o quê?
– Um anschluss, a anexação de Pernambuco ao nosso Estado.
– Ah, ó Ô Líder! Pense noutro sonho, pois esse não cola: nós já estamos sendo anschluzados a Pernambuco!
– Tenho uma idéia! – disse outro – Vamos fazer uma nova Noite dos Cristais!
– Noite dos quê?
– Noite dos Cristais. Foi aquela em que quebramos o Aeroclube. Podemos ampliar. Não temos os endereços do pessoal do Fisco no nosso arquivo?
Ô Líder repreendeu:
– Menino, o que é que você anda lendo?!
E emendou, sossegando:
– Não se desesperem! Não se dispersem! Não me deixem só! Eu tive outra idéia, tenho certeza que é boa. Se não der certo, ao menos distrairá o povão. Bucha pra isso tem de sobra.
– E qual será a saída, ó Ô Líder?
– Vamos tomar o Rio Grande do Norte, primeiro, e depois o Ceará! Mais terra ao Norte e Oeste! O nosso lebensraum (espaço vital)! Vamos escravizar aqueles povos inferiores, que passarão a trabalhar de graça nos nossos shoppings e futuros condomínios verticais de Cuiá!
Aos gritos, entoando hinos e a passos de ganso, os camisa-laranja se espalharam pela Praça das Muriçocas. O resto, vocês podem imaginar.

O AUTOR
Os textos que vocês acabaram de ler não foram escritos pelo colunista. Vieram da fecunda e criativa lavra do meu amigo de fé, irmão e camarada Bicho Bom.