ÀS 5H DA MANHÃ de terça-feira, acordei com uma ligação da promotora Letícia Petriz, do Ministério Público do Rio. Ela quis me avisar, em primeira mão, que haviam sido presos dois suspeitos de matar minha irmã, Marielle, e seu motorista, Anderson. Descobrir o rosto das pessoas que tiraram a vida deles não é nada fácil e nem motivo para comemoração. Ao mesmo tempo, a notícia da prisão tem um sabor de esperança.
Minha vida mudou drasticamente depois da morte da Marielle. Soube disso assim que fui no IML, Instituto Médico Legal, para reconhecer o corpo dela e me vi cercada por dezenas de jornalistas. Na hora, percebi que se tratava de algo bem maior do que o meu sofrimento e o da minha família. Virei uma figura pública da noite para o dia. E também sofri diversos ataques na internet e na rua – o pior deles ocorreu durante o segundo turno das eleições de 2018.
Independentemente de ideologia ou posição política, a vida da minha irmã foi tirada. Uma vida ceifada. Ela tinha filha, pais, família. Infelizmente, hoje as pessoas não estão nem aí para isso. É assustador pensar que tem gente que comemora a morte dela.
A Marielle era uma mulher forte, uma líder. Era o ponto de equilíbrio da nossa família. Desde muito cedo, assumiu a responsabilidade de me cuidar. Era ela quem ia nas reuniões da minha escola, me levava e trazia de vários compromissos. Se eu tive a oportunidade de fazer mestrado e jogar vôlei nos Estados Unidos, foi porque ela trabalhava em dois turnos para ajudar a pagar. Houve vários momentos em que pensei em desistir e largar tudo. E ela foi uma das pessoas que me incentivou a seguir até o final.
Nós éramos muito próximas, e sempre estivemos juntas no nosso ativismo político. Ela do lado de dentro, e eu do lado de fora. Tenho vivas as lembranças da gente fazendo campanha no Complexo da Maré para o Marcelo Freixo, lá em 2006. Lembro também quando ela me enviou a prévia do famoso discurso do Dia das Mulheres, em 8 de março de 2017. Na Assembleia Legislativa do Rio, a Alerj, ela escancarou a violência sofrida por mulheres como Cláudia Ferreira, Jandira Cruz, Elisa Samudio, Maria da Penha. Depois que ela lia cada nome, as mulheres do plenário gritavam “presente!”. Ela morreu pelas mãos de homens como os que ela denunciava. E, um ano depois, esse mesmo grito de resistência foi entoado por milhares de pessoas que lamentaram sua morte.
É por tudo isso que a gente segue repetindo o nome dela. Reduzi minha carga horária como professora e, com a ajuda de muita gente querida, criamos o Instituto Marielle Franco para manter vivo o seu legado. Nossa missão é realizar a formação política de jovens por meio da memória dela. Não nos interessamos em formar militantes partidários, mas de ensinar às pessoas como é possível melhorar as condições das suas próprias comunidades. Além disso, queremos ajudar as mulheres negras e a juventude negra, que é escorraçada aqui no Rio. Os projetos ainda estão em fase de construção.
De certa forma, é surpreendente ver o reconhecimento mundial que o caso da minha irmã teve. Nunca imaginei que dividiria a mesa com o presidente da França, Emmanuel Macron, ou que me reuniria com as ministras canadenses. Ou que falaria com a filósofa e ativista americana Angela Davis na casa dela. Foi muito importante me sentir abraçada e acalentada por pessoas de lugares e realidades tão distantes. Isso só mostra o quão importante foi o trabalho e a atuação da minha irmã.
É muito difícil estar na pele da família da Marielle. Todos se acham muito íntimos da gente, mas ninguém sabe nossas dores. Tem muitas coisas que tivemos que engolir diariamente durante este último ano. Se tem algo que gostaria de dizer às pessoas, é que continuem mandando essas energias positivas para nós. A justiça vai chegar.
Fonte: The Intercept
Créditos: Anielle Franco