Um feudo petista?

Nonato Guedes

No livro “Quem disse que não tem discussão?”, o cientista político Alberto Carlos Almeida, autor do best seller “A cabeça do brasileiro” e de “A cabeça do eleitor”, trata de religião, futebol e, naturalmente, de política. Num dos seus escritos, ele discorre sobre o potencial eleitoral amealhado pelo Partido dos Trabalhadores no Nordeste. Não chega a insinuar que a região seja um feudo petista, mas no fecho da análise diz que o Nordeste é crucial para se entender a força nacional do PT. Afinal, acrescenta ele, trata-se da última região na qual o Partido dos Trabalhadores conseguiu entrar quando ainda era um partido pequeno. E trata-se da região da qual o PT jamais sairá, conforme seu vaticínio.

O Nordeste, diga-se de passagem, já foi uma cidadela da Arena e do seu sucedâneo, o PDS. Lembro de uma polêmica travada entre Tancredo Neves e Wilson Braga depois que ambos se elegeram aos governos em 82 – Tancredo em Minas Gerais pelo PMDB, Wilson na Paraíba pelo PDS. Naquela disputa, o PMDB abocanhou o controle dos Estados que compunham o chamado PIB nacional, dividindo o quinhão com outras legendas de oposição, como o nascente PDT de Leonel Brizola no Rio. Isto levou Tancredo, num momento de infelicidade, que era raro na sua trajetória, a qualificar o PDS como um partido nordestino, dando a entender que o subdesenvolvimento da região contribuía para a falta de politização. Wilson reagiu, num rompante, chamando Minas de gigolô da economia nacional e ameaçando propor a retirada daquele Estado do Conselho Deliberativo da Sudene, que se reunia com regularidade no Recife. Ficou na ameaça, para sermos justos.

Para Alberto Carlos Almeida, a eleição de 2006 consagrou um novo e permanente padrão de votação no Brasil: onde a sociedade é maior do que o Estado – região Sul, São Paulo e todo o Centro-Oeste, com exceção de Brasília, é claro – venceu o candidato tucano a presidente da República, Geraldo Alckmin. Onde o Estado é maior que a sociedade, Lula derrotou Alckmin: Norte, Nordeste, Rio de Janeiro e Minas Gerais. De todas as vantagens regionais entre os dois principais candidatos, a maior delas deu-se exatamente no Nordeste: Lula obteve 66,8% dos votos válidos, e Alckmin 26,1%. Em números absolutos, isto significou pouco mais de 10 milhões de votos de um total de quase 28 milhões de nordestinos que foram às urnas. Entre as interpretações sobre a origem da votação atribuída a Lula, o cientista cita dados de pesquisas qualitativas e quantitativas mostrando que o eleitor nordestino achava, e ainda acha, que Lula é do Nordeste.

Ele descreve assim o fenômeno: “O fato de a carreira política de Lula ter sido feita em São Paulo é algo inexistente para os nordestinos. Isso é conseqüência de outro fenômeno: a percepção local de que nunca ninguém, na história recente do Brasil, tinha feito alguma coisa pelo Nordeste. Lula é apontado como o primeiro que se preocupou especificamente com o povo da região. Essa percepção já havia estado presente em 2006 e nos quatro anos subseqüentes”. A avaliação é correta. Lula é identificado, entre os nordestinos, como o retirante que migrou para a metrópole (São Paulo) a fim de sobreviver, como fazem tantas famílias de nordestinos pobres. Ainda agora, com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, ameaçando entrar no páreo pela presidência, foram feitas simulações em Estados do Nordeste. Dilma, por força do prestígio de Lula na região, largou na frente nas projeções simuladas, inclusive, em Pernambuco, onde o governo federal investe forte para contrabalançar iniciativas de Campos.

Alberto Carlos Almeida sugere que se Lula tivesse sido candidato a presidente em 2010, provavelmente teria mais votos do que teve em 2006 no Nordeste. Em setembro de 2006, às vésperas da eleição, o governo Lula no Nordeste tinha uma avaliação de 60% na soma de ótimo e bom. Em maio de 2010, a soma de ótimo e bom de Lula no Nordeste atingiu a marca de 90%. Na edição de “Valor Econômico” de cinco de maio de 2010, havia uma matéria mostrando que o crédito pessoal tinha tido uma expansão recorde nesta região, a maior entre todas as regiões do Brasil. “É bem possível – especula o cientista – que qualquer indicador econômico comparativo mostre, nos últimos anos, que o Nordeste se sai melhor do que todas as demais áreas do país”. Por trás disso, está, seguramente, o investimento maciço que a administração petista, agora com Dilma, continua fazendo em benefício dos nordestinos, o que garante, em tese, uma performance positiva na candidatura dela à reeleição.