Terço bizantino - Rubens Nóbrega

O governador Ricardo Coutinho reafirmou que o Estado está deficitário, financeiramente falido e falando, e esse déficit somente será resolvido lá pro final do ano. Sua Excelência repetiu a história do Estado quebrado aos jornalistas que cobriram anteontem a solenidade dos ‘Cem Dias’, no Espaço Cultural, em João Pessoa.

Minutos antes, porém, o Doutor Ricardo anunciara que este ano a sua gestão pretende investir R$ 800 milhões em obras e serviços. O anúncio das realizações deixou-me na dúvida ao ser cotejado com a informação do déficit que o governador e seus mais autorizados porta-vozes repetem feito mantra.

Mesmo sabendo que boa parte daquele dinheiro vem ou virá de empréstimos acertados pelo governo anterior, ainda assim o Estado terá que fornecer contrapartidas vultosas para viabilizar e executar tais investimentos. E de onde – e como – virá tanto dinheiro de um cofre que, segundo quem tem a chave, ficará no vermelho até 2012?

Diante da aparente contradição, fico realmente sem saber em quem acreditar: se no governador que fala do futuro, para o futuro, ou no governador que volta ao passado recorrentemente para queimar o filme do antecessor.

Só tenho certeza de uma coisa: tem vez que esse discurso funciona… Tem vez que não. Mesmo quando funciona, o camarada que está no poder corre o risco de atacar demais o adversário, vitimizá-lo demais, fazendo dele um coitadinho, de quem o povo começa a sentir pena e aí…

Já quando não funciona é porque o jeito de sujar o cartaz do outro não dá certo e perde força por conta de o poderoso da vez tentar convencer que encontrou uma situação financeira ‘alarmante’, mas, para tanto, lança mão de números e versões que se apresentam conflitantes, inconsistentes.

É o caso presente da Paraíba. Explico. Ainda está bem vivo na lembrança do povo o alarme danado que o ‘Novo’ fez nessa questão. Quando chegou chegando, como diria o Chapolin, começou logo revelando, bombasticamente, que o ‘Velho’ deixara um ‘rombo’ de R$ 800 milhões.

Não demorou muito e resolveu aumentar o ‘rombo’ para R$ 1,2 bilhão. Aí, timidamente, algumas vozes da oposição ousaram duvidar do valor. Na tréplica, o ‘Novo’ veio com dois quentes e três fervendo e lançou um terceiro número na praça: R$ 1,342 bilhão.

Nenhuma das cifras aventadas pelos representantes da Nova Paraíba resistiu, contudo, à divulgação do Balanço do Estado de 31 de dezembro do ano da graça de 2010. Menos de três meses depois da espetaculosa revelação, o bilionário déficit caiu para menos da metade em termos orçamentários e a um décimo no financeiro.

Isso, segundo a palavra categorizada de dois dos mais acreditados expoentes da nova ordem, os secretários Luzemar Martins (Controladoria-Geral) e Aracilba Rocha (Finanças).

Em memorável entrevista concedida à imprensa no último dia 4, convocada justamente para rebater declarações do ex-governador José Maranhão, que na mesma data tentara pela primeira vez defender-se das acusações de que quebrara o Estado, para tanto valendo-se dos números do próprio Balanço divulgado, o Controlador Geral disse o seguinte (conforme matéria que peguei no Portal Paraíba 1):

– Luzemar relatou que em dezembro de 2010 havia a disponibilidade de R$ 617 milhões, mas por outro lado existiam obrigações a pagar de R$ 741 milhões. Os números corresponderiam a um déficit financeiro de aproximadamente R$ 123 milhões (…) O secretário destacou ainda que a antiga gestão deixou um déficit orçamentário de 411 milhões.

Assim como estranhou o meu querido Tião Lucena na oportunidade, também estranhei, mas ainda não tinha onde escrever o meu estranhamento, que no meu tiãolucenez ficou mais ou menos assim: “Oxente, e o rombo não era de R$ 1,3 bilhão? Quer dizer que agora é de R$ 123 milhões? Ou o que vale é o de R$ 411 milhões?”.

Bem, seja qual for o verdadeiro, de qualquer deles pra R$ 1,3 bilhão é dinheiro, compadre! É dinheiro!… De qualquer forma e sorte, na mesma entrevista dos secretários de Estado chamou-me também a atenção outra informação do ‘Novo’ repassada pela Doutora Aracilba (valendo-me ainda da matéria pública no Paraíba 1):
– A secretária de Finanças, Aracilba Rocha, garantiu que a atual gestão só encontrou R$ 1,2 milhão na conta do Estado. Ela disse que fora isso o único recurso disponível era de R$ 51 milhões do Fundeb, que só pode ser utilizado para Educação.

Surpreendente. O normal seria encontrar zero. Afinal, ensinou-me um experto nessa matéria, entre os dias 1º e 10 de cada mês praticamente não há crédito na conta do Estado. Nesse roçado, a primeira chuva boa só molha mesmo no dia 10, quando o governo federal repassa a primeira cota do FPE (Fundo de Participação dos Estados).

E por falar em FPE, o de janeiro é sempre o mais gordo do ano e deve ter somado não menos que R$ 175 milhões, líquidos. Só esse dinheiro já seria suficiente para cobrir a primeira folha de pessoal do Estado sob a Nova Paraíba, que deve ter ficado em pouco mais de R$ 150 milhões, líquidos, por conta do enxugamento de cerca de R$ 20 milhões promovido à custa do sacrifício de prestadores de serviço, demitidos aos milhares no Estado que vive um ‘Novo Tempo’.

Outro detalhe: pela primeira vez na história, mesmo tendo caixa para pagar o salário dentro do mês trabalhado, o governo estadual pagou no mês seguinte. Refiro-me à folha de janeiro, paga nos primeiros dias de fevereiro último.

Desde o ‘descobrimento’
Mas não é de todo culpa do Doutor Ricardo Coutinho repetir o que os outros fizeram quando se mudaram para a Granja e passaram a dar expediente no Palácio da Redenção. Existe atenuante para o atual governante, com o perdão da rima.

Esse desconto a gente dá, porque encontra na própria história do Brasil elementos para firmar um pensamento e concluir que esse negócio de esculachar quem veio antes já tem mais de quatro séculos e meio.

Aprendi que é assim com o professor e filósofo Tarcísio Burity. Ele ensinava que o único governador que não teve como falar mal do antecessor foi Tomé de Souza, por ter sido o primeiro a exercer o cargo no Brasil, então com o título de governador-geral, entre 1549 e 1553.

Vale lembrar que o próprio Burity não tirou proveito da própria lição. Quando governou a Paraíba pela segunda vez, entre 1987 e 1990, o renomado Professor de Filosofia do Direito falou mal do antecessor, Wilson Braga, até dizer basta.

Resultado: de tanto falar, Burity conseguiu a proeza de ressuscitar politicamente o Doutor Wilson. Após humilhante derrota para o Senado em 86, dois anos depois o ex-governador seria eleito prefeito da Capital com mais de 52 por cento dos votos.

Não, não acredito que o Doutor Ricardo cometa a mesma coisa com o Doutor Maranhão. O atual governador é homem inteligente, sabido, e já já vai parar de falar mal do antecessor. O danado é botar freio na língua de alguns de seus porta-vozes oficiais e oficiosos. O que me remete ao ensinamento de outro filósofo do meu apreço, o Doutor Gilvan Freire, que certa vez disse mais ou menos desse jeito:

– O problema da Paraíba não é tanto Cássio (agora Ricardo) ou Maranhão, mas os cachorrinhos que eles criam. Os bichinhos passam 24 horas por dia latindo, todo santo dia, e não cansam nunca.