Trajetória conturbada

Rubens Nóbrega

Como diriam lá em Bananeiras, eles “mexeram com o povo errado”. Povo, no caso, vem a ser os bancos que denunciaram ao Tribunal de Justiça do Estado e à Ordem dos Advogados do Brasil na Paraíba (OAB-PB) o esquema desbaratado ontem em João Pessoa pela Polícia Federal na chamada Operação Astreinte.

Através de advogados super experientes, competentes e caríssimos, quase todos os bancos que operam o mercado de empréstimos consignados na Paraíba foram surpreendidos de dois anos pra cá com uma avalanche de liminares que bloqueavam pagamentos de quem lhes devia e ainda sofriam multas pesadas por descumprimento da ordem judicial da qual, em tese, demoravam ser notificados. Aí, não deu outra: caíram de pau em cima da turma que lhe armara tamanho e continuado prejuízo.

Na Capital, segundo as acusações acolhidas pela Justiça, a usina de liminares funcionava a pleno vapor no 2º Juizado Especial Misto de Mangabeira, onde dava expediente o juiz José Edvaldo Albuquerque, preso ontem pela PF juntamente com um delegado de Polícia Civil, quatro advogados e quatro servidores da Justiça Estadual.

Pra vocês terem uma ideia, um dos advogados participantes do esquema, Dino Gomes Ferreira, “conseguiu a façanha de, mesmo através de distribuição eletrônica, ter 412 dos 420 processos que patrocina serem distribuídos para o 2º Juizado Especial de Mangabeira”, segundo levantou fonte da coluna. Vários desses processos eram super agilmente despachados, mediante concessão de liminar que vinham redigidas numa espécie de texto-padrão.

Algumas dessas decisões, prolatadas pelo juiz Edvaldo, tinham no mínimo um quê de inusitado ou exagero, como aplicação de multa de R$ 13 mil num processo onde se discutia um empréstimo pago em parcelas de 59 reais descontados no contracheque do tomador. Em outro, o magistrado aplicou multa de R$ 33 mil (e mandou o advogado resgatar a quantia, bem superior ao teto de 40 salários mínimos previstos para ações em juizados especiais).

Diante da recorrência de casos como esses, os representantes dos bancos passaram a monitorar as ações do grupo preso e suas liminares, juntaram documentos e provas e foram à OAB-PB, que por sua vez apresentou denúncia à Corregedoria de Justiça, onde já corria um inquérito que tinha como investigado o juiz Edvaldo.

DPVAT: o fio da meada

Muitos dos leitores da coluna devem estar lembrados da Operação Sinistro, deflagrada pela PF no dia 14 de junho de 2012. Naquela data, três advogados foram presos em João Pessoa sob a acusação de se apropriarem indevidamente de indenizações cobertas pelo seguro DPVAT, também conhecido como ‘Seguro Obrigatório’, que serve para cobrir danos pessoais decorrentes de acidentes de trânsito. É coisa que a gente paga todo ano ao renovar o licenciamento do carro.

Pois bem, as investigações sobre a chamada ‘Gangue do DPVAT’ conduziram à suposta participação do juiz Edvaldo também nos crimes atribuídos aos três advogados e outros que recebiam o dinheiro do seguro de clientes que sequer sabiam do andamento de tais processos. Para tanto, os acusados recebiam alvarás expedidos pela Justiça que lhes possibilitava sacar na boca do caixa a grana que muitos dos seus representados jamais desconfiaram existir.

Durante depoimentos à PF e à Justiça Federal, onde correu inicialmente – em sigilo – a investigação sobre a quadrilha do DPVAT, pessoas enroladas e testemunhas devem ter citado o nome do juiz. Daí o Doutor Edvaldo passou a figurar entre os indiciados e sua presença entre os acusados fez o processo ‘descer’ para o Tribunal de Justiça, onde foi aberto o inquérito conduzido pelo desembargador Joás Filho que incorporou novas acusações, fatos novos, e redundou na Operação Astreinte.

‘Vítima de uma trama’

Quando era juiz de Bayeux, em 2001, o juiz José Edvaldo Albuquerque foi denunciado pelo Conselho Tutelar local de ter praticado atos libidinosos com uma menor de 13 anos em seu gabinete.

Afastado do cargo em razão de tal denúncia, Edvaldo viria a reassumir suas funções cinco anos depois, quando o processo aberto contra ele foi finalmente arquivado, por decisão do Pleno do TJ em 7 de junho de 2006, depois de anulado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Na época, durante o julgamento, o desembargador Martinho Lisboa chegou a manifestar que Edvaldo tinha sido vítima de tramas e perseguições, mas sem mencionar de onde partiriam tais ações contra o juiz.

Nos bastidores, contudo, era dado como perseguidor o desembargador Marcus Souto Maior, com quem Edvaldo teria se desentendido e contra quem o juiz dito perseguido viria a oferecer denúncias junto ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

A rixa terminaria com o afastamento de Souto Maior das funções e a seguir uma aposentadoria precoce, que, acreditem, é dada como punição na magistratura.

Bom, se aplicarmos a esse nebuloso enredo a analogia da caça e do caçador, podemos dizer, como também diriam lá na minha adorada Bananeiras, que ontem foi dia do caçador.