Um mal desnecessário

Rubens Nóbrega

Alguns amigos perguntaram pessoalmente ou ligaram para saber a saúde de minha filha caçula e da minha mulher, protagonistas (ou vítimas) da ‘urgência sem urgência’ com que foram atendidas na terça-feira (13) em um grande hospital privado da Capital.
Fiz o relato desse atendimento na coluna de anteontem, causando preocupação sincera e fraterna entre os mais chegados. E desses contatos brotou naturalmente a ideia, mais uma necessidade, de voltar ao assunto. Voltar para fechar a história e dizer a todos que até ontem as duas estavam mais ou menos bem, pelo menos em melhor estado do aquele com que foram atendidas.
Volto ao caso também por intuir que essa pequena tragicomédia pequeno-burguesa não é privilégio do colunista e familiares. Eventos como esse são comuns a milhares de famílias de classe média que pagam plano de saúde privado. Pagam porque em tese não encontram assistência médico-hospitalar com um mínimo de presteza e eficácia na rede pública, onde os impostos e taxas cobrados pelo governo, tão diversos quanto pesados, raramente conseguem prover serviços eficientes, de qualidade.
Mas as diferenças entre os sistemas público e privado tendem a desaparecer, pelo visto. Do jeito que vai, se o prefeito eleito botar mais três Upas na cidade, como prometeu na campanha, essas urgências privadas – e quem sabe até os planos de saúde que as sustentam – se transformarão em um mal desnecessário no médio prazo.
É previsão baseada no que vi, ouvi, senti e depois refleti quando deixei aquele hospital na terça à noite, precisamente às 22h06, concluindo uma estressante jornada que começara exatamente às 17h44.
Atendimento leva quatro horas

Guardei os horários exatos de entrada e saída na Urgência porque fui obrigado a guardar o carro no estacionamento pago do hospital. Nos quarteirões do entorno, imagino que até ciclista tenha dificuldades de encontrar vaga para estacionar. Além disso, além do dado irrefutável para os meus arquivos, os tickets de ingresso e liberação do estacionamento deram-me conta de que o atendimento de ‘urgência’ durou nada menos que quatro horas.
Aí vem a questão: como é possível passar quatro horas dentro de uma urgência hospitalar para sair de lá sem ter ciência nem certeza do que realmente a pessoa tem, qual a sua doença real e em que estágio se encontra e ainda com sérias dúvidas sobre a validade dos procedimentos e medicamentos que lhe prescreveram?
Com todo respeito à categoria médica, penso e digo, primeiramente, que não é preciso ser médico ou gênio para presumir, por exemplo, que hemogramas e raios X não devem ser feitos sistematicamente, diria até indiscriminadamente, em qualquer um que chegue com sintomas de gripe, falta de ar ou algum distúrbio respiratório qualquer.
Da forma como passam e fazem tais exames na tal Urgência, não tem como sair de lá com menos de três ou quatro horas. Porque você espera uns vinte minutos pela coleta do sangue, depois de 20 minutos a hora meia pelo resultado, a depender do movimento. E se a Urgência estiver lotada, como sempre está, prepare-se para ter paciência de esperar o raio-X e mais ainda o laudo chegar às mãos do médico que o solicitou ou deixou pro colega substituto ver, afinal, se deu alguma coisa.

Exames seriam só pra faturar?

Geralmente os exames dão em nada. O de sangue ou o raio-X. Resultado que deixa o freguês com a sensação de que aquilo é mais para manter o faturamento do laboratório de análise e do centro de diagnóstico, que devem agregar valor à saúde financeira do plano de saúde, não à saúde de quem paga os exames.
Uma amiga médica com quem falei sobre minhas desconfianças procurou defender os colegas passadores de exames aparentemente inúteis. Disse que muitas das vezes o encaminhamento é o recomendado para dar mais segurança tanto ao diagnóstico como, sobretudo, ao próprio paciente. Muitos deles, disse, acham-se mal atendidos, incompletamente atendidos, quando não submetidos a qualquer tipo de exame.
A Doutora a quem fiz a consulta admitiu, contudo, a possibilidade de tais exames servirem, sim, ao atingimento de uma possível meta per capita de faturamento que o plano de saúde fixe para o seu próprio ambulatório em matéria de procedimentos. De qualquer sorte, pelo que entendi, com ou sem meta de faturamento estabelecida para cada médico da urgência, o laboratório e o centro diagnóstico se pagam atendendo apenas ao hospital, graças à demanda por exames em pacientes internados no hospital.
Resumindo, sob tais pressupostos e conseqüências, ninguém escapa de um hemograma, de um raio X, ultrassom… Por uma precisão de verdade ou inventada.
Por que não dou nome aos bois

Para não fazer publicidade opressiva… Como se trata da avaliação leiga acerca de um serviço profissional complexo, e também porque não tive como solicitar respostas aos questionamentos e críticas aqui apresentados, não identifico o hospital onde mulher e filhas foram atendidas.
Ressalvo, contudo, que as falhas de atendimento e eventuais decepções com a qualidade do serviço prestado naquela Urgência decorrem certamente das sofríveis condições de trabalho e insuficiência de força de trabalho. Jamais da competência ou da capacidade de trabalho do pessoal que nos atendeu.