Uso de detentos em campanha eleitoral na PB fere a legislação

O caso já está sendo investigado pelo Ministério Público Eleitoral

Servidores e até apenados trabalhando em campanha; Onde está o Ministério Público?

Os detentos que cumprem pena em regime semiaberto não podem fazer atividades de campanha eleitoral. Eles só podem sair da prisão para um trabalho específico, do contrário podem perder o benefício e voltar ao regime fechado. Nas eleições deste ano vários presos que prestam serviço ao Detran-PB em regime de ressocialização, através do projeto ‘O Trabalho Liberta’, foram flagrados fazendo panfletagem para a campanha do governador Ricardo Coutinho (PSB). Por lei, eles só podem sair da prisão para trabalhar às 7h e retornar antes das 19h.

Fora do presídio, eles têm que andar na linha. Não podem ir – nem mesmo para almoçar – a mais de 100 metros do local de trabalho ou da casa da família; estão proibidos de consumir bebida alcoólica; não podem se envolver em conflito na rua ou com colegas de trabalho; o preso que perder o emprego, automaticamente, perde o direito de sair. “Se chegar ao conhecimento da Vara das Execuções Penais que houve desvio de função é cortado o benefício e ele volta ao regime fechado”, afirmou um jurista da área criminal consultado pelo Jornal da Paraíba.

Os presos mostrados no guia eleitoral do PSDB são integrantes do Programa ‘O Trabalho Liberta’, do governo do Estado, e prestam serviço no Departamento Estadual de Trânsito da Paraíba (Detran), onde deveriam passar o dia e retornar à prisão no período da noite, para dormir. Contudo, as imagens mostraram que logo no início da manhã, o grupo de presidiários incluídos no programa de ressocialização vai para as ruas segurar bandeiras e distribuir material de propaganda do candidato Ricardo Coutinho e da candidata à reeleição presidente Dilma Rousseff (PT).

“Eles são coagidos para distribuírem panfletos e adesivos nas ruas”, revela o narrador no guia eleitoral do PSDB, observando que os detentos deveriam trabalhar no Detran, mas são desviados de seu trabalho na repartição para fazer campanha.

As imagens mostram flagras em João Pessoa, no bairro de Mangabeira, de três apenados: Arlindo Odilon de Maria, condenado a 18 anos de prisão por latrocínio (roubo seguido de morte); Durval Mariano Arcoverde, que cumpre 55 anos por latrocínio, homicídio e roubo qualificado, além de Manoel Nunes Pereira, que foi sentenciado pela Justiça a cumprir 16 anos de detenção por homicídio.

A coligação “A Vontade do Povo”, encabeçada por Cássio Cunha Lima (PSDB), irá entrar com representação no Ministério Público Federal contra o candidato à reeleição, Ricardo Coutinho (PSB), por utilizar presos do regime semiaberto em atividades de sua campanha. O coordenador jurídico da coligação, Harrison Targino, disse que as imagens mostram que houve abuso de poder político, econômico e de autoridade, cometido pelo atual governador. Por isso, a coligação vai acionar o MPF e entrar com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije).

MPE APURA ABUSO DE PODER POLÍTICO
O caso já está sendo investigado pelo Ministério Público Eleitoral, que abriu ontem um procedimento a fim de apurar eventual abuso de poder político por parte do governador Ricardo Coutinho, “por ter supostamente utilizado presidiários que fazem parte do projeto de ressocialização “O Trabalho Liberta”, da Secretaria de Administração Penitenciária deste Estado, em sua campanha eleitoral”.

A Procuradoria Geral Eleitoral (PGE) determinou a realização de diligências junto à Secretaria de Administração Penitenciária do Estado a fim de esclarecer a situação prisional dos detentos e também a questão do gozo do regime semiaberto, como forma de verificar a escala de trabalho deles e onde eventualmente prestam serviço durante o dia.

Também será solicitada cópia da gravação exibida no guia eleitoral do PSDB, para a partir daí começar a ouvir as pessoas flagradas fazendo panfletagem em prol da campanha de Ricardo Coutinho. “Uma coisa é você estar fora do horário de trabalho e fazendo uma atividade espontânea, outra é você ser coagido a fora do trabalho ou mesmo no horário de trabalho estar fazendo esse tipo de ato. Aí sim configuraria uma irregularidade eleitoral e a gente vai tentar identificar de quem partiu essa determinação”, afirmou o procurador regional eleitoral, Rodolfo Alves.

Ele informou que caso constatado o uso indevido de apenados, a PGE ingressará com uma ação que pode resultar na cassação do mandato do governador. “Caso se chegue a um ambiente de maior gravidade, entraremos com uma ação de investigação judicial com a conse-

quência relacionada à inelegibilidade e eventual cassação de mandato”, afirmou. O promotor da Vara das Execuções Penais, Nilo Siqueira, disse que também abriu investigação para apurar o caso. “No âmbito da Execução Penal, eu vou instaurar um procedimento para escutar os presos que estavam fazendo essa panfletagem”.

MPT TAMBÉM DEVE ABRIR INVESTIGAÇÃO
O Ministério Público do Trabalho também vai abrir uma apuração paralela, segundo informou o procurador do Trabalho, Eduardo Varandas. Ele disse que a denúncia é extremamente grave e tem que ser investigada, já que há indícios de que existe um desvirtuamento do projeto de ressocialização.

“Eu comuniquei ao procurador-chefe para que ele faça a distribuição para algum procurador a fim de verificar as repercussões trabalhistas da ilicitude”, disse. Para Varandas, é preciso apurar se há burla às regras do Código de Processo Penal e exploração indevida do trabalho dos presos com fins eleitoreiros. “Eu nunca vi trabalho de ressocialização em campanha eleitoral”, afirmou.

‘O TRABALHO LIBERTA’
O Projeto ‘O Trabalho Liberta’ é uma ação do governo do Estado desenvolvida pela Secretaria da Administração Penitenciária na concretização da política de humanização do Sistema Penitenciário da Paraíba. Foi criado em 1991 e regulamentado em 1996.

É um projeto que se destaca pela sua importância no processo reeducativo de cada sentenciado, buscando alternativas de solução através do trabalho, colocando-o como condição viabilizadora na preparação do reeducando ao retorno do convívio social. Tem como objetivo promover o processo de reeducação da massa carcerária, através da inserção da mão de obra prisional no mercado de trabalho de forma produtiva e remunerada, principalmente na área de serviços gerais.

Os órgãos conveniados com o programa são Cagepa, Cehap, Detran-PB, Jornal A União, Secretaria da Administração, Sudema, UEPB, IASS e Funad, dentre outros.

Jornal da Paraíba