Uma vergonha nacional

Nonato Guedes

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinícius Furtado, aborda com objetividade, em artigo veiculado no jornal “O Globo”, a vergonha nacional traduzida pelos presídios. No comentário, intitulado “Muito além do ridículo”, o dirigente da Ordem lembra que, certa vez, ante o espanto da opinião pública com a violência de uma rebelião de presos, o memorável jurista Evandro Lins e Silva saiu-se com esta: “espantoso, mesmo, é que os detentos enjaulados em condições subhumanas não estejam realizando mais motins pelo país afora”. Lins, como lembra Furtado, era um humanista por excelência, e sempre achou equivocada a política penitenciária que é adotada no Brasil.

Não havia ironia no que disse. “Com mais de 500 mil presos, o sistema atual tem capacidade para receber pouco mais de 300 mil. O que sobra fica amontoado em celas fétidas, sujeito à disseminação de doenças e, o que é pior, a mais violência. Como é possível imaginar que um ser humano se adapte a tais condições?”, indaga Furtado. Aqui mesmo, na Paraíba, recentemente, ganharam repercussão em portais noticiosos credenciados as cenas chocantes de detentos que se amontoavam em celas que recendiam a fezes, num tratamento absolutamente desumano que se julgava difícil de ocorrer nesses tempos em que as cobranças sociais são mais fortes. Coube ao Conselho Estadual de Direitos Humanos fazer ecoar a denúncia, com imagens verdadeiramente brutais. O site “Congresso Em Foco” abriu espaço para a denúncia.

O presidente da OAB nacional observa que do outro lado dos muros das prisões, temos uma sociedade acuada pela escalada da violência urbana, que prefere imaginar que lugar de bandido é na cadeia, deixando o Estado à vontade para varrer a sujeira tapete abaixo. Construir presídio e dar tratamento digno ao preso não rendem votos. Punir, sim, essa é a lógica que infelizmente impera. Daí porque, acrescenta Furtado, se discute tanto um novo Código Penal como se fossem frouxas as 117 leis penais especiais e os 1.770 crimes tipificados de que dispomos, inclusive, trazendo de volta a ideia de redução da maioridade penal que, na prática, significa transformar menino em delinqüente e sujeitá-lo à crueldade das prisões. “Nada mais autoritário. O que a juventude precisa é de amparo, de oportunidade, de educação, e não de medidas que visem a puni-la”, diz ele.

Na sua opinião, a sociedade não pode virar as costas ao drama dos presídios. “O que fizermos para equacioná-lo terá, com certeza, reflexos positivos aqui fora. Partindo do pressuposto de que a Constituição contém garantias explícitas para proteção da população encarcerada e procura reprimir os maus tratos, as torturas e as condições desumanas a que é submetida. A Declaração de Direitos Humanos, por sua vez, preconiza que ninguém poderá ser submetido a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”, expõe o presidente da OAB. Como ele deixa claro, há muito a fazer. Além de buscarmos as raízes da criminalidade, educar ou reeducar o presidiário é uma forma de inclusão, contribui para a criação de uma nova personalidade. Ao lado disso, os apenados possuem o direito ao trabalho, que tem finalidade educativa e produtiva. “Sob todos os aspectos – enfatiza – precisamos promover uma verdadeira revolução nesse campo, uma mobilização forte no sentido de abolirmos a pena privativa de liberdade de determinados crimes e uma reformulação completa no sistema prisional do país”.

Marcus Vinícius Furtado diz que a alocução que prega a reclusão como forma de “ressocialização” de criminosos ultrapassa a raiz do fingimento tolerável. No Brasil, ultrapassa o ridículo. “Cabe a nós mantermos vivo o desejo altruísta de justiça, o desejo de fazer do mundo da sociedade um espelho do mundo da essência, pois o homem não pode viver sem a sociedade e sem o homem não há sociedade”. A situação será resolvida quando o verdadeiro estado democrático deixar de ser apenas uma previsão constitucional, ou seja, quando passar a garantir o cumprimento dos princípios para todos os brasileiros, principalmente em relação à dignidade humana, e não simplesmente exercer a violência legítima, oficializada”.

De novo, como ele conclui, a pertinência da lição de Evandro Lins, que dizia: “Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinqüente”. O mestre tem razão, assinala. E e eu assino abaixo.