Um Chico exemplar

Rubens Nóbrega

Tem coisa melhor do que saber e reconhecer o bem que uma pessoa de bem faz ou fez? Digo-lhes com toda sinceridade: é das coisas que mais gosto fazer neste ofício. Gratifica-me particularmente referenciar e enaltecer seres extraordinários que conheço, conheci, tenho ou tive a felicidade de com eles conviver.

Penso que assim contribuo um pouquinho para melhorar a auto-estima dos meus contemporâneos, mostrando-lhes que nem tudo está perdido e ainda é possível apostar no êxito da aventura humana na Terra em razão de humanos que compartilham o nosso tempo para servir de exemplo aos semelhantes.
Exemplo pelo caráter, honradez, hombridade, seriedade, probidade e todas as demais qualidades que dignificam um homem ou uma mulher em sua vida privada ou pública. E posso garantir que não estou sendo saudosista nem me refiro a uma raça em extinção. Os justos e generosos são muitos, na verdade.

A grande maioria é honesta, digo na maior tranquilidade. Embora admita que essa mesma maioria parece que só dá fé dos maus, dos poucos que não prestam e se destacam pelo mal que fazem.

Dito isso, agora vou chegar aonde quero chegar. Estou dizendo essas coisas para lembrar que em homenagem aos viventes modelares, irrepreensíveis, criei tempos atrás uma Galeria das Figuras Exemplares, que retomo hoje para mais uma vez homenagear um dos mais ilustres membros desse rol.
Refiro-me a Francisco Floriano da Nóbrega Espínola, o saudoso e sempre reverenciado Desembargador que ano que vem – começo de maio, se não me falha e memória pouca – completa cem anos de sua estreia no mundo. Por este centenário será alvo de justas e merecidas homenagens do Tribunal de Justiça do Estado, do qual foi presidente e um de seus mais paradigmáticos juízes. Deverá ser homenageado também pela UFPB, da qual foi Professor de Direito Penal, meu Professor.

Chico sem medo
Enquanto familiares e amigos se preparam para o centenário do inesquecível Chico Espínola, vale muito a pena trazer a este espaço o que João Fragoso testemunhou no último dia 15 em Sapé durante reunião das Comissões Nacional e Estadual da Verdade. Vejam adiante o que ele mandou dizer por i-meio a Humberto Espínola, filho do venerável Desembargador, mencionado de forma carinhosa, respeitosa e reconhecida pela Doutora Ofélia Gondim naquela audiência.
***
Humberto, meu irmão, ontem, 15/07, participei em Sapé de audiência das Comissões da Verdade, Nacional e Estadual, onde foram ouvidos depoimentos de pessoas ligadas às Ligas Camponesas em 1964. Um depoimento muito aguardado foi de Ofélia Amorim, advogada em Campinas-SP.

Não sei se você teve a oportunidade de conhecê-la em João Pessoa. Ela, em 1964, era uma linda jovem recém formada em Direito e advogava para as Ligas Camponesas, fazendo muitas inimizades entre os latifundiários e ficando marcada pelos militares. De forma que, ao estourar o golpe, ela passou quatro meses presa e teve que ir para São Paulo, porque aqui não tinha mais oportunidades.

Mas o importante é que em seu depoimento ela contou que processos das Ligas não caminhavam, ficavam emperrados, arquivados na Justiça. Acontece que resolveram procurar um desembargador que deu prosseguimento a todos os processos de sua alçada. Nesse ponto ela fez uma pausa, emocionou-se e disse: “Sabem que era esse Desembargador?”. Ela mesma respondeu: “Era o Desembargador Francisco Espínola”.

Meu irmão, eu me emocionei, não somente por ele ser seu pai, mas, sobretudo, porque vi a integridade e a honestidade serem premiadas, com aplausos de pé de muitas pessoas que não chegaram a conhecê-lo. Foi o único Juiz mencionado.

Veja, Humberto, o homem de valor vive ressuscitado entre nós. O Desembargador Francisco Espínola agora estará – se é que já não está – registrado nos anais das Comissões Nacional e Estadual da Verdade como um jurista que não teve medo de enfrentar o sistema e não será mais esquecido.

Parabéns, você é herdeiro de direito, mas, sobretudo, de fato, por ser um seguidor do seu pai. Um grande abraço,
João Fragoso.

João e Humberto
João Fragoso era dirigente estadual do Partidão (PCB) quando a ditadura militar que se instalou em 64 o pegou de jeito. Cassou-lhe o direito de continuar trabalhando no BNB, do qual era funcionário de carreira, mas não lhe fez arredar um milímetro de suas convicções e do ativismo em favor e defesa da democracia e das liberdades civis. Pelo visto e lido há pouco, mantém-se na trincheira militante das boas causas e por isso carrega em sua inteligência toda a sensibilidade que facilita identificar os bons e os melhores feito Chico Espínola.

Humberto Espínola, procurador aposentado do Distrito Federal, trabalhou por muitos anos no Ministério da Justiça, em Brasília, servindo especialmente ao Conselho Nacional de Direitos Humanos. Membro titular por vários mandatos daquele colegiado, entre outros casos de irrefutável repercussão atuou como investigador do CNDH para chegar aos culpados pelas atrocidades do Massacre de Carajás. Paraibano da gema, também esteve por aqui cerca de cinco anos atrás apurando barbaridades que aconteciam (e não deixaram de acontecer, diga-se) no sistema penitenciário estadual.