Trauma: um contraponto

Rubens Nóbrega

Tenho criticado frequente e duramente a terceirização do Hospital de Trauma da Capital pelo Ricardus I. Mantenho as críticas e me sinto ainda mais estimulado a fazê-las quando vejo instituições da credibilidade do Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal empenhadas em resgatar o caráter público de uma função essencial de Estado que é prover bons serviços de saúde para a população.

Mas vejo também muita gente boa e crédula apoiando a iniciativa do atual governo. Gente fina, elegante e sincera como José Ataimar da Nóbrega Lucena, qualificado autor do contraponto que compartilho com vocês adiante. Ele defende enfaticamente a manutenção da Cruz Vermelha à frente de um serviço que, entende este colunista, deveria ser realizado direta e exclusivamente pelo governo, sempre. Afinal, não está escrito em canto nenhum do mundo que governo está proibido de administrar hospital público com um mínimo de competência.

Mas o espaço hoje é do nosso valioso colaborador, que fundamenta suas opiniões com dados fornecidos pelos próprios gestores do Trauma. Ainda assim, pela qualidade do texto, a colaboração merece registro e publicação, inclusive porque enriquece esse debate e oferece aos demais leitores mais uma oportunidade de manter ou reformular suas opiniões e visões em torno dessa questão.

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Caro Rubens, li sua coluna do dia 18 último, intitulada “Agora é com o MPF”, que relata a luta sistemática e incessante do Ministério Público Federal (MPF) e do Ministério Público do Trabalho (MPT) em promover o distrato do Convênio de Gestão Pactuada celebrado entre o Governo do Estado e a Cruz Vermelha Brasileira, firmado no primeiro semestre de 2011, no valor de 7,2 milhões de reais/mês, tendo como objeto o custeio/manutenção do Hospital de Estadual de Emergência e Trauma de João Pessoa.

As alegações do Ministério Público contra essa parceria público-privada são: ausência de comprovação de competência técnica da Cruz Vermelha, falta de justificativa plausível do contratante por optar pela contratada e a inexistência de planilha detalhada do valor do contrato firmado. Por seu turno, o Ministério do Trabalho apontou em auditoria naquela repartição pública o seguinte: sonegação de FGTS, retenção indevida de carteira de trabalho e indícios de assédio moral.

Temos a convicção de que os óbices contratuais e os desvios de conduta incompatíveis com a relação capital/trabalho podem ser sanados mediante solicitação de documentação comprobatória e confecção de aditivo contratual ou, ainda, com aplicação de medidas coercitivas e punitivas legais, se for o caso.

Por outro lado, o prezado jornalista classifica o pacto gerencial em questão como “uma sangria de dinheiro público” que, provavelmente, desemboca nos bolsos das partes envolvidas nesse contrato. Outros segmentos sociais, tais como sindicatos, conselhos de classes e alguns políticos demagogos/mistificadores rotulam esse Acordo de Gestão Bipartite de “uma terceirização dos serviços públicos de saúde do Estado”, descabida e contratada a preço de ouro.

Para nos contrapormos às suas declarações, resolvi fazer uma análise simplista do fato, tendo como ferramenta a Relação Binária. Tomamos como parâmetros os indicadores de procedimentos/atendimentos realizados pelo Hospital de Trauma da Capital no mês de março/2012 (fonte: hospitaldetrauma.pb.gov.br). Em seguida, dividimos o valor do contrato de 7,2 milhões de reais/mês (Fonte: Jornal da Paraíba, 18.07.12) pelo número de procedimentos/atendimentos realizados no mês em questão que foi de 42.314 atendimentos. Este número reflete o total geral de atendimentos nas seguintes áreas: Exames Laboratoriais, Diagnóstico por Imagem, Psicologia, Serviço Social, Cirurgias, Anestesias e Internações na UTI. O quociente desta operação matemática nos dá um custo médio de aproximadamente R$ 171/atendimento. Esta cifra equivale ao valor de três consultas pagas pela Unimed a um médico credenciado.

Ainda a razão entre o somatório de atendimentos e os dias trabalhados no mês de referência (31 dias) dá um índice de produtividade de 1.411 atendimentos/dia, número bastante expressivo. Ademais, o alto grau de satisfação dos pacientes ou de seus familiares pelo atendimento daquele hospital é de 96% (referência: março/2012).

Face ao exposto, vejo e enxergo essa ação/atitude do Governador como um experimento inovador e promitente com a possibilidade de tirar a médio/longo prazo os hospitais da rede pública estadual da baixa produtividade, da baixa eficiência resolutiva e da irracionalidade na aplicação dos recursos. No Gerenciamento Compartilhado, o hospital passa a ter um “dono efetivo” e tal condição inibe as faltas injustificadas ao trabalho de servidores da carreira administrativa e técnico-científica, além de minimizar os efeitos do corporativismo hipocrático, tão presente e nefasto nessas repartições públicas. Outrossim, a prática tem nos mostrado que a maioria dos funcionários públicos (municipal, estadual e federal) é apena solícita e produtiva durante o estágio probatório; depois desse intervalo de tempo, tende à nulidade. Talvez a observação desse fato tenha induzido o Governo Federal a criar a Ebserth (Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares) para gerenciar os Hospitais Universitários (HUs).

Por fim, fico torcendo para que o Ministério Público e o Ministério do Trabalho tirem a toga do embate e vistam o avental do entendimento adornado com a legalidade, para que, juntamente com o nosso Mandatário Maior, nos propiciem uma saúde decente e eficiente. Afinal, ela é um serviço essencial e um direito constitucional.
Na coluna de amanhã

Cássio Cunha Lima desmonta lorota de um bilhão de reais.